Saltar para o conteúdo

Artigos

Janela de Cinema do Recife - Curtas #1

NUA POR DENTRO DO COURO

Parece síndrome da teoria de autor querer buscar uma matriz presente nos filmes de um cineasta desde suas primeiras produções, mas fica inevitável não trazer, por exemplo, Verbena e Limão e You Bitch, Die!!!, de Lucas Sá, ao falar de seu novo filme, Nua Por Dentro do Couro. Interessa-me observar essa trajetória de refinamento, de certa forma. A violência explícita, o humor trash, as referências claras (embora muito mais latentes em Nua), as fortes figuras femininas no centro da narrativa, permanecem em seu cinema. Todavia, há evidentemente uma autoria muito mais forte aqui, distante dos exercícios de cinefilia dos seus primeiros filmes, uma estética já própria de Lucas Sá. E, vale dizer, detectamos facilmente: o estilo kitsch, as cores saturadas, o slow-motion de Kar-Wai (por puro estilo – e não há problema algum nisso), a linguagem pop, inclusive na trilha sonora.

Talvez, porém, Nua por Dentro do Couro vá um pouco além de todos os filmes do diretor. Arrisca-se mais, exacerba na violência, evidencia o feio, o que nosso olhar rejeita, o que não queremos ver – mas temos que olhar. Confunde o espectador, turva os significados, não explica nada para nos desnortear, deixar-nos perguntando o que é aquilo na banheira, por que aquela mulher comete tais atos, o que tem no bolinho. Cria uma atmosfera lynchiana, onde nada precisa ser explicado – nem deve -, pois o terror (e o humor também, neste caso) reside no desconhecido, no que não podemos compreender.

Resta-nos esperar pelo longa-metragem para, quem sabe, decifrar o mistério que ronda essa relação sexual e bizarra entre a protagonista (Gilda Noomace) e o que diabos seja aquilo.

 

KYOTO

Lembro-me da minha insatisfação com o modelo de redação no colégio, já no ensino médio, em que havia uma proposta muito fixa, imóvel, e você tinha de trabalhar dentro de seus limites. Sempre achei um pouco repressora essa ideia. Não sou nenhum especialista em pedagogia, mas, de qualquer maneira, esse molde nunca me agradou muito. Kyoto retrata justamente esse poder de controle da instituição escolar, mas segue na formação da pessoa, na infância, fase de florescimento criativo máximo, e que, como toda instituição, a escola serve para castrar isso, podar esses floreios, já preparar a pessoa para uma lógica mecanicista de mercado. No filme, a figura da professora surge sempre no extra-campo, imponente, como uma figura onipresente.

Na simplicidade dos gestos, na força do rosto da protagonista, Kyoto traça um belo manifesto pela liberdade, para que todos possamos ir para o Japão, China, França, Argentina, ou o lugar que quisermos, sem sequer sair do lugar. Uma defesa delicada, afinal, da infância plena.

 

HISTÓRIA NATURAL

De imediato, História Natural, de Júlio Cavani, me evocou Loja de Répteis, de Pedro Severien. São dois filmes muito diferentes, de certa forma, mas que nutrem algumas semelhanças fundamentais. Tanto no filme de Severien quando de Julio, existe esse terror da jaula, com a trilha sonora desconcertante em História Natural, o que pode servir de metáfora – e acho esta obra é mais bem sucedida nesse sentido – para as próprias gaiolas nas quais a classe média recifense se fecha.

Ou, talvez, isto seja apenas uma maneira de buscar enquadrar História Natural na produção pernambucana recente. Quem sabe, seja somente um filme meio ambientalista – e não há problema algum nisso –, da captura do natural, da floresta, pela cidade – o que era uma paisagem aparentemente fora da cidade se revela dentro.

Não importante tanto. O que mais chama a atenção no filme de Cavani é a beleza plástica, a potência do som, a força do digital. Talvez seja precitado dizer isso, mas, considerando os dois curtas do diretor, poderíamos chama-lo de um bom esteta.

Comentários (2)

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 03 de Novembro de 2014 - 09:05

Concordo sobre a redação,achava isso e achava mais.Tem um valor exagerado demais,não aceito a dimensão que dão à redação nos exames,provas e etc.

Caio Henrique | segunda-feira, 03 de Novembro de 2014 - 10:01

Os únicos curtas que vi do Janela foram os que estavam inseridos Brasil 2:Breakdancers(destacando-se aqui, no que foi presenciado por mim o Vailamideus) que passou na Fundaj e todos de ótima qualidade(com exceção do Estátua! que foi bem fraquinho mermo). Os curtas desse ano surpreendera-me positivamente, assim como os longas(mais precisamente brasileiros) mostrando a força do cinema nacional independente. No mais, ótimas análises meu caro!

Faça login para comentar.