"Finalmente dois roteiristas souberam despertar aquela angústia tão guardada pelo ser humano".
O Despertar de uma Paixão (2006) é o melhor drama das últimas décadas. Se for por falar em técnica, roteiro e atuações ele ganha mais brilho que sua imagem inicial parece ter. É um show de imagem, de diálogo e de visão, visão esta que sobe a trama a patamares tão elevados do entendimento do ser humano que a obra poderia ser obrigatória para todos os cinéfilos que torcem pelo drama dramático. São elevados pontos de técnica que recorre desde á uma fotografia aberta a uma montagem excessivamente natural. As cenas são tão abertas que dá para ver toda a extensão do local (mistura bem-feita da fotografia que toma as extremidades com uso obtuso da montagem deslocada, centraliza os dois personagens centrais na imensidão que habita o local; isso vê-se na capa do DVD). Beleza tão linda não se vê desde de ... E O Vento Levou (1939) e A Noviça Rebelde (1965). É mistura de cores melancólicas (digo isso por saber o que viria mais á frente) com verde-amarelada (sorte e luxúria, tudo o que estava na alta da época). Logo adiante uma análise do filme, recorro a pontos simples, mais delicados o bastante para pensar.
Walter Fane (o fantástico como sempre Edward Norton) é um homem normal, digo assim por ele ser um ser humano normal, com sentimentos e confusões em seu casamento. Ele é casado com a belíssima Kitty Fane (a sem comentários Naomi Watts), uma linda mulher da classe alta da Inglaterra. Os dois primeiramente vivem um lindo romance (esse gênero romance vamos deixar por aqui, ele não está nesse filme). Uma história normal de um homem e uma mulher. Os problemas começam quando a familía de Kitty proibem o namoro. Mesmo assim, depois de várias brigas e extremados diálogos (inúteis mais que fazem o roteiro se tornar tedioso, uma preparação para o que viria) ela se casa. Os dois vão á festas. Se divertem normalmente. Walter é bacteriologista. Quando por insorte (por parte de Kitty) ele volta para casa ele escuta sua mulher transando com outro homem. Os sussuros de Watts são perfeitos. Ela o traiu. O melhor diálogo dramático da década é dos dois personagens quando ele a força a viajar com ele para um serviço do trabalho (na verdade ele é voluntário num vilarejo que está infectado pela cólera na China), ela se recusa e ele a ameaça á entregá-la á sociedade por bigamia. A tensão dessa cena é ótima. Os dois seguem em viajem. Uma viajem (para ela) horrível. O vilarejo é pobre, e está infectado por uma doença aguda que massacrou dezenas de milhares de seres humanos na década de 30. Existe melhor cenário para uma história romântica? O drama agora vêmcom tudo. As constantes brigas dos dois pertubam o roteiro e as novidades começam a aparecer intercalando com os próprios personagens. Para encurtar, os dois vivem uma jornada de auto-conhecimento, conhecimento amoroso (do casamento) e conhecimento do ser humano. Todas as cenas são lindas, até aquelas do hospital improvisado. Por fim, ele adoece. E morre depois de ter uma conversa lindamente protagonizada pelos dois (Watts e Norton). A seguir pontos técnicos.
Todas as cenas valorizam a imagem e o detalhismo chinês. São guiadas por trilhas belíssimas e por toques suaves de instrumentos também chineses. A direção (John Curran) tem olhar atento a visão e há cada movimento perfeitamente ensaiados e improvisados dos atores (tudo muito perfeito). A dupla de roteiristas Ron Nyswaner e W. Somerset Maugham submetem seus expectadores á um mundo sombrio e tão amável que seus valores deixam de se colocar á frente de tudo pela amizade com que o roteiro trata a vida desgraçada daquelas pessoas mostradas nas cenas (tudo muito verídico). É uma viajem no conhecimento do cárater do ser humano.
Naomi Watts é a estrela do filme. Ela tem força na fala e na contração da face. Antes realizou trabalhos que colocaram seu talento em prova, como no sucesso King Kong (2005) e no chato suspense O Chamado. O Despertar é seu melhor trabalho até agora. Levou uma indicação em 2003 á Melhor Atriz por 21 Gramas. Mesmo assim, sua força maior está em O Despertar. Edward Norton é um grande ator. Um genuíno observador e recebe o roteiro com magnífica proeza e coloca todo o sentimento na fala. Tem uma lista de realizações que arrepiam pelos roteiros e pelos absurdos de personagens cada um mais diferentes que o outro. Já em seu primeiro trabalho recebe uma indicação á Melhor Ator Coadjuvante por As Duas Faces de um Crime (1996); dois anos depois outra indicação ao Oscar, dessa vez para Melhor Ator pelo filme A Outra História Americana (1998), também não ganha. Um ano depois realiza (como alguns dizem ser) seu maior/melhor projeto: Clube da Luta (1999). A verdade é os dois são grandes atores e souberam fazer do filme (mesmo com seu roteiro dificil) um grande marco do gênero Drama. Outros atores são duvidosos em contrair tanta amargura e tanta angústia que o filme soube passar com essa dupla. A sincronia dos dois é mais que perfeita, é inevitavelmente atraente. Um sucesso na interpretação. Os dois personagens se revesam em protagonistas e antagonistas. É tremendo misto de dúvida e culpa, uma inversão de sentimentos e contradições. Supostamente o roteiro obriga os personagens á atitudes e escolhas tão naturais (é tudo que poderia acontecer na vida real, sem muito invencionice) e deslocadas da mesmice desses roteiros que o expectador acredite vendo uma história verídica e equivalente á uma lição de vida. Essa proposta que o filme oferece é de pouco entendida por muitos.
Apesar do insucesso do filme, ele marca muito o drama. Com orçamento de US$ 19,4 milhões 'The Painted Veil' título original de O Despertar ele estreia com pouco marketing nas salas americanas, apenas em 4 salas, chegando mais tarde a 287 salas arrecadando apenas US$ 8,060,487 nos EUA. No exterior arrecada US$ 18,593,546, totalizando US$ 26,654,033. O fracasso na bilheteria e a insatisfalção de seus idealizadores e realizadores não interrompeu o marco que esse filme trouxe para o gênero que segue. A pena, entretanto, é que não tivera nenhuma indicação á nenhum Oscar. Aquela boa Fotografia e áquelas belas atuações não foram suficientes para encantar os críticos.
Os minutos finais do filme é de se emocionar. Uma sequência encantadora de beleza, dúvida e um carisma que cresce com os pontos finais. Uma gravidez duvidosa de paternidade, o reencontro de Kitty com Charlie (o homem com quem Walter flagrou sem querer sua mulher lhe traindo; papel de Liev Schreiber de Um Ato de Liberdade), e a lição maior do filme: o amor existe, e a paixão nasce do desejo e da convivência. O Despertar de uma Paixão como não me cansei de repetir várias vezes é quase que perfeito. É muito lindo e não trata o expectador como um ser introspectivo e que não sabe entender proposta que roteiros oferem. Este sabe oferecer magia e entendimento. Razão e sensibilidade. Distingue as disparidades que existe entre o Amor e a Paixão. E mostra que por mais que não exista amor, sempre podemos fazer com que a paixão desperte.
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