Ficções científicas, ao que me parece, eram filmes bem melhores antigamente: não preocupadas (somente) no entretenimento bruto de platéias pouco críticas, quase sempre carregavam fortes mensagens sobre preocupações reais, principalmente sobre a natureza humana. Para exemplificar, tivemos talvez a obra máxima de Kubrick em 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), tivemos o poderoso e apocalíptico Blade Runner (1985) de Riddley Scott, e também o surpreendente Brazil, o Filme (1982) de Terry Gilliam.
Pois bem, em 1968, chegava ao mundo a adaptação de uma obra de Pierre Boulle para os cinemas: Planeta dos Macacos, dirigida por Franklin Schaffner, um competente diretor que ganharia o oscar principal apenas dois anos depois, em Patton: Rebelde ou Herói. Ótimo filme, obteve grande sucesso e contava com a estrela de um dos maiores figurões de Hollywood naquele momento, Charlton Heston. Se tornaria um clássico do gênero ficção.
A aventura se inicia quando um grupo de astronautas sobrevoa o espaço em sua aeronave. Um deles, George Taylor (Heston), reflete sobre o tempo que passou desde que deixaram seu planeta natal, seis meses para eles, e mais de mil anos na terra. Como tudo e todos que conheceu provavelmente já se foram, ele diz esperar encontrar um mundo melhor, onde uns não destruam aos outros.
Os cientistas então aterrissam nas águas de um planeta aparentemente habitável e, após abandonarem sua nave, vão à superfície. Agora, devem atravessar um longo deserto em busca de alguma forma de vida.
A beleza das paisagens é algo impressionante. A imensidão azul do oceano é evidenciada por uma bela filmagem distante. As tomadas da caminhada no deserto são sempre em profundidade, captando a vastidão e aridez do local, quando pequenos pontos brancos, os cientistas, parecem caminhar numa jornada sem fim.
Após encontrarem um rio, os protagonistas finalmente começam a estranhar quando se veem em meio a homens primitivos, que nem ainda falam. Mas a chocante realidade é descoberta logo depois, quando são atacados por macacos evoluídos, falantes, montados em cavalos, com armas de fogo e que desejam capturá-los. Afinal, onde diabos será que aterrissaram?
Taylor é feito prisioneiro e é levado a orgazinação dos macacos civilizados. O espectador é aos poucos introduzido as características daquela sociedade que, para surpresa de muitos, são incrivelmente semelhantes às do homem na idade média. Pais macacos andam de mãos dadas com os filhos, casas com janelas se erguem ao redor das ruas e patrulhas garantem a segurança. No entanto, o que mais chama a atenção é a repulsa que os macacos tem com os homens: animais, não podem ser domesticados, sem capacidade de raciocínio e extremamente nocivos.
O período da idade média fora inteligentemente escolhido para representar a metáfora com a trajetória humana. Além de ser um período de evolução ''intermediário'', foi uma época de extremismo religioso, onde a existência de tudo e todos era simplesmente atribuída à vontade divina, e além disso, qualquer questionamento era considerado heresia e passível de severas punições. Tal extremismo seria entendido depois como um instrumento de dominação e alienação das massas, concentração de poder nas mãos dos grandes poderosos, e qualquer tentativa em descobrir algo que contrariasse tal lógica seria prontamente frustrada, a qualquer custo.
No filme, entretanto, temos o casamento da ciência e religião na figura do Dr. Zaius, um cientista, mas que é ''defensor da fé'' acima de tudo. Tal união automaticamente nos sugere que aquela sociedade não irá ''evoluir''. Alguma razão especial? Sim, e isso é explicado no final, mais adiante.
A seguir somos conduzidos pela fuga de Taylor da prisão, até que ele tenha o controle da situação e começe a descobrir algumas verdades. É revelado, com a aparição de uma boneca, que homens inteligentes já pisaram naquele lugar: seriam os macacos evoluídos a partir deles?
Finalmente, a jornada de Taylor rumo à verdade o leva ao emblemático, crítico, utópico e surpreendente final. A mensagem é bem clara: tudo que foi insinuado ao longo do filme sobre a natureza do homem, sua característica autodestrutiva, é aqui afirmado. Vale tanto para a evolução desenfreada da tecnologia, da degradação ambiental e uso inconsequente de recursos naturais, guerras, bombas, ou até a característica inata de ambição e irresposabilidade humana.
''Ele encontrará seu destino'', diz Dr. Zaius sobre Taylor, revelando saber de toda a verdade e dizendo que, infelizmente, deverá punir os macacos traidores. Ele que prega a religião extrema e a usa como ''instrumento de alienação'', talvez não o faça a toa... A idéia passada é que impedir a evolução tecnológica talvez seja o único meio de garantir sua sobrevivência a longo prazo, evitando o erro dos homens.
A crítica ganha mais força quando lembrarmos que, na época, em 1968, o mundo enfrentava as iminencias da Guerra Fria, e a qualquer momento bombas podiam explodir e tudo poderia acabar. Se foi essa guerra ou qualquer outra coisa que erradicou o homem inteligente naquele futuro, a mensagem ainda é forte, pois 40 anos depois, o filme de Schaffner ainda permanece atual. Todos sabemos que é perfeitamente possível o surgimento de outra guerra, que a natureza vem sendo agredida e que o homem é irresponsável.
O filme também permanece atual pois nos quesitos técnicos é impecável. Além da ótima direção de fotografia (como disse, belíssimas paisagens), temos um roteiro e uma direção segura. E, não achei em nenhum momento a maquiagem e figurino datados, muito pelo contrário, especialmente se considerarmos a época em que foi feito. Claro, isso pode ser cogitado se compararmos essa ficção com a contemporânea de Kubrick, mas não seria justo fazer isso.
Enfim, um ótimo filme com uma grande cutucada na humanidade. Fez grande sucesso, rendeu quatro (!) continuações, que, pelo que ouvi até agora, não merecem ser assistidas, e também um remake feito por Tim Burton, que também não merece ser assistido. Apesar de ser um filme bem didático e direto em sua mensagem, certamente entra para o hall das ficções ''cult'' de antigamente. Não se compara as outras que citei no começo desse texto, mas é uma experiência cinematográfica valiosa, seguramente. Um divertido e intrigante clássico.
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