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Aos Olhos de Ernesto

(Aos Olhos de Ernesto, 2019)
6,9
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Críticas

Cineplayers

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6,5

O que fazer em relação ao envelhecimento, quando o corpo, a memória e as pessoas já não são mais as mesmas? Talvez no filme mais importante de 2019, Scorsese em O Irlandês refletiu a tragédia de um homem incapaz de abandonar seu passado para abraçar o futuro. Já em Aos Olhos de Ernesto, também um drama da terceira idade dirigido por Ana Luiza Azevedo, da Casa das Ideias de Porto Alegre, vemos justamente um homem tentando fazer as pazes com antigo fantasma enquanto persegue um novo rumo.

Claro, qualquer comparação com outras vertentes do cinema param em correlações temáticas - Aos Olhos de Ernesto é um filme característico da lavra do coletivo de realizadores gaúchos que trouxeram outras influências e abordagens estilísticas e escreveram um capítulo particular na história do nosso cinema. Aqui, conhecemos a história de Ernesto, um idoso fotógrafo uruguaio que progressivamente perde a visão e descobre que um velho amigo morreu. Cada vez mais ranzinza, recusando-se a vender o apartamento e recebendo cada vez menos da aposentadoria. As coisas mudam nas suas interações e posterior amizade com Bia, uma jovem cuidadora de cachorros carregada de piercings, tatuagens e delineador preto nos olhos e aparentemente sem lugar para ir.

Claro que não é a primeira vez que o cinema lida com a questão de mundos à parte que acabam interagindo entre si. Na mesma semana, no Festival do Rio, Aqueles Que Ficaram apresenta a história de um médico amargurado e uma jovem adolescente órfã em busca de curarem suas feridas com o pós-guerra. O clássico de Hal Ashby Ensina-me a Viver é todo sobre um estranho casal de protagonistas. De animações como O Cão e a Raposa até longas policiais como 48 Horas, pode-se dizer que é uma das temáticas favoritas do cinema.

Filmes baseados no contraste correm risco de cair em armadilhas de enfatizar demais os "tipos" representados, mas felizmente o de Azevedo evita isso pelo menos no tocante à atuação de Jorge Bolani (Whisky) em um papel bilíngue, que frequentemente mistura português e espanhol, bem como a antipatia e a simpatia do público por seu comportamento temperamental e irascível que lentamente vai quebrando a casca pela personalidade insistente de Bia, interpretada por Gabriela Poester (Necrópolis), que já tem uma atuação menos naturalista que a de seu par, recorrendo à típica feminina excêntrica que o cinema usa como contraposição a figuras masculinas mais normativas e como elas são capazes de afetar positivamente o mundo do segundo.

Há de se dizer que Aos Olhos de Ernesto é lotado de bons momentos, como a dificuldade de Ernesto em se corresponder por cartas com a amiga Luíza, viúva de seu amigo Horácio, e precisar que outros leiam as cartas para si - e odiando os comentários que todos fazem ao invés de ler as benditas até o final. Ou a defesa que faz de sua amizade quase paternal com a garota, cheia de problemas como família ausente, falta de residência fixa e um ex-namorado agressivo alcançando momentos verdadeiramente comoventes, como quando no meio de um sarau de poesia urbana lotado de jovens abre seu íntimo em público para recitar um poema de Mario Benedetti. Uma prova da proficiência da diretora e também roteirista, ao lado de Jorge Furtado (Ilha das Flores) em lidar com temáticas sensíveis sobre pessoas quebradas pela vida. 

Ainda assim, há de se apontar que o filme não sabe lidar muito bem com personagens fora do duo principal; o filho é um personagem meramente acessório, servindo para detalhar que o protagonista tem uma relação familiar distante que quer consertar e não consegue, não parecendo existir por si. Outros personagens, como a diarista enxerida ou o ex abusivo ameaçam, mas jamais causam qualquer consequência efetiva no roteiro. E, claro, nesse ritmo, o filme fica parecendo muito longo: são duas horas que poderiam ser bem menos, afinal, após todas as dinâmicas serem estabelecidas, a impressão que dá é que leva ao menos uma hora para o filme se estabelecer completamente enquanto premissa de personagens. Se simpático e minimalista, o aspecto duração, ritmo e excesso dramatúrgico também o tornam cansativo.

De qualquer forma, é o tipo de filme (mais ou menos) afastado da produção que já se tornou clichê em nossa filmografia e justamente conquista a parcela do público que se incomoda com isso, com abordagens interessantes de estrangeiros construindo vidas e famílias em outros países e como aprendem a lidar com o passado para lidar com o persente: apenas sendo sincero em defender sua afeição por Bia que Ernesto pode ser sincero consigo mesmo e resolver certas coisas do passado que nunca teve coragem. Um digno drama sobre envelhecimento (e rejuvenescimento) que justifica a importância da Casa de Cinema para a sétima arte feita em nosso país.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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