"Existem dois tipos de pessoas no mundo, aquelas com a corda no pescoço, e as quem tem o dever de cortá-las" – Tuco
Após realizar dois maravilhosos filmes, Sergio Leone conclui a trilogia dos dólares magnificamente, atingindo o ápice criativo e técnico. Leone faz com que John Ford pareça um amador perante uma obra tão grandiosa, que demonstra todo o potencial de um gênero visto por muitos como apenas capaz de proporcionar diversão barata e violência gratuita. A carreira de Leone é considerada curta, poucos filmes têm em sua filmografia, mas composta de obras inestimáveis. Motivado sempre pela constante busca pela perfeição, o diretor italiano colecionou várias obras-primas, sem nunca realizar algo com o mero intuito simplório. Sublime na direção de Três Homens em Conflito, Leone realiza sua obra mais inteligente e de atributos valiosos. Esquematizada minuciosamente, a obra é, essencialmente, composta de detalhes, perfeitamente elaborados.
”Quanta ingratidão depois de tantas vezes que salvei sua vida” – Blondie
Utilizando de simples premissas e lento desenvolvimento até atingir o objetivo principal, o filme se desenrola cuidadosamente em seu primeiro ato, trabalhando os seus três personagens centrais e as relações entre tais, especialmente, a relação entre Tuco (Eli Wallach) e Blondie (Clint Eastwood). O destino faz com que os dois tenham conhecimento de 200 mil dólares enterrado em uma sepultura, sendo que Tuco sabe apenas o nome do cemitério e Blondie apenas a sepultura. Angel Eyes (Lee Van Cleef) também está interessado no tesouro e com o seu modo de conseguir informações, descobre apenas o nome do cemitério. Segue um jogo de gato e rato, onde o poder do destino prevalece, onde o tesouro é apenas um mero detalhe perante uma história tão grandiosa. Leone ainda utiliza a Guerra Civil Americana como pano de fundo, aproveitando para realizar críticas, retratando-a como um desperdício de vida.
“Nunca vi tantos homens desperdiçados” - Blondie
Mais uma vez, ou seguindo uma ordem cronológica, pela primeira vez Leone estabelece sua distância abissal de qualidade técnica perante os demais diretores, sendo considerado o primeiro diretor da era pós-moderna do cinema. O domínio do tempo cinematográfico que Leone faz prevalecer em seus filmes o coloca um passo à frente de qualquer outro diretor. Talvez Stanley Kubrick conseguiu ter tal domínio, em especial, no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, porém sem tanta qualidade como Leone conseguiu desempenhar. O que Leone faz com determinadas cenas é torná-las lentas, tensas e com um tempo que normalmente não duraria na vida real. Domínio técnico, contundente, que nos proporciona apreciar cada detalhe e sentir as sensações transmitidas, manipuladas por Leone. Em especial, a cena em que Tuco chega ao cemitério e inicia uma insaciável busca pela sepultura resume perfeitamente essa capacidade de manipulação que Leone tem, o fascínio duradouro, intenso, resultante em perfeição, em uma das cenas mais lindas e magníficas da história do cinema.
"Existem dois tipos de pessoas no mundo, as de armas carregadas e as que cavam. Você cava!" – Blondie
As delirantes cenas de Leone ganham maior amplitude com a colaboração vital do lendário Ennio Morricone com trilhas sonoras eternas, auxiliando a imortalizar a qualidade técnica de direção. O tema principal The Good, The Bad and the Ugly é simplesmente indescritível, exuberante, sobrecarregada de enlevo. Trilha eternizada e de magnitude incalculável, tem o tom perfeito do filme, sem se sobressair mais, realizando o seu papel de forma contundente. The Ecstasy Of Gold é a trilha sonora utilizada na maravilhosa cena em que Tuco chega ao cemitério desejado. Talvez a minha preferida, por ser uma trilha deslumbrante capaz de criar clímaces arrepiantes e emocionantes. A forma como é utilizada por Leone é o grande triunfo da cena, que somada ao modo de filmagem consolida seu brilhantismo. A trilha The Trio utilizada no duelo final consegue criar a tensão, o nervosismo, a ansiedade e adrenalina costruída perfeitamente para uma cena em que a trilha sonora tem o seu papel mais do que fundamental, consolidando o excelente resultado. O duelo final é o cume de destreza técnica, com clímax incomparável, fortemente construtivo e com filmagem primordial, com o uso e abuso de cortes (o que não é necessariamente ruim nesse caso, pelo contrário).
”Existem dois tipos de esporas no mundo, amigo, as que entram pela porta, e as que entram pela janela” - Tuco
O Bom/Blondie (Clint Eastwood) : O padrão de atuações do personagem "o homem sem nome" (mas de muitos apelidos) segue em um excelente nível, mesmo que, especialmente neste filme, Eastwood não é tão exigido, porém em nenhum momento sua aparição soa com antiquada. Frequentemente sua figura, denominada de "O Bom", se demonstra ser ambígua, por ter moral questionável e atos que se contrariam com a tal figura de bom, afinal, ele também deseja colocar as mão naquela fortuna. O Mau/Angel Eyes (Lee Van Cleef) : Pouco tenho a falar a respeito de Lee Van Cleef, suas expressões faciais e seu olhar frio e penetrante o torna ideal para o papel que seria de Lee Marvin. É o personagem, dentre os principais, que menos aparece em todo o decorrer do filme, o que não o torna subdesenvolvido ou desaproveitado por Leone, o diretor opta por acentuar o status de "o mau" nas cenas em que aparece. O Feio/Tuco (Eli Wallach) : É injustiça não dizer que Eli Wallach rouba a cena e realiza a grande atuação do filme e da carreira do próprio ator, conquistando o carinho do espectador pelas suas trapalhadas e tentativas de trapaças cômicas, tendo a audácia de ofuscar Eastwood em praticamente todas as cenas.
"Acontece que quando recebe, sempre executo meu trabalho" - Angel Eyes
Dizer que Três Homens em Conflito é o melhor filme da carreira de Sergio Leone não é algo concreto, afinal, alguns sempre ficarão do lado de Era Uma Vez No Oeste (C'era Una Volta il West, 1968) ou Era Uma Vez Na América (Once Upon a Time in America, 1984) , mas definir a carreira de Leone em um filme, além de ser bastante subjetivo, é algo praticamente impossível. Não aponto Três Homens em Conflito como a maior obra de Leone, mas a consolidação do gênero spaguetti western com os seus aspectos profundamente explorados, sendo o centro deste gênero cinematográfico.
”Quando tiver que atirar, atire, não fale” - Tuco
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