A diversão suicida das tripas milionárias
Temos um exemplo dum apetrecho mais anárquico no qual o mainstream se atreve a apresentar. Como Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, 2014) e Deadpool (2016) funcionaram, faltava a DC lançar a sua cópia, utilizando o diretor do próprio Guardiões James Gunn. A intenção do material é usar dos artifícios possíveis ao meio e meter uma obra calcada no exagero pop de suas piadas, apostando na violência, velocidade e na linguagem verborragicamente chula. Propositalmente avacalhada.
James Gunn é mala. Ele aposta em personagens do submundo Z da DC pra poder fazer o que quiser com eles, e manuseando o processo a partir das HQs dos anos 80. Replicando aqui e acolá um esquema de cores para tal. Ora, tá na moda. Mas ele compõe tudo isso de maneira visualmente orgânica. Assim como – ele se considera liberado pra matar metade da galera – mantém o filme num meio termo entre continuação daquilo já proposto, e obra pra se contemplar isolada. Ou seja, tem referências ao universo das obras anteriores, mas não é dependente dos mesmos para prosseguir. Consegue agradar a ala mais hardcore do trabalho fílmico da DC/Warner e atende o espectador que pouco está se fodendo pra isso. As provas disso mostram o prosseguimento das peças do primeiro Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016, de David Ayer) e das citações a outros tipos como Coringa e Super-homem. Sem necessariamente mostrar quais são as versões (nem os donos dos filmes sabem quais serão as versões daqui pra frente), mas sinaliza ao que já fora feito.
Além dos acenos, a fita sustenta-se em sua narrativa independente do universo. Inclusive parte para um humor escrachado eternamente, algo que deixa o material desgarrar bem. Para encontrar uma identidade própria, aposta numa construção trágica dalgumas figuras em suas relações familiares paternas e maternas. Como um jeito de causar empatia do espectador por elas, e assim justificar suas ações. A metragem longa acaba por ser justificada por estes questionamentos. Como respiros no caminhar desenfreado da ação propriamente dita. Porém, o núcleo da Amanda Waller (Viola Davis) e seus paus-mandados não funciona. Soa deslocado e imbecil. Com o posicionamento deles resvalando no óbvio onde o exagero quando a eles imputado não alcança objetivo algum. E que, sem os mesmos na fita, diferença não faria.
Se tem uma coisa que o Gunn soube desenvolver, fora dar o espaço coerente para cada um da equipe de guerra tanto em ações individuais quanto nos esquemas do combate coletivo. Dando a envergadura e conflito de cada um mediante seus tempos em tela e nas suas respectivas forças narrativas. Seja no protagonismo da peleja e doidiça duma Arlequina (Margot Robbie) ou na construção de trajetória do Sanguinário (Idris Elba), ou então no posicionamento antagonista do ótimo Pacificador (John Cena). O trato com os personagens faz a trama seguir com bom ritmo encaixando na porralouquice vendida ali. Mesmo que tenham origens e desenvolvimentos parecidos aos do primeiro filme, ou a tantos outros. Isto inclusive também é motivo de piada na dissidência entre Sanguinário e Pacificador, que possuem características de luta similares.
E o que interessa? A Pancadaria? Ela funciona decentemente sem grandes surpresas e com ótima carga de selvageria com destaques para Tubarão Rei (voz de Sylvester Stallone), como força bruta do grupo sempre com bestialidade grotesca altamente divertida; assim como a Arlequina quando toma a frente em meio ao caos onde mostra tanto talento para o destroço quanto a ternura que Robbie consegue inserir numa criatura assassina psicopata. Existe até uma certa preocupação nessas questões, onde as qualidades de contenda das figuras são tratadas de forma esperta, e bem idiossincrática. Acertando para montar suas personas. A grosseria dum, a arrogância exagerada doutro no assassínio, a insanidade visual doutra e por aí vai. Acaba por buscar uma personalidade própria pra fita.
Além do núcleo imbecil citado parágrafos atrás, temos os sub-vilões comuns dos países latinos quase sempre presentes nessas produções, mas os vossos tratamentos são tão rasteiros que a existência dos mesmos serve pra justificar uma cena dum massacre mais à frente. Isso é suplantado na conspiração governamental estadunidense obscura de sempre. Todos estes elementos em repetição encaixam com a proposta, que aponta para os clichês de produções do gênero, aos quais entraram em moda na demanda do sarro. E estes rótulos são abraçados com a esperteza do simulacro de isenção do projeto. A lombra de ter uma estrela do mar alienígena gigante como vilã ao final só complementa o programa colorido e raivoso do James Gunn. Maroto.
Acaba por ser um entretenimento interessante e, felizmente, mais visto usualmente nos últimos anos. Isto diante do material corretinho por demais no qual assola o gênero. Não que o esquadrão aqui seja o suprassumo do tesão iconoclasta de uma era, mas vende bem uma verve incorreta divertida, não pelo ineditismo, mas pela jornada da coisa. Pelos próprios apelos e a competência dos seus direcionamentos, e feito – apesar da verba vultuosa – sem a pressão (e esculhambação) pela qual o primeiro filme passara, ou outros da DC. Gunn teve esta liberdade. O mercado está aceitando bem este tipo de obra ora porra. Cada vez mais. Mas reitero, é aquela brincadeira metida a insana e violenta, mas que não faz mal a absolutamente ninguém. Persevera com o intuito de ser uma curtição compromissada com certo estrago e autonomia de ação. Decentemente se vende bem. Com vontade.
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