Arte é expressão humana. O pintor, o diretor, o escritor, o músico, nomenclaturas que nos afastam da simples ideia de que quem está do outro lado é um igual. Uma pessoa de necessidades, de histórias e desejos. De imediato, o que vem do outro lado é o ímpeto da criação, é o que nos conecta. Um diz, outro responde. Um representa, outro é representado. Um identifica, outro se identifica. A peça fundamental nesse jogo é a interpretação, o diálogo a ser estabelecido entre as duas partes. Nós olhamos a obra de frente, o criador olha por trás...
Por trás de nossas costas. Sermos decifrados é tão importante quanto não decifrarmos como a arte surgiu e foi feita por alguém. Faz parte da mágica. Já dizia Wilde, revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte. A arte é tão funcional quanto seu autor for um animal noturno.
Mas para nós, as melhores obras são aquelas que nos atingem num nível pessoal, íntimo. O autor ressurge. Passa a ser um companheiro, um amante, um consolo. Eu sinto o que você sente, eu vejo o que você vê. As minhas dores são as suas dores, então me mostre se há como repará-las, aliviar essa angústia dos dias. Se há como consertá-las de forma que ganhem um novo sentido, um lugar para serem tratadas. Eu sinto tanto, e o que sinto fica guardado, acumula numa barreira que não sei até quando serei capaz de aguentar. Cria rachaduras, aparece nos olhos, na fragilidade, exposto na linguagem do corpo. A repressão é a paliativa, só cala por um momento o que insiste em me ocupar. Ignoro o quanto posso, finjo o quanto posso, me torno escravo do calado e reprimido. Tento ser menos humano, até que alguém finalmente me liberte, alguém que recupere a humanidade perdida. Alguém que sinta o mesmo que eu.
Autor, liberte-se. Porque quando você se liberta, você me liberta. Da dor, da cruz que carrego no pescoço, do quão medíocre essa vida se tornou.
Você pode me horrorizar. Pode me mostrar o quanto está com ódio, deixar explícito o rancor, corte e deixe sangrar. Quem não gosta de um belo soco no estômago? Mas justifique a violência, faça com que o choque encontre um fim. De sofrimento sem sentido e sem fim já basta a realidade. Ganhe minha confiança por seu próprio talento, por sua maneira de converter o sofrimento em novos caminhos, em novas possibilidades, para nós dois.
Ganhe minha confiança e eu serei sua.
Porque é só quando os meus sentidos cederem que eu posso, finalmente, assumir os riscos da interpretação. Fazer da sua obra minha. Descobrir um lugar em que tudo pode ser dito e exposto, em que gordas possam celebrar orgulhosas e nuas seus corpos tão negados, e por minha vez eu não tenha mais que negar, reprimir, por medo, preservação. Se deixei você entrar e me revelar, é para que me mostre como sair. Como artista, é o seu dever chegar ao cerne das coisas e transformá-las, fazer do vil poesia, da dor alívio. Fazer do que nos deforma algo que nos reforme. Criar sentidos para que a vida possa ter algum.
Tudo para que no final seja uma história feita para mim, de você pra mim. Mas ninguém nunca vai saber desse segredo que compartilhamos, dessas sensações que tivemos juntos, que ferveram aqui dentro. Você será aplaudido por muitos, que nunca saberão da nossa história, de tudo que foi dito apenas para que eu soubesse. Você me decifrou, abriu-me como um cadeado para uma nova vida. E se nela houver qualquer chance de felicidade, por mínima que seja... essa chance é agora.
Que texto original! Gostei da maneira alternativa como vc analisou o enredo. Ficou consistente e envolvente, deixou o filme um pouco melhor do que me pareceu.
Parabéns, Bruno!
Valeu Patrick! 😋
Fiquei extasiado quando saí do cinema e escrevi esse texto quase na intuição, mas não é assim quando a gente fica inspirado? 😁