A oitava parceria entre o diretor Tim Burton – mais famoso por sua excentricidade, menos por seus fãs xiitas – e o ator Johnny Depp – tão excêntrico quanto o diretor, e com mais fãs “radicais” ainda –, trás de volta tudo que já conhecemos da dupla, para todo bem e todo mal.
Sombras da Noite é baseado no seriado homônimo que foi transmitido nos Estados Unidos entre 1966 e 1971 pelo canal ABC. A ideia surgiu a partir de um sonho que Dan Curtis – criador da série – teve, no qual uma mulher misteriosa viajava de trem. Com o aval do canal, o seriado começou a ser produzido. A princípio, Sombras da Noite recebeu criticas negativas, já que os primeiros episódios serviam para introduzir os personagens e aos poucos os acontecimentos misteriosos surgiam na história. Porém, assim que os enigmáticos eventos despontavam, não só as criticas mudaram, mas também a série se tornou o primeiro grande sucesso vespertino da ABC (hoje, a série mais conhecida do canal é a cômica Modern Family).
O seriado foi transmitido durante muito tempo no mesmo horário no qual hoje nos canais brasileiros são transmitidos seriados como “Todo Mundo Odeia o Chris”, o que foi essencial para o hype que a série tem hoje. No fim da tarde, quem estava na frente da televisão eram crianças e adolescentes, já que durante o horário os pais ainda estavam trabalhando, ou preparando o jantar. O que é normal, muita gente já cansou de assistir vários episódios de “Eu, a Patroa e as Crianças” seguidos em vários finais de tarde. Só que no caso de Sombras da Noite, algumas das crianças, adolescentes e tweens – que, a propósito, é uma das palavras mais estranhas que poderiam inventar – eram Quentin Tarantino, Madonna e é claro… Tim Burton e Johnny Depp (que é um dos produtores do longa-metragem).
Do fim da série até os dias de hoje se passaram mais de 40 anos, um remake do seriado, um filme feito para um festival sobre a série em 2005 e a parceria entre Burton e Depp já tem mais de duas décadas de existência. Pensando bem, até que demorou, não?
No filme de 2012, Barnabas Collins(Depp) é um abastado jovem britânico que foi com sua família ao então chamado Novo Mundo, a fim de colonizar uma terra cheia de “selvagens” e ficar – mais – rico. Em sua juventude, tem um romance com Angelique Bouchard (Eva Green) até que encontra seu verdadeiro amor, Josette Du Pres (Bella Heathcote). Abandonada e ferida, Angelique decide se vingar, o que se mostra uma tarefa fácil, já que a moça é uma bruxa. Após desgraçar a vida de Barnabas, ela o transforma em vampiro e o enclausura, pretendendo deixá-lo em tal situação eternamente.
Quase dois séculos depois, Barnabas consegue se libertar e acaba encontrando não apenas o mundo completamente diferente do que conhecia, mas também o que restou dos Collins: uma família disfuncional cada vez mais pobre. Decidido a refazer a fortuna da família e conquistar o coração da governanta da casa, que – por acaso – é extremamente parecida com sua falecida amada, o vampiro acaba por lidar com uma psiquiatra alcoólica, pais ausentes, fantasmas, lobisomens, um negócio de pesca de mal a pior e uma inimiga antiga.
Como de costume nos filmes do diretor, em Sombras da Noite a direção de arte é impecável. Cenário, figurino – com destaque ao usado por Eva Green, que é maravilhoso – e maquiagem excelentes, com a característica obscuridade presente nas obras de Burton. A trilha sonora de Danny Elfman também está ótima, sendo bem usada tanto nas cenas cômicas como também nas dramáticas.
Os atores escalados para os papeis são em sua maioria, no mínimo, bons. Além dos já citados, complementam o elenco a sempre presente Helena Bonham Carter, Michelle Pfeiffer, Jackie Earle Haley, Chloë Grace Moretz, Jonny Lee Miller e Gulliver McGrath. Fazem participações especiais os atores Christopher Lee e o falecido Jonathan Frid (que interpretou Barnabas no seriado), além da lenda do rock’n’roll Alice Cooper (presente em uma das melhores cenas do longa-metragem).
Com um elenco tão bom, baseado em um seriado considerado um dos mais legais de todos os tempos, direção de arte afiadíssima, Sombras da Noite poderia ser um dos filmes bons do Tim Burton, daqueles que ele parou de produzir depois de Peixe Grande (Big Fish no original, de 2003). Só que não é o que acontece.
Com tantos bons atores e personagens extremamente interessantes – cada qual com seu próprio drama –, o diretor opta por aprofundar nenhum. Tudo parece muito superficial. O amor de Barnabas por Josette (e depois Victoria – também interpretada por Heathcote) mesmo com todas as cenas dramáticas e poucas românticas, deixa a impressão de ser apenas uma paixonite. Pfeiffer enquanto matriarca de uma família em ruína é raramente usada, assim como Helena como psiquiatra – a atriz tem alguns poucos bons momentos, talvez por ser mulher do diretor, não pela fantástica atriz que é. O drama do personagem de Gulliver McGrath como garoto órfão de mãe, deixado de lado pelo pai, e que ainda por cima vê fantasmas, poderia ser muito mais desenvolvido. Uma das mais infortunadas foi Moretz, cuja carreira está em ascensão. Parece que Burton havia se decidido por a personagem ser uma “típica adolescente” o filme inteiro, e de ultima hora, no final, mudou de ideia e a transformou em algo mais.
A única atriz a se sobressair foi Eva Green, a vilã do longa-metragem. Repetindo o bom trabalho presente em seus filmes e séries anteriores, a atriz consegue levar ao expectador todas as facetas de Angelique, de sedução à raiva, devoção à impiedade. De femme fatale à louca de jogar pedra. Assim como os outros atores, ela poderia ter sido muito melhor utilizada, mas consegue fazer bem seu trabalho mesmo com todas as adversidades.
Johnny Depp é um caso a parte. Considerado um dos melhores atores em exercício na atualidade, em Sombras da Noite ele continua excêntrico como estamos acostumados a vê-lo. Infelizmente, talvez por costume, durante mais da metade do filme se tem a impressão que na verdade Barnabas é o Capitão Jack Sparrow, que por algum infortúnio pirata acabou se tornando vampiro.
Um dos motivos pelo qual Sombra da Noite se tornou uma série clássica é um dos mesmos pelo qual o filme de mesmo nome fracassa. No seriado, tudo foi bem planejado, colocado aos poucos para que o expectador se familiarizasse com os personagens e se aprofundasse nas histórias de cada um. Fazendo exatamente o oposto, Tim Burton demonstra afobação e superficialidade que não eram presentes em suas obras mais antigas. Talvez seja a hora de um “casamento” de mais de 20 anos ter uma pausa. Enquanto expectadora, sinto falta de atuações como as presentes em Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland no original, de 2004) e filmes como Peixe Grande (já citado, meu preferido do diretor). Não estou sugerindo uma separação… Só um tempinho longe um do outro, pra quem sabe depois eles voltarem com uma nova “chama”.
Sombras da Noite, que estreia essa sexta-feira é uma boa pedida para quem quer passar o tempo e/ou é fã do diretor (e dos atores, quem sabe), mas não espere encontrar algo novo, porque em sua excentricidade, Tim Burton segue em monotonia.
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