Todos teem um limite
Crash, com direção de Paul Haggis, conta a história de um grupo de pessoas que não se conhecem, mas que tem suas vidas entrelaçadas por um fato que rege a todos, um acontecimento, que não temos conhecimento, mas que nos será revelado ao final da história.
Uma dona de casa e o seu marido, procurador de Justiça. Um dono de uma loja. Dois detetives que também são amantes. Um diretor de televisão afro-americano e a sua esposa. Um serralheiro mexicano. Dois ladrões de automóveis. Um policial recruta. Um casal coreano de meia-idade... Todos vivem em Los Angeles e durante as próximas 36 horas, irão todos entrar em colisão. Todas essas histórias serão pontos de ligação para outras e juntas, entrelaçarão todos os personagens num grande mosaico.
Assim é Crash, um filme dramático que se prende aos pequenos fatores do nosso cotidiano e os esmiúça para revelar nossos preconceitos, receios, e imperfeições. A pergunta que rege o drama é: até que até que ponto você agüentaria, qual seria o seu limite? Todos estes personagens estão no limites da sua vida, ou em algum momento desta e é diante desse fator que agirão, conforme seus preceitos e medos. Nesse sentido, não há vilões ou mocinhos, mas apenas pessoas, vivendo em seus extremos.
O longa consegue captar um momento muito interessante pelo qual os Estados Unidos estão passando pós 11 de setembro que é o fato de haver uma avalanche de preconceito, xenofobia e medo contra o outro, o diferente ou o semelhante. A questão do islamismo está fortemente presente na película, assim como o preconceito a outros povos e imigrantes que vivem no país, sejam legalizados ou não e a nossa ideia pré-estabelecida em querer resumi-los e classificá-los numa simples palavra: latinos, islâmicos, japoneses, negros, não respeitando suas diferenças e suas particularidades. Uma cena exemplifica isso claramente, quando o policial chama sua parceira/amante de mexicana, sendo que na verdade, sua origem é de outro país, ou seja, tudo é igual perante os nossos olhos, não havendo diferenças entre povos ou raças.
A obra em si é interessante, possui vários elementos que a fazem ser um filme acima da média. Fugindo do estilo de grande produção do cinema para vender bilheteria, o drama se consiste numa história simples, porém, bem trabalhada. A trilha sonora ocupa um lugar de destaque: ela manipula os sentimentos, guia o espectador e o prepara para a cena que irá ver. A montagem do filme segue uma linha meio que cronológica, sendo que desde o começo já sabemos que um incidente irá unir todas essas pessoas e seus arcos. Mas o ponto de maior destaque nesse filme é que ele obtém algo que muitos filmes com essa mesma estrutura (vários personagens em que não há um protagonista de fato) não conseguem, que é dar dramaticidade, peso e consistência a todos os personagens e arcos criados na história e ligando-os aos outros núcleos.
Outro ponto forte do filme é o elenco. Matt Dillon que a tempos estava apagado do cenário cinematográfico, conseguiu fazer uma atuação forte, boa e mostrar que continua com a mesmas qualidades de antigamente, quando ainda estava no auge de sua carreira. Brendan Fraser mostrou que é um ator de peso, com capacidade de papéis mais densos e não simplesmente de filmes de comédia infantis ou aventuras bobas. Sandra Bullock também se saiu bem, revelando uma veia dramática, um lado muito forte que foi muito mais focado no filme O lado cego, longa que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz em 2009.
O filme, que foi lançado em 2004, foi indicado às principais categorias do Oscar (diretor, coadjuvante para Matt Dillon, Melhor Canção Original para a música In the Deep) e levando os prêmios de melhor filme, roteiro original e edição. Entretanto, não merecia essas estatuetas, pois apesar de toda a estrutura do filme fazer dele um ótimo drama, alguns elementos do longa prejudicam o trabalho como um todo. Um dos grandes defeitos da película é que ela é muito manipuladora. Ela guia muito os sentimentos do espectador, fazendo com que ele sinta pena, ódio e se simpatize com os personagens conforme o gosto do diretor. A música, a iluminação, a câmera lenta no rostos dos personagens em certos momentos, enfim, todos esses detalhes fazem com que o espectador seja um boneco nas mãos do diretor. Ora sentimos raiva de um, ora pena. Está certo que a ideia original era mostrar como não existem pessoas boas ou más, mas apenas pessoas, contundo o método usado não foi um dos melhores.
Duas cenas que sintetizam toda a história do longa são interessantes invocar. A primeira, quando a mulher negra que havia sido assediada pelo policial, se envolve num acidente e a pessoa que vai salvá-la é justamente esse que a abusou, ou seja, em meio ao pânico, ela fica com receio em aceitar a ajuda daquele que a feriu. Um mesmo lado que fere, pode ajudar. E por fim a cena final, em que finaliza o conjunto desses arcos e dá início a uma série de outras histórias, insinuando que a vida é um imenso ciclo de erros, acertos e que por mais que aprendamos, sempre estaremos fadados ao errar de novo.
Enfim, Crash é um daqueles filmes que somente ao vermos inúmeras vezes, conseguiremos compreendê-lo melhor e perceber suas mensagens, ou seja, um filme que cresce e ganha peso com o tempo.
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