Feito para americano ver, Um Sonho Possível procura causar impacto com a história de pobreza e solidão de Michael Oher, mas só consegue mostrar o quão frágil o cinema comercial estadunidense pode ser.
"The Blind Side" é sobre a história de Michael Oher, um adolescente de 17 anos que mal sabe escrever, mas que tem uma habilidade incrível para o esporte. Interessados unicamente no talento do jovem para o time de futebol americano, uma escola decide recebê-lo a fim de lhe dar uma educação de qualidade, ou pelo menos essa é a justificativa que nos é dada. Na escola, ele encara uma vida completamente diferente daquela que ele está acostumado. Como o próprio se refere, tem muita coisa branca ao redor dele. E é assim que vai levando a vida, sempre com a mesma roupa carregada em um saquinho plástico. Mas é quando Leigh Ann, mãe de um garoto chamado SJ, resolve ajudá-lo, que a vida de ambos começa a mudar. Primeiramente, ele só passaria uma noite na casa dela e da sua família, mas depois os dois vão criando laços de afeto um pelo outro, aprendendo a se gostar. Ela lhe compra roupas, lhe paga uma professora particular e finalmente decide adotá-lo como seu filho legítimo.
Está sendo um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. São mais de 245 milhões de dólares arrecadados por lá e o filme já ocupa a 57ª posição entre as maiores bilheterias americanas da história. Não à toa, a atriz Sandra Bullock foi eleita a celebridade que mais levou espectadores ao cinema em 2009, e assim como aconteceu com A Proposta, tem recebido inúmeros elogios por sua atuação em "The Blind Side".
Toda essa algazarra em cima do filme e de Bullock arretou na maior surpresa do Oscar 2010. 'Um Sonho Possível' recebeu duas indicações. Uma para Sandra, que já disponta como franca favorita e outra de Melhor Filme, o que de fato não era nem um pouco esperado. Mas tal indicação é justificável ao término do longa, pois ficam evidentes as "qualidades" que levaram o trabalho de John Lee Hancock a ser lembrado na categoria mais importante do prêmio da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Trata-se de um filme tipicamente americano, com cara de Oscar e temática esportiva com relações familiares. O roteiro conta uma história muito esquiva do american way of life, feita para comover e fazer o espectador refletir. Mas não é preciso ir muito longe para encontrar um exemplar de filme muito melhor e mais eficiente que "The Blind Side". Na verdade, dependendo de onde você mora, é só ir para o cinema mais próximo. Lá você encontrará Preciosa, que por sinal também concorre ao Oscar de Melhor Filme. No filme dirigido por Lee Daniels o espectador pode conferir a história de uma adolescente que sofre maus tratos em casa, é abusada pelo pai e ainda convive com a adversidade. Ao contrário de "Precious", 'Um Sonho Possível' não mostra a relação que o protagonista sofrido tem com a sua família, mas sim o abandono no qual ele foi deixado. Eis aqui portanto a primeira justificativa para a indicação ao Oscar, talvez equivocada no ponto de vista de merecimento, talvez lógica do ponto de vista da Academia: o enredo trágico, pesado e contrário à imagem norte-americana de América sonhadora sempre conquistou os membros da Academia e esse ano mostra que continua a ser prestigiada.
Outra justificativa: é um filme feito unicamente para americano assistir. É um daqueles longas internos, que agrada a população mais deixa a crítica desestabilizada. É bem verdade que o conceito do filme anda razoavelmente alto por lá, mas esse aqui não deixa de ser um programa que muito cidadão estadunidense comum gostaria de assistir, pouco se importando com a qualidade do filme. Toda a temática envolvendo o futebol americano, que é uma das paixões dos nascidos por lá, além da típica quebra do conservadorismo social foram bons motivos para levar o filme a se tornar o sucesso comercial que é, o que nos leva à terceira justificativa para a nomeação: a bilheteria. Com os números alcançados, que ainda devem subir, fica claro o modo como o filme foi adotado como o queridinho dos americanos por lá. Esse, que é, portanto, o quarto motivo da indicação, talvez seja o mais importante. A Academia de Hollywood, como americana que é, não quer desagradar o público e por isso e em especial à ausência de Batman - O Cavaleiro das Trevas e Wall-E ano passado na categoria principal, resolveram colocá-lo no patamar mais alto do prêmio, agradando a gregos e troianos.
E assim como o filme é o novo xodó dos norte-americanos, Sandra Bullock tinha tudo para cair nas graças do povo de vez. Para muitos o fato da atriz jamais ter recebido uma indicação ao Oscar é um completo absurdo e talvez por isso ela, que agora entrega apenas uma atuação correta, foi condecorada como a atriz do ano de 2009 e finalmente "foi lembrada e reconhecida por seu talento incomparável.". Ao meu ver, sua interpretação é tão comum que o fato de ter sido indicada já é uma forma de reconhecimento muito acima do nível do merecido. Sandra compõe uma Leigh Anne Touhy completamente neutra, sem nenhum atrativo que valha uma indicação.
E já que comecei a falar de Bullock, o restante do elenco, com o qual não procuro me ocupar muito, se sai expressivamente mal. Quinton Aaron, que interpreta Michael Oher, tem como único mérito mal abrir a boca. Sua inexpressividade é chocante e seus olhares melancólicos são falsos. O mesmo vale para os outros membros do conjunto de atores. Tim McGraw, que faz Sean, parece estar desconfortável no papel e Jae Head, a criança incomum, irrita com o seu jeito crescido e irreverente. Nem a excelente atriz Kathy Bates, que aliás é a melhor do elenco, equivale a algum sopro de alívio no meio de tanta mediocridade. Encontramos no elenco o primeiro sinal da má direção de John Lee Hancock, que além de dirigir, escreveu o filme. Ele falha em ambos.
Na direção, Hancock vai direto ao ponto muito rapidamente. Aquilo que o espectador mais anseia, que é justamente a relação de aproximação entre Leigh Ann e Michael, se dá logo na primeira meia hora de filme, o que nos leva a crer que o restante só servirá para encaixar as várias e desnecessárias subtramas e levar a história para um rumo que não pretendia tomar. O argumento inicial se esvai logo no início e o filme vai tomando parte de discussões mais inertes, como a traição, a quebra de confiança e a busca pelo passado. Aliás, o passado de Oher, que poderia servir como um poderoso trunfo no roteiro, é extremamente mal desenvolvido e fica até difícil entender o que de fato aconteceu a Michael quando ele era criança.
O texto, baseado no livro de Michael Lewis e em fatos reais, não causa o impacto que gostaria. Se a intenção era comover o espectador com a história solitária de Michael e com os olhos maniqueistas de Quinton Aaron, o script falha integralmente. As frases de efeito do começo e a total artificialidade dos diálogos só contribuem para o mal desempenho de Hancock também como roteirista.
Um Sonho Possível tem tantos defeitos que a montagem ser um ponto positivo até surpreende. Na verdade, é ela que salva o filme e não impede o espectador de morrer de tédio.
Com atuações irregulares e outras corretas, além de uma temática tipicamente norte-americana, é um filme que não agrada muito àqueles de cultura diferente da dos estadunidenses, ainda que a nossa seja regada à deles. Fraco e sem o grau sentimental que procura ter, o longa é apenas mais um filme sobre relações familiares mal conduzido, com o esporte para entreter e agradar o público, mas completamente vazio de conteúdo.
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