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Especial 10 Anos Cineplayers - Filmes de 2003

Depois de três meses, chegamos ao fim do nosso especial que revisitou a história do cinema durante os dez anos de existência do CinePlayers. Foram 156 filmes reunidos com o intuito de ajudar o leitor a ir atrás de algumas obras importantes que talvez tenham deixado passar em branco, ou não conheciam, ou nunca tiveram a oportunidade de assistir durante esse período; enfim, conhecerem ou relembrarem um pouco dessa história que se mistura com a nossa.

Diretores consagrados, filmes populares; teve de tudo: o intuito nunca foi fazer uma lista cult ou pop, apenas dar a oportunidade de cada editor falar algo sobre um determinado filme (e apenas um por ano) que ele tivesse vontade. Foi a única regra.

Ainda estudamos a possibilidade de fazer a mesma coisa com os demais anos do cinema (em ordem e com um período bem maior entre um artigo e outro), mas isso apenas o futuro dirá.

Antes de finalmente exibirmos a lista, fiquem com o índice dos demais anos do especial. E, claro, não deixem de comentar se vocês fariam alguma escolha diferente do que está mais abaixo.

2004, 20052006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012.

Até a próxima e muito obrigado por todo o carinho ao longo desse tempo! 

 

Dogville, de Lars von Trier

O objeto de estudo de Lars Von Trier é a sociedade, seja qual for. É a vida coletiva e a vida privada que se misturam e se confundem. São pessoas que não enxergam limites e não veem limites para si, apenas para os outros. É a hipocrisia. Pessoas que simulam. A representação. Por isso o cenário como um palco. Não há paredes, não há delimitação. É como se todos soubessem da vida de todos. Seria uma sociedade pequena e transparente. Mas as pessoas não são transparentes como parecem. Dogville é um lugar sem limites físicos e morais. Não há como desviar a atenção para nada além dos personagens. O olhar é deles. Não se sabe onde começam e terminam os direitos e deveres de cada habitante. E decifrá-los é desesperador. Os moradores estão sempre falando sobre o bate-estaca que constrói uma prisão, sem se dar conta de que a prisão, na verdade, sempre foi a própria cidade-título. Grace, no fundo, foge de sua essência. Da maldade que sempre a cercou. Mas ela não encontra a paz nem mesmo em um pacato cenário. Ela encontra a natureza humana e vê que ninguém é diferente. Nem a condição muda as pessoas. Sejam crianças, idosos ou deficientes. O lado animal parece louco para despir-se da domesticação. Salva-se o cachorro, que ladra, mas não morde. O ser humano é cruel. Dogville!

- Emilio Franco Jr.

 

Elefante, de Gus Van Sant

Trabalho magistral de câmera no deslocamento terreno, na exploração dos espaços, com o objetivo de traçar um jogo de pontos de vista sobre os mesmos acontecimentos sem se ater à linearidade temporal, oferecendo um filme de muitas perspectivas, mas sem nenhuma perspectiva oficial condutora. Sua técnica de inúmeros travelings, acompanhando freneticamente os alunos em um aparente dia comum escolar, se revela um uso poderosíssimo da imagem como elemento narrativo primordial e, no caso, único do cinema. Sem a necessidade de narrações em off, ou de qualquer outro tipo, a câmera nos basta para adentrar naquele universo e entender o suficiente de cada uma das situações entrelaçadas por um tempo momentaneamente ausente. Diz o diretor que sua inspiração para nomear o filme foi a parábola dos cegos que apalpam um elefante, cada qual em uma parte diferente, de modo que cada um consegue descrever seu pedaço, mas nunca o grupo consegue formar uma visão total da situação. O mesmo se dá aqui, com fragmentadas narrativas cruzadas, que jamais poderiam ser colocadas numa sequencia lógica capaz de oferecer uma visão total da história, e que justamente por isso parecem tão amplas e abrangentes. Elefante é só imagem, em seu estado mais incisivo e tocante.

- Heitor Romero

 

Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola

O cinema e a solidão sempre caminharam lado a lado. Ainda mais em plena era da Internet, os jovens, com acesso mais fácil e prático a praticamente toda a biblioteca de filmes já feitos, encontraram em Encontros e Desencontros a compreensão de algo maior, mais paupável. Encontraram, acima de tudo, algo que os entendessem. Ok, o filme de Sophia Coppola jamais cita a Internet, mas é impossível não pensar nas madrugadas em claro que passamos pensando na vida, refletindo, trocando ideias com pessoas que, se não fossem por isso, jamais teríamos contato. É o mesmo caso de Scarlett Johanson, isolada no Japão, que acaba encontrando em Bill Murray, um sujeito nada sensual, a companhia para não desistir de viver. O segredo ao pé de ouvido nunca foi revelado, mas também nunca foi tão claro para essa geração que cresceu trocando mensagens tão secretas quanto no ICQ, MSN e Facebooks da vida.

- Rodrigo Cunha

 

Filme de Amor, de Júlio Bressane

Filme de Amor talvez não seja dos melhores filmes de Julio Bressane, e tampouco é meu favorito do diretor na década passada, porém, não seria justo deixar Bressane de fora das listas de dez anos do Cineplayers por se tratar do principal cineasta brasileiro em atividade no período em questão. Pode não ser um dos seus trabalhos à primeira vista mais estimulantes (os imediatamente posteriores Cleópatra, sobretudo, e A Erva do Rato possuem uma vitalidade bem maior), nem muito recomendado para os não-iniciados no estilo do diretor, aqui livremente inspirado no mito das Três Graças – o amor, a beleza e o prazer – em torno do encontro em um quarto de um prédio antigo entre um homem e duas mulheres que se entregam ao desejo carnal e ao diálogo como reflexão e pura transcendência. Só no desfecho descobriremos as origens comuns desses personagens. O trabalho de fotografia se baseia na pintura erótica de Balthus, e o que temos é a beleza e o rigor dos enquadramentos, das angulações, cores (há também sequências em preto e branco), sombras, texturas, luz. Beirando a excelência e por vezes caindo no francamente pueril, Filme de Amor se desenvolve entre a literatice e o radicalismo formal, o sublime e o ridículo, o pornô e o erudito, a putaria e a filosofia, e especialmente, a carne e o verbo, que é, afinal, do que se constitui o amor.

- Vlademir Lazo

 

Gozu, de Takashi Miike

Ninguém filma como Takashi Miike.  Normalmente deve-se evitar afirmações superlativas, absolutas ou definitivas do tipo ao se escrever, mas, nesse caso, é difícil fugir: o “teatro de horror yakuza” acusado pelo subtítulo original é uma das obras mais perturbadas da longa filmografia do incansável e frenético diretor. Mais uma vez, um fiapo de história – um homem procura por seu irmão desaparecido em uma pequena cidade e se depara com eventos sobrenaturais  - é estendido ao máximo com uma narrativa fragmentada, humor estranho e cenas surreais e irracionais, em um jogo diegético de cores, sons e unidades dramáticas estranhas de ação que compõem uma das atmosferas mais ambíguas e doentias dos últimos anos. O irmão sobrenatural de Audition é um filme que preza pelo ilógico e pela confusão, sem jamais arrefecer o tom. Cineasta da fúria e do instinto, Miike despreza convenções estéticas, narrativas e morais. É extremo, incômodo e repulsivo, falando tanto às mentes quanto às vísceras de quem assiste. E Gozu, antes de mais nada, é outro belo chute na canela do cinema bem-comportado.

- Bernardo D. I. Brum

 

História de Marie e Julien, de Jacques Rivette

A história de Marie e Julien é um filme sobre o amor entre pessoas que vivem “espiritualmente” distantes. Julien trabalha consertando relógios; logo, mexe simbolicamente com o tempo, com aquilo que, de  maneira incompreensível, o separa de Marie (os meses que mantiveram o casal afastado escondem fatos que impossibilitam sua união efetiva), e está sempre buscando encontrar sob dúzias de simulacros a verdade sobre o passado de sua amada. Construindo uma aura fantástica de mistério, Jacques Rivette dá formas a uma obra atravessada por enigmas, complexa e bastante sedutora. A última cena é especialmente sugestiva, pois é nela onde Marie pede “um tempo” a Julien, e isso, além de funcionar como uma leve ironia, deixa o espectador com a impressão de que, no fim, haverá um recomeço. Trata-se de bela história onde estão escondidos fantasmagóricos segredos, que é cíclica como o tempo, como o eterno movimento dos ponteiros do relógio, e que jamais poderia ser satisfatoriamente resumida em um texto tão curto como este.

- David Campos

 

As Invasões Bárbaras, de Denys Arcand

Estirado sobre o leito de morte, Rémy é visitado pelos amigos de uma vida inteira e rememora antigas ideologias caídas, sonhos desfeitos, planos fracassados. Sua existência, porém, não é assinalada somente por derrotas: a passagem dos anos também lhe permitiu construções de base invisível e essenciais a qualquer ser humano: os laços. Sejam de amor, sejam de amizade, eles são o envoltório e o sustentáculo que o fazem querer permanecer neste mundo, arremessando-o em uma luta inglória contra a própria finitude, acelerada pelo avanço de seu câncer. E, em meio a esse processo de erosão corpórea, o protagonista é confrontado com o espelho invertido no qual se reflete o único filho, que remete aos laços familiares e cuja relação tumultuada pelas fortes divergências, sobretudo de ordem política, clama por trégua. Brilhantemente dirigido por Denys Arcand, As Invasões Bárbaras excede o caráter denotativo de seu título e aponta para a inevitabilidade do fim, ante ao qual picuinhas e mazelas se tornam pequenas demais, dignas de um bolso furado. Verborrágico até a medula, o longa é um tratado sobre a milenar lei da semeadura, aplicável a qualquer uma de nossas ações, e uma constatação de que o tempo não pode ser trapaceado.

- Patrick Corrêa

 

Kill Bill - Volume 1, de Quentin Tarantino

Após Cães de Aluguel e Pulp Fiction – Tempo de Violência, que tinham a originalidade do roteiro e os deliciosos diálogos como duas de suas grande forças, talvez poucas pessoas esperassem de Kill Bill – Volume 1 aquilo que ele se mostrou ser: uma total e completa carta de amor de Quentin Tarantino ao cinema. A história, aqui, é infinitamente mais simples do que aquelas vistas em seus esforços anteriores, mas serviu bem como desculpa para o diretor Tarantino se sobressair ao roteirista Tarantino. Utilizando praticamente todos os recursos técnicos possíveis – telas divididas, planos-sequência, brincadeira com as cores e uma infinidade de artifícios –, o ex-atendente de locadora erigiu um filme que é o Cinema pelo próprio Cinema, a imagem pela imagem, uma homenagem às suas infinitas referências e um deleite absurdo para qualquer cinéfilo. Não há como não assistir a Kill Bill – Volume 1 sem um sorriso no rosto. É, indiscutivelmente, um dos grandes exercícios cinematográficos do início do século e a prova de que Tarantino era mais do que apenas um grande roteirista. E o melhor: ainda tínhamos o segundo capítulo pela frente.

- Silvio Pilau

 

Memórias de um Assassino, de Joon-ho Bong

O reconhecimento mundial de Joon-ho Bong viria alguns anos mais tarde com O Hospedeiro, mas em Memórias de um Assassino o coreano já apresentava sua excepcional habilidade narrativa em uma miscelânea de gêneros que equilibra elementos de thrillers, filmes policiais e comédia ácida/pastelão com incrível naturalidade para retratar os esforços de um atrapalhado detetive e a equipe de sua corporação para descobrir a identidade do serial killer que atormenta uma região rural da Coreia – plot inspirado numa história real do país. Muito se fala do realismo na abordagem da investigação como grande mérito do filme, mas o que realmente se destaca é como cada passo em falso e cada novo conflito que nos conduzem a estímulos e situações inusitadas para a história chegam ao espectador através de uma encenação incrivelmente imaginativa e atenta para detalhes da ambientação, com um controle da câmera e dos cortes que potencializa a todo instante as situações registradas através de uma fundamental seleção de imagens que, por maior que fosse o “realismo”, o olho humano jamais poderia realizar sem os mecanismos do cinema.

- Daniel Dalpizzolo

 

Monster – Desejo Assassino, de Patty Jenkins

Com as polêmicas recentes sobre o tema, e a abertura do homossexualismo como sendo aceito mais do que nunca, Monster – Desejo Assassino permanece uma obra forte e atual - talvez até mais do que quando foi lançado. Charlize Theron conseguiu quase que literalmente entrar no personagem ao ter o aspecto físico totalmente alterado para o filme, tanto que acabou ganhando o Oscar de Melhor Atriz daquele ano. Sua interpretação é mesmo muito poderosa, e o filme cria cenas que ajudam a atriz a mostrar seu talento, pois exigem muito do aspecto emocional. Monster – Desejo Assassino é uma obra contundente e a que todos os políticos poderiam assistir.

- Josiane K.

 

Oldboy, de Chan-wook Park

Um homem é sequestrado e preso num apartamento por 15 anos sem saber as razões. Num quadro consta a frase shakesperiana: “Ria e o mundo rirá com você. Chore, e chorará sozinho.” O personagem Oh Dae-su a contempla, sorri para ela, observando o desenho, sorrindo como reflexo. Sua vida se esvai, fragmentando-se junto à imagem. Oldboy é o segundo filme da trilogia da vingança do ótimo cineasta sul coreano Chan-wook Park. Violento e mirabolante, é agraciado por virtuosas reviravoltas, trafegando no meio de simbolismos organicamente referentes às situações da narração que junta Dae-su Oh e uma jovem. Quando livre, ele segue atrás das razões da lacuna temporal de sua história e segue consumindo tragédias. Movimentos vertiginosos de câmera, uma fotografia turva tal como o negrume memorial do herói sitiado, uma história penosa bem contada que transcende profundezas psicológicas e cenas para serem lembradas por anos – entre elas a sequência de luta num corredor – fazem do longa uma faustosa obra-prima.

- Marcelo Leme

 

Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, de Tim Burton

Pelo irrepreensível uso da linguagem cinematográfica, Tim Burton explora com beleza e sensibilidade a fábula de Daniel Wallace – que, baseada em temática central universal, a relação pai e filho, se mostra um ensejo para a análise de três registros do funcionamento psíquico humano: o real, campo que foge à subjetividade humana; o imaginário, aquele feito de imagens, fantasias, crenças e conceitos; e o simbólico, campo que depreende do discurso os desejos, a verdade, de um indivíduo. Com sutileza, a obra desenvolve esse tema complexo de modo a gerar identificação entre o público e Edward Bloom, que tem sua capacidade de equilibrar essas três dimensões (Ed é igualmente pró-ativo, atencioso e carinhoso, criativo e determinado) ilustrada pelo modo como suas histórias confundem fantasia e realidade. Em inspirada utilização de metáforas e alegorias, Burton e Wallace ainda conferem respaldo psicanalítico à conflituosa relação de Will para Ed, que, ao narrar que não se vê refletido em seu pai, expõe o desenvolvimento de tal frustração pela ausência do genitor durante a fase do espelho, da formação da identidade, ou seja, quando o campo do imaginário se desenvolve (o que explica a intolerância do filho para com as histórias maravilhosas de Ed). Assim, Burton transforma uma história sofisticada, a agregar elementos de áreas distintas, num filme divertido, tocante e acessível. Isso é cinema.

- Rodrigo Torres de Souza

 

Procurando Nemo, de Andrew Stanton e Lee Unkrich

Procurando Nemo é um filme cruel. Nos primeiros 5 minutos de projeção, Coral e Marlin, o casal de peixes-palhaço que conta os minutos para ver seus 400 ovinhos  ganharem vida, sofrem o ataque surpresa de um tubarão. Nemo, o único filho sobrevivente, nasce órfão de mãe. Um pouco mais à frente, o mesmo Nemo, sedento por aventuras, se perde do pai, e se vê obrigado a viver dentro do aquário de um dentista, repleto de criaturas estranhas e desconhecidas. A perda precoce da mãe e a separação abrupta do pai vão costurar o grande tema do filme: qual a medida certa de proteção que devemos dar aos nossos filhos? Por não ter conhecido a mãe, Marlin acha que Nemo já sofreu o bastante na vida. Sua meta é evitar que o filho sofra novos aborrecimentos. Talvez sem perceber,  Marlin exagera na dose e sufoca a criatura. Impede que ele assuma suas responsabilidades, não confia nas aptidões e nos instintos do próprio filho, faz dele uma eterna criança. É o inconformismo e a curiosidade de Nemo, típicas da idade, que criam a necessária ruptura de gerações. Além dos protagonistas, dois personagens merecem destaque: Dolly, a peixe com déficit de memória, e Crush, a tartaruga descolada. É com eles que Marlin trava os melhores diálogos. Com a primeira: “Eu prometi que nunca deixaria nada acontecer a Nemo!"; "Esta é uma promessa engraçada...”, “Por quê?”, “Bem, você não pode deixar que nada aconteça com ele. Porque assim nada vai acontecer. Meio sem graça, não?”. Mais à frente, impressionado com a educação liberal adotada por Crush com seus filhos, Marlin lhe pergunta: “Quando você saca que eles estão prontos?”, ao que a tartaruga velha de guerra responde: “Bem, você nunca saca, mas quando eles sacam, você saca, sacou?”. Por tudo isso – premissa forte e que ultrapassa os próprios limites da tela, personagens carismáticos e bem construídos, diálogos profundos e engraçados –, Procurando Nemo é brilhante.

- Régis Trigo

 

O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei, de Peter Jackson

O terceiro capítulo da trilogia O Senhor dos Anéis foi um dos filmes mais hypados de todos os tempos. Considerado uma espécie de Star Wars de sua geração, e devido ao mundaréu de prêmios conquistados pelos dois capítulos anteriores, além das bilheterias exorbitantes, criar-se-ia o cenário perfeito para o filme-evento da década até então. O Retorno do Rei chegou e correspondeu a todo esse hype, sendo largamente aceito pelo público e pela crítica – o que culminou na conquista de 11 Oscar em 100% das categorias em que foi indicado, algo inédito. O Senhor dos Anéis dita, ainda 10 anos depois, como o cinema de aventura é realizado, mas nenhuma das obras do gênero (nem sequer O Hobbit, criado também a partir da obra de Tolkien) conseguiu igualar o conjunto de suas qualidades. Alguns atores do filme e o diretor definiram suas carreiras no sucesso após esta obra; enquanto outros não aproveitaram o momentum e acabaram relegados a filmes pequenos. Mas, todos eles, aqui acabaram imortalizados nas telas.

- Alexandre Koball

 

Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood

Quando Annabeth absolve Jimmy Markum, seu ‘rei’, pela morte de Dave Boyle, Sobre Meninos e Lobos ultraja a lei fundamental do cinema de Eastwood, um cineasta da violência, exterminador e classicista, cujo apetite pelo transtorno sempre encontrou correspondência na alma humana. A ideia de um mal extrínseco ao homem é exceção da regra, sobretudo no cinema americano da Nova Hollywood, embora se afilie ao film noir, mas ainda assim Baixeza é Siodmak, Almas Perversas é Lang, Na Teia do Destino é Ophüls, Passos na Noite é Preminger. Para buscarmos o filme que trate do mal como artifício humano precisamos voltar aos americanos, como Welles (A Marca da Maldade) e Ray (No Silêncio da Noite). Nisto, Sobre Meninos e Lobos é raro e estranho. O Eastwood que aceita sua sentença e caminha para a execução em Os Imperdoáveis e Gran Torino não é o mesmo que reclama a intervenção de algum algoritmo diabólico para explicar a violência dos lobos. Para este Eastwood, não se deve inquirir o homem, criança alheia à ordem que a comporta, mas os misteriosos sumidouros do Mystic, Deus solene que no fim uma câmera, alada e complacente, sobrevoa para diante dele suicidar-se num fade out.

- Luis Henrique Boaventura

 

Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci

Bernardo Bertolucci sempre tentou conciliar o cinema de autor europeu com o cinema comercial americano ao longo de sua carreira, com resultados mais ou menos encorajadores (menos, menos), mas em Os Sonhadores o cineasta, já na maturidade, parece finalmente ter se desvencilhado das pressões que se auto impôs de fazer cinemão e filmou com raro prazer, sem os tiques maneirísticos e o exagero publicitário que entulham seus filmes. Fez uma de seus obras mais belas, uma terna reflexão sobre a herança das esquerdas da década de 60. A conclusão (o maior legado mais importante foi cultural, mais do que político) não soa uma provocação, que ele já tentou fazer antes sem sucesso. Ao contrário, é puro prazer.

- Demetrius Caesar

Comentários (33)

Rodrigo Torres | quinta-feira, 11 de Abril de 2013 - 04:38

Como muitos disseram, reitero: textão do Emilio para Dogville!

Felipe Rosa da Silva | sexta-feira, 19 de Abril de 2013 - 16:17

Excelente lista. Principalmente por conter Sobre Meninos e Lobos e Dogville. Faço coro aos demais... continuem as listas!!!!

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