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Trilogia Alien

A necessidade dos monstros

A história, através dos mitos, nos afirmava que os monstros são o fim de tudo, o fim dos tempos, da existência. Gregos, romanos, chineses, persas entre outros possuíam seus próprios destruidores finais. Quais as funções destes seres? Há lições mais metafóricas, como o lance entre Jonas e a Baleia. Tem o Kraken destruindo a galera — ele e outros grandes leviatãs dos mares, por exemplo, serviam de freio mediante o desconhecido, e que, mesmo assim, os desbravadores mais corajosos, loucos ou burros resolviam encará-los. O medo acabaria por agir como uma ferida que não deve ser coçada, mas que não se resiste ao impulso. A necessidade do ser humano em testar seus limites assim vai sendo aplacada. O tesão, a adrenalina. O terror como meio mais próximo, direto e brutal para se fazer sentir. Os monstros como o último desafio. O mito religioso. Bíblico. Artístico. Nisso tudo o cinema os abraça. E é aí que o caldo engrossa.

O espaço. Este infinito absurdo já causa espanto por si só, porém faltava-lhe o pavor que somente o terror pode proporcionar. Aquele frio na espinha, gélido e torturante. Por isso que faltava o monstro no espaço. Nessa hora entra o Alien, nosso chapa. Este ser esquálido e perigoso acabaria por adentrar no panteão de vilões do cinema com méritos. Além disso, é uma continuidade tácita dos mitos monstruosos de eras atrás. Ora, enquanto o Kraken viria castigar uma cidade a mando de Poseidon, amedrontando a todos, o Alien parte do pressuposto atemporal da sobrevivência e sobrepujança sobre o próximo. E que local mais propício para este intento que uma lata espacial cercada de nada? Aqui temos o ser supremo. Um caçador nato praticamente sem pontos fracos que vive por uma função, a citada sobrevivência. Esta, obviamente cercada de algumas características bem específicas já atreladas ao primeiro e genial filme de Ridley Scott.

Alien, O Oitavo Passageiro (1979)

Tripulação descobre pedido no espaço, separa-se para investigar e um dos seus é atacado por um alienígena, que cresce e sai para a matança. Aqui Scott escolhe o caráter sexual e político (algo que tenciono e aprofundo neste material) para fundamentar a existência do seu monstro e como ele perpassa a fita praticando ataques diversos, tornando humanos mero gado. Numa escolha de fotografia que fecha o cerco. Claustrofóbica. A escolha da obra prima por unir alguns dos elementos primordiais do horror, como o isolacionismo e desespero mediante o desconhecido. Porém, com ares de tortura no teor sexual fálico do monstro, que desde sua gestação possui essa característica, e o formato final de dorso com a cabeça impondo essa metáfora, para além do estupro embrionário sobre o hospedeiro. Sua movimentação remetendo a um balé mortal deixa isso claro em alguns ataques, onde sua movimentação mais parece uma dança sexual fálica do que o ataque animal.

A figura do androide Ash (Ian Holm) é a ligação entre a empresa dona do cargueiro e contratante da tripulação, que tem a escolha de manter a criatura viva por fins mercadológicos, deixando os humanos ali como seres descartáveis. A modernização do monstro. Empiricamente destruidor, mas de um valor de interesse econômico absurdo. Ao invés de alguma intriga entre humanos por sobre alguma criatura a se lutar contra, temos aqui companheiros de raça postos a ser abatidos por outros tantos.

Sigourney Weaver tem uma trajetória ímpar aqui, com sua personagem Ellen Ripley crescendo como protagonista no decorrer do filme, onde das camadas dos vários personagens e suas ações e personalidades mostradas na lente de Scott, Ripley sempre é aquela mais centrada e desconfiada, que vai, aos poucos, tomando o centro da ação. A câmera trabalha bem isso. Nos planos em coletividade, Ripley sempre aparece de forma acessória ao plano e não de maneira central. A cada nova cena similar, principalmente após cada nova morte, ela passa a ser o foco das lentes. Até o confronto final com a criatura escrota. Ridley Scott revoluciona o gênero. Tudo absolutamente pensado, com elenco escolhido a dedo, uma exigência do diretor — que, grosso modo, afirmaria que não queria ter trabalho extra com atores medíocres e se dedicaria às imagens. Tanto que o próprio diretor de fotografia Derek Vanlint contara que fora meramente um assistente de Ridley, que, por questões sindicais, não poderia exercer a função de fotógrafo. Deu certo. O monstro mais invocado do espaço estava na pista. Uma obra-prima.

Aliens - O Resgate (1986)

James Cameron segue o caminho da ação e acerta ao mudar o rumo, porém sempre respeitando a mitologia criada no filme anterior e até a expandindo. Uma fita de ação militar — nos experienciando a isso, dos conflitos à trilha sonora retumbante — com o horror embutido, mas não pelo medo, e sim pelo exagero. Tanto que uma das principais inspirações do diretor é o livro "Tropas Estelares", de Robert A. Henlein, que serve na questão do treinamento e postura dos fuzileiros. Ora, se uma tripulação experimentada pereceu diante de um alienígena, que desafio seria maior? Fuzileiros estoicos sendo massacrados  aqui mora o tato de Cameron. Vai de encontro a algo caro na cultura americana, o caráter militar yankee. Ripley parte para o esquema Rambo e mistura isso ao aspecto materno. É uma mãe badass mais escrota do que os fuzileiros que a protegiam. Aqui num caminho interessante, que mantem seu caráter de liderança frente ao terror que a espreita, somada a características humanas mais sensíveis em pauta, propondo mais camadas num enriquecimento de personagem, que tem seus bons satélites a orbitar ao redor dela. O caminho de Scott fora o de crescimento e estabelecimento de protagonismo, Nesta sequência, Ripley já tem a liderança natural conferida e vincula os elementos anteriores à ação mais decidida aqui proposta.

Tudo isto é embalado numa opressão pelo exagero. Pela situação inescapável. Sai a claustrofobia incontrolável e entra a megalomania assustadora. Mantém-se a coerente continuidade da Weyland-Yutani como empresa escrota que visa usar o xenomorfo como arma biológica. Tanto que o processo de colonização é arriscado justamente por haver uma motivação maior que seria esta nova espécie.

E o monstro?

Do mal absoluto e misterioso do primeiro filme, temos um exército de seres baseados em colmeias com uma rainha que é responsável-mor pelo ciclo de vida dessa galera. Este sim seria o monstro final. Aquilo que os desbravadores trocados por colonizadores, mineradores e fuzileiros temiam. O leviatã. O ser mitológico a ser combatido no desafio mediante a descoberta, evolução e sobrevivência. A direção de câmera aqui é pouco subjetiva (além do primeiro ataque em câmeras nos ombros dos fuzileiros) e sugestiva, ao contrário do que havia no clássico original. Uma decupagem feita para casar com a megalomania proposta sem escapismos. Grandioso. Uma cacofonia de sons, poucos silêncios e trilha sonora sempre presente. A não ser para conhecer a rainha, ponto chave na saga. Encontro tácito de final acachapante. As duas mães em combate. O monstro-mãe. A raça humana finalmente encontraria seu algoz que teimava em continuar a procurar e que preço estariam dispostos a pagar por isso?

Alien 3 (1992)

Após a Alien rainha papocar no segundo filme, vamos agora ao ambiente inóspito de um planeta presídio, também pertencente à empresa colonizadora Weyland-Yutani. O desafio de Ripley é sobreviver ao mito vivo sem o armamento e preparo dos filmes anteriores e lidar com um fim que não esperava, mas que sabia ser o caminho mais óbvio de sua trajetória, algo que ela mesma explicita quando assume que não lembra mais de nada da sua vida que não seja vinculado ao Alien.

Saem os tons de claustrofobia, colonização e megalomania dos primeiros filmes, entra o caráter de apocalipse religioso. O fim. Isto tudo garantido por uma fotografia calcada em rimas visuais, como o contraste entre Ripley e Dr. Clemens, onde ou se fecham planos ou abrem-se outros, no que tange ao descobrimento de situações de horror diante das informações (ou da falta delas) que cada um possui. Ou como o Alien amassa os planos enquanto os presos são amassados por eles. As cores também possuem papel fundamental na lógica perpassada. O tom amarelado sujo, beirando o podre, deixa tudo obscurecido e abandonado. A redenção vem através do julgamento nesta podridão.

O monstro. Um grupo, perto do fim, decide terminar a luta. Tais quais os antigos navegantes. Em busca da sobrevivência de se enfrentar o desconhecido, sem o glamour dos desbravadores. Não há mais o desafio ou a procura por dádivas e evoluções. Seres humanos falhos, entre psicopatas e estupradores, querem viver e aceitam o destino de lutar, mesmo que este seja o fim aguardado. Será este o julgamento destas almas? O monstro como agente do caos. Quebrando a ordem e impondo seu ciclo.

O que sobrou finalmente? Não há mais grandes buscas ou objetivos maiores que não a sobrevivência dentro de uma espera de término que fora imposta. O fim da vida e o que existe além não importa desde que o monstro se lasque. Por isso que o tom messiânico do filme denota um grande interesse na obra. Por representar exatamente o fim daquilo tudo.

Alien. Monstro que fora transformado através dos seus filmes, que de mal desconhecido e perigoso passaria para leviatã dominador e findaria como demônio executor de almas. Uma trajetória de respeito que alimenta o tesão da turma pelo desconhecido  este que se metamorfoseara através da visão de diretores visionários que o moldaram através de arcabouços estéticos, lances narrativos e ausência de frescuras, fazendo com que o medo fosse próximo, físico, mental, psicológico, primordial e que se fechasse na fé. O monstro absoluto do cinema.

Texto integrante do Especial Monstros no Halloween

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