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Era uma vez... o Slasher

Um grupo de adolescentes se diverte à noite, fazendo sexo, fumando maconha ou desejando estar fazendo qualquer um dos dois. Eis que um deles se distancia e uma lâmina brilha na escuridão. O mesmo tenta gritar, mas, com a altura da música tocada no recinto, ninguém o ouve. Apesar do visual excêntrico, o assassino só será percebido tarde demais por uma jovem mais conservadora, que passou vontade, mas sobreviveu.

Essa história incessantemente repetida ficou conhecida como o slasher, ou filme de matança que, tendo origens na década de 70, alcançou um pico de popularidade na década de 80 e ainda deu uma nova guinada na década de 90, sobrevivendo hoje à base de reboots, remakes, releituras e afins.

Porém, como algo tão escabroso quanto assassinato em massa ficou tão popular na forma de filmes de e para adolescentes? Para entender, é preciso voltar um pouco no tempo.


Contextos macabros

Os anos cinquenta são relembrados, na maioria das vezes, como uma época solar: enquanto Marilyn Monroe em vestido rosa declarava que “Diamantes são os melhores amigos de uma garota” no número mais famoso de Os Homens Preferem as Loiras, uma icônica celebração do consumismo do período, o país também enfrentava um período turbulento: guerras, movimentos civis e agitações políticas conturbaram um lugar que projetava uma imagem próspera. Para completar, um nome apareceu para derrubar de vez a noção de segurança dos americanos: Ed Gein, um solitário e introvertido faz-tudo de Wisconsin que tornara-se solitário após perder a conservadora mãe, foi preso em 1957 ao assumir assassinar duas mulheres. Também ladrão de tumbas assumido, Gein ficou infame por sua obsessão perturbadora em mutilar suas vítimas e produzir mobília com os pedaços.

Gein foi talvez o primeiro assassino que alcançou notoriedade popular nos EUA, algo que cresceria de maneira epidêmica: nos conturbados anos 60 e nos violentos anos 70 e 80, quando a criminalidade nas grandes cidades disparou em forma de assaltos à mão armada, homicídios e tráfico de drogas, nomes como Ted Bundy, John Wayne Gacy, Jeffrey Dahmer e Richard Ramirez lotaram as páginas policiais e acabaram por criar a necessidade de um campo de psicologia criminal no FBI, como podemos ver na série Mindhunter.

Provavelmente inspirado em Gein (apesar de ter dito que não tinha ideia dos detalhes à época), o escritor Robert Bloch publicou Psicose, em 1959, com direitos de adaptação imediatamente adquiridos pelo diretor inglês Alfred Hitchcock e, no ano seguinte, algo definitivamente iria mudar na cultura.


Pais sombrios

Entende-se que um país progressivamente violento comece a refletir isso em seus produtos culturais e o timing de Bloch foi um pontapé para trazer de volta uma certa tendência literária. Nomes como Agatha Christie e Edgar Wallace eram populares por seus mistérios às voltas com assassinos.

Outro período socialmente tido como decadente e violento por conta do rápido crescimento urbano, a Inglaterra vitoriana tornou famosa a figura de Jack, O Estripador, suposto assassino de prostitutas jamais identificado até hoje. Sua influência nefasta ao menos influenciou muitos escritores como Sir Arthur Conan Doyle nas histórias do detetive Sherlock Holmes e Edgar Allan Poe em seu Assassinatos na Rua Morgue, influências seminais para muitos dos autores posteriores famosos. Já se via, desde então, uma necessidade de narrativas de transformar os assassinos em uma espécie de ícone.

Obviamente, os slashers não foram a primeira obra dramatúrgica violenta; podemos traçar o influente espetáculo teatral francês do século XIX Grand Guignol como o primeiro a vender violência na forma de peças naturalistas (ou seja, raras vezes sobrenaturais, frequentemente urbanas) sobre temas controversos, lotada de efeitos escabrosos; mas pode-se dizer que foi Hitchcock quem de vez transformou uma história de assassino em ícone de cultura popular do cinema.

Após adquirir o direito de adaptação do romance de Bloch, Hitchcock, então famoso por suspenses classudos como Festim Diabólico e Janela Indiscreta, lançou então Psicose, que completa 60 anos em 2020, que tornou-se sua obra mais conhecida. Com Anthony Perkins como Norman Bates, um “lobo em pele de cordeiro”, que aparentava ser um simples hoteleiro, mas na verdade era um maníaco que incorporava a mãe para assassinar “mulheres vulgares”, caso da protagonista Marion Crane, interpretada por Janet Leigh, que rouba dinheiro e foge sozinha pelo interior americano.

Em uma das produções mais secas e brutas realizadas pelo diretor, Psicose era no mínimo ousado: na sua reviravolta mais famosa, a protagonista Marion era assassinada e o ponto de vista da história passava para Norman; particularmente, a elaborada cena do chuveiro, uma das grandes realizações do diretor mostrou pouco mas chocou muito; as câmeras em close e os cortes rápidos ao ritmo da trilha agoniante de Bernard Hermann (técnica que Hitchock emprestou da montagem dos filmes soviéticos de Eisenstein) exibindo uma lâmina reluzente e um corpo se debatendo, com sangue (na verdade xarope de chocolate) escorrendo aos borbotões foram os primeiros motivos de choque para depois virarem referência, a ponto de ser feito um documentário apenas para tratar da sequência, 78/52 (2017).

Precisar o pioneiro em alguma coisa é uma tarefa inglória, é claro; no mesmo ano de Psicose, outro aniversariante de 60 anos é A Tortura do Medo, dirigido por Michael Powell (sem seu habitual parceiro Emeric Pressburger). Sua história perturbadora sobre um homem obcecado em registrar com sua câmera as últimas expressões das mulheres que assassina é um exemplar antecipado do caráter formalmente transgressor de muitas obras sessentistas, tornando central a câmera subjetiva do assassino, ou seja, fazendo o espectador ver pelos olhos daquele que mata, característica que o gênero exploraria à exaustão décadas depois. Porém, a obra de Powell tornou-se maldita, sendo censurada e seu autor ostracizado pela indústria, sendo redescoberto na década seguinte.


Nascimento maldito

As sementes já tinham sido jogadas e estavam germinando, mas precisaríamos esperar até a década de setenta para ver os frutos serem colhidos.

Filmes americanos como Banquete de Sangue (1963), Maníacos (1964) e A Noite dos Mortos-Vivos (1968) de certa forma atualizaram os espetáculos grand guignol e/ou as tramas popularescas de assassinatos, levando para o cinema obras repletas de efeitos escabrosos para as audiências, como corpos sendo transpassados e cadáveres horripilantes. Se Powell havia sido ostracizado pela violência, alguns anos depois jovens cansados de um cinema bem-comportado pagavam para ver filmes com um sabor contracultural. Outro sucesso violento na virada da década foi Banho de Sangue (1971), filme italiano de matança estilo resta-um que o diretor Mario Bava chamou atenção mesclando sensualidade, visual psicodélico e efeitos violentos explícitos.

Na Itália, o mesmo Bava iniciou com seu Seis Mulheres Para o Assassino um ciclo cinematográfico conhecido como giallo, nome dado em razão parecida com a dos romances noir publicados na França: enquanto os franceses lançaram histórias policiais em capas pretas, os italianos liam histórias apelativas e sensacionalistas em livros com capa amarela. Filmes como o supracitado e outros como O Segredo do Bosque dos Sonhos, O Pássaro das Plumas de Cristal, O Ventre Negro da Tarântula, O Que Fizeram Com Solange? e Prelúdio Para Matar conjugavam muito dos fatores descritos acima: violência gráfica, assassinatos em câmera subjetiva e um colorido rico providenciado pela exagerada moda contracultural e as películas em Eastmancolor.

Mas antes do slasher nascer de fato, ele já marcava as audiências com dois exemplares: o canadense Bob Clark (Porky’s) dirigiu em 1974 Noite do Terror, quase um giallo à moda da América do Norte, que mostrava os assassinatos (em primeira pessoa, claro) cometidos durante o Natal em uma sororidade - o que que definiu o alvo favorito de muitos dos assassinos. No mesmo ano, o diretor Tobe Hooper lançou O Massacre da Elétrica, que trazia um assassino demente e sua família de canibais perseguindo adolescentes hippies no Sul Profundo dos EUA em um filme de visual realista (filmado com luz natural e com filme 16mm, típico de documentários), que foi considerado uma das obras mais perturbadoras de sua época.

O campo já não parecia mais bucólico e pode ser dito que o assassino Leatherface, vestindo um avental de açougueiro e uma máscara de couro de pele humana, foi o primeiro assassino, por assim dizer, mais iconográfico, distanciando-se do típico matador de “luvas pretas e máscara branca” dos filmes de mistério, cujo visual simbolicamente encarna um medo social - no caso, pessoas monstruosas longe dos grandes centros urbanos e cosmopolitas. O antagonista e sua família então encarnava medos que as pessoas sentiam de figuras da vida real como Ed Gein e a Família Manson.

Os filmes de matança já eram uma realidade - giallos pra lá, splatters (filmes gráficos) pra cá e assassinos dementes como Norman Bates e Leatherface tirando o sono dos espectadores, mas podemos dizer que, por fim, o diretor americano John Carpenter deu o empurrão definitivo com seu Halloween (1978). Mesmo antecedido por Comunhão (1976), que já carregava boa parte do que vimos, não teve jeito, pois para o imaginário popular o início de tudo estava aqui. Acompanhe: em câmera subjetiva, o garoto Michael Myers pega uma faca e assassina a irmã. Jamais curado do seu instinto assassino, foge do hospício onde cresceu, rouba uma máscara do Capitão Kirk e um macacão azul e (aparentamente) de maneira aleatória passa a perseguir um grupo de babás adolescentes que curtem uma vida ordinária de experimentações. Como acontecia com a Sally de O Massacre da Serra Elétrica, apenas a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis, filha de Janet Leigh, de Psicose) parece capaz de perceber e sobreviver às investidas do assassino. A partir daí, consagraria-se o arquétipo (ou estereótipo) da scream queen (rainha do grito, que estabelecia o medo do assassino através dos berros) e da final girl (a última sobrevivente do elenco, normalmente o personagem mais conservador e virginal, ainda que não fosse o caso aqui).

Pode-se dizer que Halloween foi a primeira obra plena de slasher em seu formato clássico - com todas as características identificáveis. Nascido antes de nascer, o gênero passou a receber produção mais intensa a partir da obra de Carpenter.


Matança popular

Dois anos após a estreia de Halloween, chegava aos cinemas Sexta-Feira 13 (1980), que completa 40 anos à época desse artigo. A obra produzida e dirigida por Sean S. Cunningham. O americano até então havia feito um pouco de tudo - pornografia softcore, dramas românticos, filmes educativos, histórias de esportes, comédias de censura livre - mas inspirado no sucesso de uma produção de horror sua do início da década anterior, o famigerado Aniversário Macabro (1972), de Wes Craven, e de Halloween, ele criou a história de matança que se tornaria talvez a mais famosa do gênero.

Detonado pela crítica mas amado pelo público, Sexta-Feira 13 custou uma bagatela e lucrou dezenas de vezes o valor investido na bilheteria. Se Halloween deu o toque final aos filmes do gênero escolhendo uma data comemorativa, Cunningham confirmou a tendência. A história de jovens hedonistas em um acampamento de verão caindo como moscas perseguidos pelo assassino implacável, com um plot twist convincente e um papel tardio, porém icônico, de Betsy Palmer transformou o filme de matança em possibilidade comercial.

O estrago estava feito: tome-lhe câmeras subjetivas, mortes explícitas, figurinos chamativos e frequentemente enredos situados em épocas comemorativas. A Hora do Pesadelo (1984) completa o conjunto com o assassino sobrenatural Freddy Krueger causando estragos bem reais contra os adolescentes filhos das pessoas que o mataram - cortesia do velho chapa de Cunningham, Wes Craven. Os filmes, à moda de muitos outros gêneros, não custavam muito mas rendiam sempre, às vezes, o suficiente para render franquias inteiras, ocupando salas de cinema como verdadeiros blockbusters ao lado de comédias sexuais como O Último Americano Virgem ou aventuras fantasiosas como Star Wars.

É o caso aqui de Dia dos Namorados Macabro, Feliz Aniversário Para Mim, Natal Sangrento, A Noite das Brincadeiras Mortais, A Morte Convida Para Dançar, O Maníaco, Maniac Cop - O Exterminador, O Massacre e outros estão em maior e menor grau como representantes de uma verdadeira febre. Sinistramente, os assassinos seriais eram uma mania pop na politicamente incorreta década de oitenta. Mesmo lançamentos menores à época poderiam mostrar vida longa - como Acampamento Sinistro e sua reviravolta final perturbadora ganhando um status cult que perdura até os dias de hoje. Para o bem e para o mal, o slasher era a situação do horror.


Reflexões doentias

O slasher se mostrou um gênero de poucas regras - praticamente tudo valia desde que um personagem esquisto perseguisse adolescentes. A Hora do Pesadelo e Brinquedo Assassino mostraram que o slasher poderia também abarcar a seara dos filmes sobrenaturais. O sucesso de filmes não relacionados, como as obras paranormais do canadense David Cronenberg Scanners - Sua Mente Pode Destruir e A Hora da Zona Morta, influenciou capítulos de Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo com telepatas e psíquicos combatendo Freddy e Jason. Essa intercessão fazia com que até outros gêneros tentassem colocar alguns assassinos singulares e maníacos em seus filmes - como o Night Slasher de Cobra (1986), infame produção trash de Sylvester Stallone. Tudo em nome do lucro, é claro.

Na década de noventa, o slasher conseguiu mostrar novo fôlego ao parar em mãos mais artesanais: é o caso de O Mistério de Candyman (1992), que mostrava as tensões sociais entre uma sociedade estratificada, onde o assassino, um escravo negro assassinado, voltava dos mortos e da periferia para assombrar Helen Lyle, uma antropóloga de classe alta. Com Tony Todd performando um vilão impiedoso, porém solene em sua tragédia, o filme confirmou o que tínhamos visto em Hellraiser - Renascido do Inferno (1987): a capacidade do autor Clive Barker em fazer terror que falasse de forma madura sobre temas controversos. E como foi o caso aqui, falar de uma sociedade profundamente ferida por divisões sociais como elitismo e racismo.

Wes Craven, que era ativo no gênero desde a década de 70, soprou uma nova vida ao retornar para A Hora do Pesadelo - O Novo Pesadelo (1994), que fazia uma brincadeira metalinguística onde Freddy vinha para o nosso mundo atormentar os intérpretes do filme original. O slasher então olhava para si - a questão que Craven parecia perguntar era "por que gostamos de filmes violentos? O que nos atrai?"

Um ano depois, ele daria uma resposta definitiva a esse questionamento, afirmando seu status de lenda do gênero com Pânico (1996), que levou a febre comercial do slasher para o alto escalão do cinema: o jovem elenco traz caras conhecidas até hoje como Drew Barrymore (E.T. - O Extrarrestre), Courteney Cox (Friends), Henry Winker (Dias Felizes), Neve Campbell (Garotas Selvagens), David Arquette (Nunca Fui Beijada) e Rose McGowan (Jovens Bruxas), entre outros. O assassino Ghostface virou um novo símbolo da cultura popular, com as tramas rodando em torno de metalinguagem e da obsessão do vilão por obras de slasher. Se alguns acusavam o gênero de ter ficado previsível, o mesmo se renovou com um filme que brincava com suas regras, em uma salada referencial que foi uma espécie de Pulp Fiction dos filmes de terror.

O roteirista do filme Kevin Williamson teria sua própria oportunidade de brilhar no gênero com Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, combinando a fórmula de caras conhecidas (Sarah Michelle Gellar, Freddie Prinze Jr., Jennifer Love Hewitt, Ryan Phelippe), adaptando superficialmente um romance dos anos 70 e pegando inspiração em slashers oitentistas, foi o “Sexta-Feira 13” do “Halloween” moderno que Pânico foi.

Esses novos sucessos - ao lado de outros como Lenda Urbana - garantiram mais alguns anos de franquias, mas a estreia do torture porn, filmes menos dedicados a assassinos esquisitos e que davam maior atenção à tortura física (daí o nome, pornografia de tortura, pois era o que de mais atrativo os filmes carregavam), como é o caso de Jogos Mortais, O Albergue e Martyrs, acabaram deixando o slasher com cara de gênero de outrora. Em outra mão, obras como Extermínio, Madrugada dos Mortos e a série The Walking Dead prenunciavam que após vampiros, lobisomens, fantasmas e assassinos seriais, agora os zumbis que iriam contar com gordos orçamentos, caras conhecidas e ritmo de lançamentos intenso.


Matanças contemporâneas 

Hoje, é fato que não se fazem mais slashers como antigamente - mesmo com os inevitáveis remakes, reboots, quasi-reboots em forma de sequência e afins que resgataram O Massacre da Serra Elétrica, A Hora do Pesadelo e Halloween com resultados bons, discutíveis ou péssimos. Até os posteriores estão ganhando releituras, como a série Scream, inspirado em Pânico, ou Candyman, produção de Jordan Peele (Corra!) que irá revisitar o slasher com raízes negras.

O gênero continua dando frutos interessantes com leituras reflexivas ou argumentos metalinguísticos, como é o caso de O Segredo da Cabana, Terror Nos Bastidores e A Morte Te Dá Parabéns, ainda que também tenhamos investidas mais tradicionais que carregam premissas interessantes, como é o caso de Os Estranhos (que recupera o mote do assassino sem motivação específica) ou Hush - A Morte Ouve (que conta as tentativas de uma mulher surda a sobreviver a um assassino que invade sua casa). Há alguns que se conectam superficialmente com os filmes de matança, como Uma Noite de Crime, que aborda um lado social e distópico e o sobrenatural Corrente do Mal, que lida com a matança de adolescentes de maneira sobrenatural, (não) enfocando um assassino imaterial (e sexualmente transmissível). 

60 anos depois de Psicose (ganhou uma prequel em formato de série, Bates Motel) e 40 anos depois de Sexta-Feira 13, o filme que plantou a ideia e o filme que transformou a tendência em lucro comercial, o slasher é visto com olhos de capítulo à parte na história dos filmes de terror, servindo como manancial de ideias e referências e garantindo sua importância ao enfocar nas loucuras que a mente humana é capaz de produzir - com seu frequentes temas que perpassam por reacionarismo, bullying, sexo e identidade gênero, consumo de drogas, juventude, opressão social e loucura, os assassinos tinham uma nova cara, mais humana e realista, mais próxima e semelhante a nós. Se é tão longevo e tão popular, prova que há um estranho fascínio em tentar entender o que leva uma mente que em tese é como a nossa (que vemos até de maneira subjetiva em muitos casos) provocar um espetáculo explorado de maneira sensacionalista.

No final das contas, a análise dos “lobos atrás da porta” detonou um filão inteiro, exclusivamente dedicado a explorar figuras nefastas que talvez digam mais sobre nós do que queiramos admitir - e talvez por isso, tenham entrado para a história da arte enquanto indústria e no nosso imaginário coletivo. Algo a se pensar da próxima vez que na tela grande surgir uma ameaçadora faca reluzindo no escuro...

Comentários (3)

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 19 de Março de 2020 - 00:23

A meu ver a intenção era ver a putaria e a violência. Ora quando se passa por um pós-guerra escroto e tu estando em países conservadores, mas se começa a surgir um viés contracultural, a atenção é chamada. No pós vietnam a galera estava sedenta por isso nos EUA e foda-se o governo e foda-se os conservadores. O pensamento do jovem que consome. Há outras ramificações em quadros de outros países que servem de exemplo. Aqui tinha muita gente alucinada pra ver uma putaria, já que o país era carola e na TV não tinha isso. As pornochanchadas cresceram muito nisso porra. O público alvo alavancou estes filmes pela fina putaria e violência, como citei lá em cima.

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 19 de Março de 2020 - 23:27

Não que as pornochanchadas fossem as únicas formas de se fazer cinema, quem tinha bons contatos no governo poderia fazer material pra embrafilme. Havia este filão também. A pornochanchada foi uma forma da galera marginal ter espaço, já que havia a lei de cotas aqui e a censura foi branda com isso por servir de válvula de escape pra galera. E isto não destruía o conceito de família tradicional. A parcela de diretores vindos de cinemas políticos era bem menor do que se pensa. A massacrante maioria daqueles que estavam nas pornochanchadas vinham de todos os cantos, técnicos de televisão, diretores que haviam passado por estúdio como Atlântida e Vera Cruz. Mesmo assim havia censura. O erótico era permitido desde que não se avacalhasse de vez pro pornográfico, por exemplo. O cinema político foi fatiado, o erótico foi aceito, controlado.

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 19 de Março de 2020 - 23:35

Invocado que o Mojica foi cortado mesmo até 1970. Daí em diante fez umas 3 pornochanchadas propriamente ditas, alguns materiais mais invocados com comédia e drama neles como "Finis Hominis" e "Quando os Deuses Adormecem", mas manteve o pé no horror pela década ainda. Ora ele fez "Exorcismo Negro", "Estranha Hospedaria dos Prazeres", "Inferno Carnal", "Delírios de um Anormal" e filmes outros como "Perversão" que é sobre vingança. Ele se adequou ao que rolava. Porém sem o mesmo teor político/moral que um material como "Ritual dos Sádicos" possuía.

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 19 de Março de 2020 - 23:39

Quando o termo pão e circo ou é usado ele traz, em grande parte das vezes, a reboque a intencionalidade de quem o usa. O que rolava aqui era o oportunismo de pequenas produtoras para conseguir vender e exibir seu material, com a preocupação de sobrevivência. Se for pra alcunhar o esquema de pão e circo, cabe salientar o que a censura fazia. Com o passar do tempo a preocupação de aquecer o mercado com produtos nacionais foi exaltado. Tanto que a embrafilme produziu bastante nos anos 70. Um misto de pão e circo e usufruto do mercado nacional.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 01:27

Houveram artistas que se acomodaram. Foram pra embrafilme ficar por lá, outros se exilaram e os fodidos de origem humilde (Mojica) tiveram de ficar e se adaptar. Que ele se fodeu eu sei, mas normalmente se atribui somente à censura e ao regime como um todo. Eu pensava assim, mas basta ver e entende a trajetória e história do cara. Ele entrou pesado nos problemas também por meios financeiros, levou calotes e avacalharam contratos que o fez ganhar quase nada por seus filmes, some isso à censura que proibiu ritual dos sádicos. Mas ele seguiu a década fazendo seu material e entrando no alcoolismo pesado. Que a ditadura o perseguiu? Com certeza. Pra mim ele foi o mais perseguido, mas vários fatores avacalharam o cara, inclusive parte por culpa dele. Por estes motivos eu acho incrível que a década de 70 dele ainda seja tão foda.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 01:33

Macho o A meia noite não foi travado não. Passou na boa. O seguinte sim teve seu final modificado. O Delírios foi a tentativa dele de sobreviver. Tava sem grana e precisando de um projeto aí inventou de juntar o material cortado (pela censura e que ficaram no chão da sala de edição) de filmes anteriores, nos quais seria "Esta Noite Encarnarei no teu cadáver", "Estranho Mundo de Zé do Caixão", "Ritual dos Sádicos" e "Exorcismo Negro". Que por ironia foi liberado. Mas o próprio Ritual foi renomeado como Despertar da Besta e passará por outro crivo da censura e bloqueado novamente.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 01:36

Estranha hospedaria é de 76 bicho. Tu deve ter confundido. Tanto que quem começou a dirigir foi o Marcelo Mota porque o Mojica tava liso e bêbado direto, coisa do meio dos anos 70. Mas o Mota não conseguiu segurar o negócio e o Mojica mesmo no bambo conseguiu resolver o filme. Valeu bicho. Vou checar o que tu me mandou.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 01:49

Ele não se entregou nem a pau mesmo, claro, tentou se adequar até onde dava, o cara tinha que sobreviver, mas original e escroto. Nunca alisava. O que pegava mais era na parte moral pra censura. O velho Mojica sempre partia pra esta iconoclastia moral, avacalhando-a, e isso era um expoente negativo que a censura abarca a nele. Ele é o maior diretor pra mim bicho. Mudou a minha visão de cinema, inclusive pro meu trabalho. Foda demais.

Ah macho sem preocupações com frescuras. Passando o conteúdo pra discussão é o que interessa. Vamos pra cima. É nóis.


Macho eu não lembro de ter passado por revisão em 72. Sinceramente. Em 64 ele passou numa boa, se ele foi reexibir, deve ter sido em alguma mostra especial que empacaram. Eu sei que o Ritual dos Sádicos que passou por duas revisões é foi proibido em ambas.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 01:51

Conheço muita coisa do Mojica mas essa aí eu não lembrava. Vou atrás aqui. Eu sei que na biografia dele não tem. Tô com outro material dele aqui e vou conferir. De qualquer forma é o melhor filme dele pra mim.

Ja que estamos falando disso, fica no aguardo que em breve tô lançando um especial do Zé do Caixão aqui com 12 textos.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 02:03

Os títulos dos filmes do Mojica são sensacionais. Todos. Ah macho saquei, o Mojica fazia isso pra aproveitar o ensejo de vários filmes dele sendo revisitados. Aí ele buscava relançar. Olha aí a argumentação. Moral e escrota. Um absurdo bicho. Eu tinha lido o relatório sobre o Está Noite e o Ritual dos Sádicos, no mesmo esquema. Filme afrontoso e os caralhos, no ritual o pedido foi por interdição total.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 02:05

Tinha dado problema pra abrir o material que me mandou. Agora deu certo. Valeu demais. Esse eu não tinha ainda.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 02:33

Valeu demais pelo apoio meu chapa. É isso aí. Faço o que acredito não ser só tesão pelo cinema, mas obrigação cultural, moral e política. Enaltecer um material que a galera não conhecer ou prefere esquecer. Tem muito material foda pra ser descoberto. Lembro demais daquele papo que tivemos sobre cinema africano. Vamos ver se rola mais uma mostra este ano. Por conta dos cortes nas universidades a mostra fica sem verba, aí embaça, mas vamos aloprar.

Dia desses assisti uma série que tu recomendou aí lembrei achei foda pra caralho. Ricky and Morty. Nunca tinha visto. Em uma semana vi todos os episódios. Foda pra cacete.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 20 de Março de 2020 - 02:34

Eu estava meio enrolado uns tempos mas aquela proposta da gente fazer um podcast tá de pé quando eu me organizar bem te falo pra gente resolver isso. Vai ser foda.

Davi de Almeida Rezende | domingo, 29 de Março de 2020 - 09:31

Parabéns, o artigo é bem interessante e informativo, apesar de eu discordar do seu final. Na verdade, a maioria dessas obras nem cinema são, sejamos sinceros.

Aliás, é uma vergonha que o pior deles, Sexta-Feira 13, seja um dos mais conhecidos enquanto que pelo menos a tentativa de contar uma história de gênero com criatividade e estilo verdadeiro, que foi Halloween, fique relegado a segundo plano (resgatado de forma oportunista nos últimos tempos). Me falta assistir esses exemplares do underground, mas Halloween foi o único que sempre me cativou quando criança (e botava medo). "Pânico" pegou minha fase adolescente e foi divertido, mas é hipervalorizado.

Jogos Mortais e afins são lixo puro e expressão máxima de roteiros dementes.

Além disso, tirando as exceções que realmente quiseram contar uma história, o resto faz uma exploração até doente de temas sérios, como a morte, o crime, o assassinato e até sobre transtornos mentais.

Terror bom é O Exorcista ou Hannibal.

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