Tudo começou quando Paul Schrader, roteirista de Taxi Driver, viu sua vida pessoal em completa desordem, tornando-se solitário, autodestrutivo e cinéfilo. Qualquer semelhança com Travis Bickle não é mera coincidencia, o filme foi completamente abraçado por todos os seus realizadores desde os primeiros momentos em que começou a ser concebido. O roteirista que ainda viria a trabalhar com Scorsese diversas outras vezes, e hoje pode ser considerado uma personalidade no mínimo interessante no mundo do cinema criou praticamente um retrato de si mesmo, ao mesmo tempo que, talvez sem perceber criava um retrato, um vínculo, um grito de desespero de todos que se sentem sufocados dentro das cada vez maiores e mais poluídoras cidades. Uma obra que ultrapassa a barreira do tempo por tratar principalmente de um sentimento cada vez mais comum nos seres humanos, a solidão.
Foi aí que Martin Scorsese e Robert De Niro entraram na história, depois de assistir Caminhos Perigosos, primeiro filme da histórica parceria entre o ator e o diretor, Schrader se convenceu que era a dupla perfeita pra realizar aquele trabalho que ele tinha em mãos e ele não poderia ter sido mais feliz em sua escolha. Tanto Scorsese quanto De Niro estavam com suas carreiras em ascensão e ansiosos por mostrar serviço, um fator que com certeza contribuiu pro resultado final. Os três juntos se entregaram profundamente ao projeto, criando não apenas um vínculo profissional, mas também pessoal.
Martin Scorsese trouxe a sua visão brilhante e perturbada da cidade que tanto ama, Nova York, que nesse filme torna-se quase um personagem a parte pela forma que somos envolvidos por suas caracteristicas setentistas durante as cenas. Ele explora um ambiente que conhece muito bem, escolhendo angulos especiais que nos faz sentir tão imersos quanto Travis dentro da cidade e do taxi. Com Taxi Driver o diretor conseguiu mostrar a que vinha, provando além de tudo um talento único pra inserir a violência com um tom certeiro nos seus filmes.
Fechando o trio, Robert De Niro vinha colocar a cereja no bolo com seu intrigante Travis Bickle. O ator filmava na época o filme 1900 em Roma, mas pegava um avião para Nova York e se tornava motorista de taxi nos finais de semana. Sua dedicação ao personagem era tanta que ele se afastou até mesmo de membros da equipe do filme quando vivia o personagem. Uma atuação espetacular, e na minha opinião, o auge de sua carreira.
A parte técnica conta com nomes igualmente notáveis como Bernard Herrmann que trouxe seu talento inigualavel para seu último trabalho, Michael Chapman cuidando com perfeição da fotografia e Dick Smith responsavel pela maquiagem.
O filme conta a história de Travis Bickle, um jovem alienado que supostamente esteve na guerra do Vietnã (há controversias sobre isso, alguns dizem ser mais um dos devaneios do personagem) e que se vê perdido e deslocado numa sociedade que considera suja. Ao mesmo tempo que sente repulsa pelas pessoas, ele tenta criar um vínculo com elas pra dar um rumo a sua vida. Travis é um observador, é alguém que pode surgir em qualquer canto a partir de um sentimento de revolta e pessimismo em relação ao mundo. Paul Schrader vê o taxi como um caixão ambulante que corta a cidade, expondo de forma sútil uma estranha degradação social, política e sentimenal que têm acompanhado os seres humanos por todos os lados. Apesar de toda essa atmosfera pesada, o filme nos presenteia com momentos cômicos e até mesmo um romance frustrado que mostra a idealização que temos das pessoas que amamos e como isso pode se quebrar de forma trágica.
Os personagens secundários não são menos interessantes, com destaque pra Jodie Foster que com 12 anos compôs sua personagen Iris, carente e inocente, mas acima de tudo transbordando carisma e frescor. Cybill Sheperd faz Betsy que se aproxima muito de uma idealização, uma figura lúdica na vida de Travis. O filme ainda conta com Peter Boyle, Leonard Harris, Harvey Keitel, entre outros que fazem parte da sociedade tão misteriosa e impenetravel que cerca Travis e seu taxi, deixando nítido uma futilidade e um vázio nas pessoas da forma como são tratados os personagens. É interessante observar os diálogos entre os taxistas colegas de Travis contando suas bizarras experiencias do dia-a-dia. O elenco também conta com Scorsese em uma das participações mais especiais da história do cinema, rendendo uma cena que sempre me encanta e me diverte ao assistir.
Uma obra de arte que marcou definitivamente a vida dos seus realizadores e de muitos que assistiram ao filme. O ponto inicial que despertou minha paixão e interesse pela sétima arte. Scorsese consegue durante os 113 minutos de filme nos deixar imersos em um universo criativo, imaginativo e ao mesmo tempo tão próximo da realidade dos sentimentos dos seres humanos, desde aquela tomada inicial com os olhos de Travis perdidos até seu último olhar paranóico no retrovisor, nos deixando uma sensação de que também fomos passageiros daquele taxi e chegamos no ponto final de uma viagem inesquecivel.
"Loneliness has followed me my whole life. Everywhere. In bars, in cars, sidewalks, stores, everywhere. There's no escape. I'm God's lonely man."
Letícia...
Texto sensacional para esta obra-prima parabéns!