Em Ilha do Medo, Scorsese reúne as mais diversas influências para fazer uma incursão ao universo do terror. Não só isso, adiciona à sua filmografia mais um excelente título e prova que é constante no nível de suas realizações. Contando mais uma vez com seu novo ''ator favorito'' e sua parceira de longa data Thelma Schoonmaker, o diretor cria um intrigante universo psicológico para então refletir sobre questões importantes de uma época passada.
Quando Teddy Daniels (Dicaprio), um policial federal, vai à uma ilha distante com seu parceiro Chuck (Ruffalo) para investigar o desaparecimento de uma paciente psicótica que matou os três filhos, somos finalmente iniciados numa espiral de terror, suspense, drama e loucura.
Há muito o que dizer.
O refinamento técnico de Scorsese talvez seja o que o separa dos realizadores ordinários dos dias de hoje e o rotule como ''maior cineasta americano vivo''. Considerado um novato nesse gênero, sua habilidade é milimétrica em criar imagens marcantes que, depois de sincronizadas com a perfeita fotografia e a densa trilha, invocam um ambiente de puro mistério e confusão. Seus movimentos de câmera chamam a atenção, mais ainda naquele plano aberto logo no início, que depois vira um close no carro em movimento. E, sendo um verdadeiro fã de cinema, Scorsese mostra conhecer Hitchcock, Kubrick e Fuller (um de seus favoritos) ao homenageá-los, mas sem deixar de mostrar a sua personalidade.
A narrativa adotada segue um tom interessante: é inconstante em seu tempo, talvez com intenção proposital. A trama se renova a cada momento, e reviravoltas colocam o espectador em uma direção diferente a cada minuto. Na primeira metade, a temática do filme é policial, terror-suspense, surreal e até sobrenatural. Depois toma lugar o mistério e o psicológico. Juntando tudo, temos uma narrativa regular com ótimo teor de entretenimento, prendendo os olhos da platéia na tela do começo ao fim.
No entanto, há uma ressalva: é perceptível a tentativa em causar súbitos arrepios nos espectadores, como quando surgem aqueles gritos agudos de pacientes ou na aparição surpresa de um paciente da ala C dizendo brincando de pega-pega. Foram ótimas tentativas, mas infelizmente não passaram disso.
Como não poderia deixar de ser, o diretor é acompanhado por um elenco de peso. Ruffalo está bem, Kingsley, melhor ainda. Os coadjuvantes, cada um deles, representam com excelência seus sombrios e distantes personagens, sem excessão.
Agora, DiCaprio merece algumas palavras em especial. Aquele juvenil fazedor de blockbusters comerciais como Titanic, que tinha tudo para ser um novo Charlton Heston, teve sorte o suficiente para cair nas graças de um diretor de renome. O ator amadurece a cada filme, impressionante. Era impensável que um dia pudesse estar onde está hoje, com essa incrível capacidade de interpretar drama. Tá certo, existem pelo menos outros cinco atores de sua geração que ainda prefiro, mas não posso deixar de dar crédito à uma ótima atuação como essa sua neste filme.
Em poucas palavras, Scorsese reúne a mais alta técnica a melhor equipe e depois a ótimos atores para arriscar-se em um terreno desconhecido. Tem sucesso, obviamente. Sobretudo, a incrível capacidade de Marty em agradar tanto a uma platéia comercial quanto a uma crítica seja talvez a maior referência feita à Alfred Hitchcock.
O incrível final surpreende e satisfaz, amarra todas as pontas e ainda abre para reflexões maiores. O ambiente psicológico de uma mente traumatizada por uma fatalidade e/ou ferida pela guerra é aberto e dissecado. Ainda, o cenário de incerteza e perda de identidade que dominou o mundo no pós-guerra e no começo da guerra fria também ganha destaque. É recriada inclusive a impotência que pessoas reais daquela época tinham para enfrentá-lo.
Em Ilha do Medo, Scorsese se renova. Talvez o mais próximo que tenha feito anteriormente seja Cabo do Medo (1991), cuja semelhanças vão desde a atmosfera sombria até o labirinto psicológico.
Tive a mais agradável sensação ao assisti-lo, principalmente ao saber que o mestre não falhara em nos tirar dessa sufocante escassez de bons suspenses que enfrentamos nos dias de hoje. É absolutamente curiosa a segurança que sinto durante a exibição de um filme de um grande cineasta como esse: uma tranquilidade habita a minha mente como se tivesse 100% de certeza em encontrar um bom final e um grande resultado.
Para nossa felicidade, Martin Scorsese ainda só tem 67 anos. Ele tem muito chão pela frente e ainda nos presenteará com outras películas desse calibre ou até maior, certamente. Muitos, especialmente os mais entendidos em cinema, o colocam apenas como um bom cineasta em meio a uma multidão de porcaria. Em minha humilde opinião, quando o tempo passar, sua obra vai crescer e alguns vão voltar atrás ao afirmar que ''Scorsese foi um cara que segurou o cinema americano durante anos''.
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