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As Namoradinhas da América

A comédia romântica, um subgênero do cinema pouco valorizado ou levado a sério, é derivada das comédias malucas, ou screwball comedy, um gênero que geralmente apostas em situações cômicas absurdas centralizadas em uma personagem feminina forte. Embora sua origem no cinema seja bastante remota, ela só ganhou de fato uma identidade quando a atriz Mary Pickford personificou a clássica heroína desse tipo de filme, que basicamente gira em torno da dinâmica entre o homem e a mulher, que podem ou não se apaixonar, e que enfrentam todos os tipos de obstáculos até chegarem ao final feliz. Não era exageradamente bela ou formosa, mas possuía um carisma hipnótico e um timming cômico perfeito. Não à toa, conquistou diversos fãs e foi uma das primeiras atrizes de Hollywood a ganhar o status de estrela comparado aos dos grandes atores. De tanto sucesso, acabou apelidada de “namoradinha da América”, título que passou a virar uma espécie de reinado, que foi sendo passado ao longo das gerações para outras atrizes, enquanto a própria comédia romântica ia se adaptando conforme as mudanças sociais, e principalmente acompanhando o papel que a mulher foi conquistando na sociedade ao longo dos anos.

Mary Pickford (1892-1979)

 

A primeira sucessora foi Marion Davies, que ganhou mais projeção pela sua vida pessoal do que pelos filmes em si, visto que foi uma das primeiras estrelas hollywoodianas a se envolver em escandalosos casos amorosos. Depois de começar a vida como dançarina, partiu para Hollywood para tentar a carreira de atriz, onde acabou conhecendo o magnata do jornalismo William Randolph Hearts, que já era casado, e bancou seu maior sucesso, When Knighthood Was in Flower (1922). A combinação de garota interiorana que virou atriz de cinema + amante do famoso milionário fez de Davies um sucesso absoluto, embora rechaçada pelos mais conservadores. Sua imagem serviu de inspiração para as mulheres e garotas que na época sonhavam com uma vida que não fosse a de dona de casa.

Marion Davies (1897-1961)

 

Já na década de 1930, o cetro foi passado para a icônica Carole Lombard, que pegou uma época favorável para o gênero, depois que Aconteceu Naquela Noite (It Happened One Night, 1934), de Frank Capra, levou para casa os cinco principais Oscar, um marco até então inédito e só alcançado por dois filmes até hoje. Claudette Colbert, que levou a estatueta de melhor atriz pelo seu desempenho no filme, embora não tenha se tornado uma namoradinha da América, é sempre menção honrosa no assunto. Já Clark Gable, o galã da obra-prima de Capra, acabou casando com Lombard, que por sua vez continuou participando em trabalhos memoráveis, como Ser ou Não Ser (To Be or Not to Be, 1942), de Ernst Lubitsch, um mestre das comédias românticas. Infelizmente, Lombard não teve o final feliz de suas personagens, e acabou morrendo em um acidente de avião, em 1942, com apenas 33 anos.

Carol Lombard (1908-1942)

 

Ficando o posto vago para a namoradinha da América dos anos 1940, algumas candidatas até surgiram, como a própria Claudette Colbert, mas nenhuma foi páreo para Katharine Hepburn, talvez mais talentosa a ocupar a posição. Vencedora de 4 Oscar, e reconhecida até hoje como uma das maiores atrizes de todos os tempos, Hepburn fez história nas comédias românticas ao lado de Spencer Tracy, com quem formou um par inesquecível em filmes como A Costela de Adão (Adam’s Rib, 1949). Howard Hawks, outro gênio que soube muito bem lidar com o gênero, também ofereceu a Hepburn oportunidade na obra-prima Levada da Breca (Bringing Up Baby, 1938), em que contracena com Cary Grant numa guerra de sexos engraçadíssima. Temperamental, a atriz sempre encarnou o tipo indomável, inatingível, e usou sua imagem para apoiar causas em favor da mulher, o que salientou bastante o viés feminista das comédias românticas em que participou.

Katharine Hepburn (1907-2003)

 

A coroa foi passada para a que talvez tenha sido a mais popular e icônica de todas até hoje: Marilyn Monroe. Obviamente não tão talentosa quanto Katharine Hepburn, mas uma mistura irresistível de humor, sensualidade e vulnerabilidade que cativou o coração dos americanos. Sua fama de loira burra, derivada dos papéis que costumava aceitar, no qual sempre encarava algum estereótipo, acabou fazendo com que nunca fosse levada a muito a sério. Seus papéis em Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1959), e O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, 1955), ambos de Billy Wilder, e Os Homens Preferem as Loiras (Gentleman Prefer the Blondes, 1953), de Howard Hawks, junto com sua polêmica morte precoce, solidificaram seu nome como um dos mais míticos da indústria cinematográfica. De perfil mais sensualizado, Marilyn foi um incentivo à liberação sexual feminina, ainda que de alguma forma tenha reforçado o pensamento machista comum da época de que a mulher servia mais como objeto sexual, e de boca calada.

Marilyn Monroe (1926-1962)

 

Audrey Hepburn, Doris Day e Sandra Dee foram nomes cogitados para suceder Marilyn, mas todas se mostravam certinhas demais para o perfil de namoradinha da América. O jeito moleca que lhes faltava e que se mostrava essencial só foi encontrado em Shirley MacLaine, a ruiva travessa que teve um “reinado” relativamente curto, mas admirável, em títulos como Irma La Douce (idem, 163), de Billy Wilder. Suas parcerias com Dean Martin, Paul Newman e Yves Montand trataram de eternizá-la.

Shirley MacLaine (1934)

 

Mais de acordo com o perfil jovial e musical dos anos 1970, Barbra Streisand sucedeu Shirley e deve ser a única das namoradinhas da América que hoje também ostenta o título de diva. Sua estréia em Funny Girl - A Garota Genial (Funny Girl, 1968), além de catapultá-la ao estrelato, ainda lhe rendeu de cara o Oscar de melhor atriz, numa dupla consagração, que só foi crescendo em filmes como Essa Pequena é uma Parada (What’s Up, Doc?, 1972), de Peter Bogdanovich, e Nasce uma Estrela (A Star is Born, 1976), em belo par com Kris Kristofferson, numa famosa história de William A. Wellman. Aos poucos, Barbra foi rareando no cinema e se focando mais em sua carreira musical, abrindo espaço para que outra ocupasse seu lugar para os anos 1980.

Barbra Streisand (1942)

 

Molly Ringwald, a adolescente-fetiche de John Hughes, fez um sucesso tremendo com o público jovem dos anos 1980 e foi o rostinho ícone de toda uma geração de filmes juvenis inocentes que fizeram a fama do cinema americano na época. Seu perfil desengonçado e desajustado deu voz às garotas introvertidas e apaixonadas que sonhavam com cara mais popular do colégio. Com apenas três filmes em especial – Gatinhas & Gatões (Sixteen Candles, 1984), O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985) e A Garota de Rosa-Shocking (Pretty in Pink, 1986) – Molly entrou para sempre para a história da cultura pop jovem dos anos 1980.

Molly Ringwald (1968)

 

Seu declínio foi precoce, visto que rejeitou uma série de papéis importantes, e por conta disso perdeu a coroa para duas namoradinhas que dividiram o trono nos anos 1990: Meg Ryan e Julia Roberts. Enquanto Meg Ryan, que despontou excelente em Harry e Sally: Feitos um Para o Outro (When Harry Met Sally..., 1989), se especializou nas comédias românticas adocicadas, no perfil de garota romântica e independente, Julia Roberts seguiu o perfil mais moleca, depois do sucesso estrondoso de Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990), no qual interpreta a moderna Cinderela, que deixa a vida de prostituta para ser feliz com o príncipe encantado endinheirado de Beverly Hills. Se por um lado, Ryan parece ter repetido sempre a variante de uma mesma personagem, em clássicos de sessão da tarde como Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle, 1993) e Mensagem para Você (You’ve Got Mail, 1998), Roberts buscou a diversidade do gênero, indo da inescrupulosa manipuladora de O Casamento do Meu Melhor Amigo (My Best Friend´s Wedding, 1997) ao seu auto-retrato, como a atriz sufocada pela mídia em Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999).

Meg Ryan (1961) e Julia Roberts (1967)

 

Ainda que muito carismáticas e idolatradas, as duas foram vencidas pela idade. Julia foi mais esperta e apostou em trabalhos sérios, consagrando-se com o Oscar em 2001, enquanto Meg foi se apagando ao insistir em fazer a mocinha indefesa, mesmo já tendo passado da idade para o papel, e hoje está praticamente inativa. Nesse meio tempo, Sandra Bullock tentou seu lugar ao sol, mas nunca chegou de fato a ocupar o posto, embora seja hoje a mais popular das três. Dos anos 2000 para cá, muitas tentaram a vaga, mas parece que a mítica em torno do trono não é mais a mesma, e atriz nenhuma conseguiu ficar tempo o suficiente sustentando grandes bilheterias. Reese Whinterspoon, e Renée Zellweger foram apostas no começo, depois tudo indicava Katherine Heigl ou Jennifer Aniston como prováveis sucessoras, e hoje os nomes mais favoráveis são Emma Stone ou Jennifer Lawrence.

Ao longo dos anos as comédias românticas, assim como quase todos os gêneros, foram sofrendo suas mudanças, e para cada época teve um rosto lhe representando com honra. Aos poucos, esses filmes foram englobando cada vez mais assuntos do interesse feminino, desde as neuras, as ambições, os medos, as conquistas, e questionando seu lugar na sociedade, a função do homem nos planos profissional, pessoal e emocional, e traçando uma cômica visão conflitante do dilema entre o amor e o sexo. Em comum, além das histórias de amor impossíveis, foi a presença de uma personagem feminina forte a seu modo, lutando a princípio para vencer num ramo machista como era a indústria do cinema em seus primórdios, para depois alcançar um plano mais amplo, representando a trajetória da mulher ao longo do século XX e início do XXI, que apesar de independente, bela e digna dos mesmos direitos conquistados pelos homens, não deixa de sonhar com seu final feliz.

Comentários (15)

Raphael da Silveira Leite Miguel | sexta-feira, 20 de Junho de 2014 - 22:24

Ótimo texto, não conheço as mais antigas mas concordo das novas atrizes citadas. Dá pra colocar a Megan Fox aí também, apesar de nunca ter escolhido um trabalho decente ainda.

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 21 de Junho de 2014 - 03:19

Tenho pavor Julia Roberts. Acho que Marilyn Monroe é insuperável.

Lucas Souza | segunda-feira, 23 de Junho de 2014 - 11:56

PUtz, acho que cabe Megan Fox não, ela é + estilo "girl next door" que você quer comer...

Conde Fouá Anderaos | sexta-feira, 27 de Junho de 2014 - 18:59

Muito bom esse artigo. Sério eu nunca tinha ouvido falar de Marion Davis. Senti falta nessa lista de Mabel Normand, Audrey Hepburn e Doris Day. Sobretudo de Audrey. Causa surpresa que nunca tenha nem vislumbrado esse posto.

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