De tempos em tempos, surge no cinema de horror um clássico instantâneo que resolve subverter muitas das regras do gênero, redefini-lo usando da quebra de clichês e/ou os parodiando, sendo o humor um forte aliado nessa meta de reconstruir uma obra a partir de estruturas já tão desgastadas. Geralmente frutos da paixão de um cineasta/autor apaixonados e observadores do modo de como diversas características do terror e seus subgêneros acabam virando fórmulas, consolidando padrões anteriormente só partes autênticas de filmes específicos, é a partir da reprodução racional, ou seja, não automática dessas fórmulas que esses indivíduos conseguem originar um material próprio, cheio de fôlego, boas ideias e com combustível suficiente para fazer brilhar os olhos dos fãs do horror, também cansados por tantas repetições e famintos por novas obras para serem admiradas.
Eis que recentemente surge “The Cabin in the Woods”, estreando somente depois de três anos após ter sido filmado e prometendo ser a última palavra em renovação do gênero. Apreciador de mistérios e fórmulas novas, Drew Goddard, famoso por roteiros para as séries “Buffy” e “Lost”, assume a direção e, aliado com Joss Whedon (o diretor de “Os Vingadores” e um dos roteiristas de “Alien – A Ressurreição”, que reinventou a franquia “Alien” da forma mais bizarra possível) no roteiro, conduz um verdadeiro espetáculo dentro de sua proposta. Mesmo que tenha um começo misterioso e irônico, onde acompanhamos a estranha conversa de dois funcionários de uma empresa qualquer, logo somos transportados para as obviedades, acompanhando um grupo de belos jovens em sua viagem para uma cabana na floresta, afim de um final de semana de muita curtição, sexo e drogas.
Nota-se, antes do próprio filme analisá-los (lá pela metade final), que os personagens são todos os mastigados estereótipos dos filmes de horror, a loira gata e burra, o valentão imbecil, o cara legal e inteligente, o drogado filósofo e a virgem tímida. Além dos clichês das personalidades, há inúmeros lugares-comuns ao longo do filme, seja a ponte que separa a salvação da perdição, o posto de gasolina com um habitante perturbado, a cabana na floresta, o porão cheio de segredos, uma gama de lugares e objetos tradicionais que referencia quase todos os subgêneros do terror. A narrativa dos jovens na cabana morrendo um por um tem sua expectativa invertida nas constantes quebras que intercalam eles e os funcionários de uma empresa que cada vez mais controlam os acontecimentos ocorridos na cabana. Quando percebemos que tudo é calculosamente proposital, desde bem antes dos jovens pararem na floresta, é a brecha para Goddard mostrar o lado cômico – e inteligente - da história.
Pouco a pouco, descobre-se como desde o início do longa os cinco jovens já faziam parte daquele sistema de massacre, e, somente depois de muito tempo, os que sobrarem se darão conta disso, de que são partes de um sistema que visa sua submissão pelo medo e repulsa para conquistar suas mortes. Programados para seguirem os tradicionais clichês, seja em suas personalidades cada vez mais simplistas e sua trajetória manjada, através de diversos artifícios como substâncias químicas, feromônios, objetos que acionam outros objetos e intervenções explícitas dos funcionários, tudo caminha como se fosse um sádico reality show, enquadrando os personagens para que os homicídios sejam mais facilmente aceitos, e os observando através de câmeras, satélites, televisores, como se fossemos os espectadores daquele massacre, de uma mídia da carnificina que se alimenta da fascinação do ser humano pelo violento, mas ao mesmo tempo fossemos também vítimas, acompanhando aquelas pessoas como quaisquer outras serem expostas a tanta crueldade.
Como disse Marty logo no começo do longa, a sociedade precisa desmoronar, para que se possa descobrir o que está além, quebrar o sistema que torna seus usuários em marionetes de ações programadas e uma vida controlada por imposições, medo e diversos aparelhos tecnológicos, celulares, rastreadores, câmeras. Rompendo o papel social que o próprio sistema os incumbiu, a transformação numa personalidade que não correspondem ao que realmente são e sim aos estereótipos, os personagens (que vão sobrando) de “The Cabin in the Woods” vão acordando cada vez mais para uma realidade que pode não ser verdadeira, a liberdade cada vez mais restrita, um jeito de ser e livre-arbítrio mudados por um esquema poderoso, e, quando despertam, finalmente percebem-se num jogo sem saída, entrando nesse sistema e vendo a chance de virá-lo para o outro lado, para seus criadores. É claro que esse lado todo é estudado por Goddard numa ótica bem humorada, satírica, deixando-o como pano de fundo para sua história de horror e humor, explícito quando coloca os jovens como a chance de mudança, mas constantemente controlados por forças “invisíveis”, menos o drogado que, apesar de divulgar hipóteses e desconfiança, não é afetado pelos artifícios da cabana, sendo imune já que as drogas supostamente “libertam a mente”.
Quando o longa vai chegando aos momentos finais e pensamos que o filme já mostrou tudo aquilo que podia, surge uma das cenas mais poderosas do cinema de horror contemporâneo, um mundaréu de pesadelos invadindo cada canto da tela e fazendo fãs de horror terem orgasmos múltiplos. Seus vinte e cinco minutos finais fecham com chave de ouro aquela estranha aventura de uma não tão equilibrada mistura entre humor e horror (Goddard em vários momentos prefere amenizar o horror e a violência, sobrepondo a comédia), que passeia entre suspense de cabana, filme de zumbi e ficção-científica, para chegar numa onda de revelações e uma certa participação especial inesquecível, apesar de escorregar no final e terminar com uma cena pra lá de besta. Parodiando clichês e padrões de seus subgêneros, a obra obviamente guardará muitos clichês e soluções fáceis para si própria, como personagens outrora mortos reaparecendo, saídas surgindo, frases tipo “ele estava certo o tempo todo”, previsibilidades talvez propositais ou não.
Igualmente a “Pânico” (1996), é uma obra que brinca com a linguagem e a estrutura de seu gênero, mas ao mesmo tempo se estabelece como uma auto-paródia, se encaixando no tipo de filme que pretende satirizar. “The Cabin in The Woods” é uma grande brincadeira, cheia de referências a outros filmes (principalmente “Evil Dead”, “Hellraiser”, e slashers no geral), que para além de seu humor negro desequilibrado e criatividade mórbida, se configura como uma complexa e bem sacada desconstrução daquilo que já estamos cansados de presenciar nos filmes de horror desde os anos oitenta, a década oficial de formação de padrões e estereótipos. Original, sedento por violência e ousadia, o filme de Drew Goddard é a prova de que o gênero horror é um tipo de cinema destinado a nunca morrer, mas sempre flertar com o seu e com os outros gêneros, inovar a seu modo e, principalmente, se reinventar.
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