Belíssimo, O Segredo dos Seus Olhos é um filme dirigido com maestria por Juan José Campanella. Ele cria cenas visualmente fantásticas, planos-sequência memoráveis e enquadramentos belíssimos. Sem ele, escrevam, este não passaria de um melodrama medíocre.
Não há nada mais prazeroso do que ir assistir a um filme em cinemas de rua. Salas pequenas, banheiros interiores, refrigerante na própria latinha; aquele cheiro de coisa velha, um amplo espaço entre as poltronas para esticar as pernas; uma livraria lá fora te esperando, bistrôs dentro do cinema e as pessoas de sempre, indecifráveis. Todas elas, das mais diversas culturas, raças e comportamentos, reunidas unicamente para compartilhar o prazer que é assistir a um bom filme dentro de um ambiente tão aconchegante e charmoso. Em alguns lugares, no entanto, um cinema de rua pode significar apenas um refúgio. Seja do trânsito movimentado da Rua Augusta, das pessoas que fazem parte dos seus dias ou até mesmo do mundo lá fora. Não precisa de nenhuma tecnologia grandiloquente para se afastar da realidade, nem que seja apenas por algumas horas. Basta assistir a um bom filme em uma sala pequena, confortável e com meia dúzia de pessoas que, acreditem, estão lá para curtir exatamente aquilo que você procura.
Foi no clima de final de tarde, uma tarde fria e ensolarada, que fui à um dos cinemas de rua mais interessantes da cidade assistir ao filme que te proporciona essa "fuga" da realidade, sem apelar para mais nada que não seja uma boa história, belas imagens e um bom elenco. "El Secreto de Sus Ojos" é uma obra argentina que te faz mergulhar em um enredo simples e clichê, mas que traz, de uma maneira ou de outra, um sopro de originalidade. Trata-se de um filme que prende o espectador na poltrona para este não querer sair mais. Belíssimo em todos os seus aspectos, desde a concepção até a conclusão, todos os déjà vu que encontramos no decorrer da produção se esvairam conforme o filme é orquestrado por Juan José Campanella.
Não é difícil, entretanto, descrever o trabalho do diretor neste seu mais novo longa. Campanella nunca se prendeu a sentimentalismos para contar suas histórias e não seria desta vez que ele começaria a utilizar tal artifício. Não serei pretencioso a ponto de acreditar que seja o naturalismo regido pelo cineasta que faz de "O Segredo dos Seus Olhos" um filme diferente daqueles que apresentam o mesmo tema. Evidentemente, o talento de Campanella não se resume ao uso de artifícios cinematográficos para provocar emoções no espectador, mas sim na forma singela e original com a qual ele comanda uma história clichê. E o que soa mais interessante no trabalho do diretor é como ele transforma cenas clássicas do sentimentalismo puro e simples em situações pura e simplesmente belas, apenas. Difícil não assistir à cena da estação de trem sem se lembrar de várias outras ocasiões onde conferimos uma sequência muito semelhante àquela, se não idêntica. Aí reside, então, o principal triunfo de Campanella. Os clichês parecem se dissolver perante à emoção que a própria história tratou de construir, e que faz desta, uma cena antalógica.
Para chegar a essa cena, o personagem Benjamín Espósito precisou passar por um exaustivo processo criminal, no qual constava que uma mulher havia sido estuprada e espancada até a morte. Sua vida não se torna mais fácil, no entanto, quando ele começa a desconfiar de um amigo de infância da jovem assassinada, que aparentemente sumiu do mapa. Ele ainda é obrigado a suportar as injúrias do amigo Sandoval, bêbado e atrapalhado, e fingir que não sente absolutamente nada além de profunda amizade e admiração pela chefe Irene. Toda essa trama é relatada com base na memória de Benjamín vinte e cinco anos após todos esses acontecimentos. Mais velho, ele se aposentou do Tribunal Penal e agora encontra tempo livre para compôr o romance que sempre almejou, embora jamais tivesse conseguido escrevê-lo. Nele, Espósito relata um episódio em uma estação de trem, na qual uma mulher corre pela plataforma para não perder o trem de vista, nem seu amor. Uma cena bastante conhecida pelas pessoas, mas real.
Campanella, então, com todo o charme, talento e estética que dispõe, nos apresenta mais um dos seus méritos. Os enquadramentos comandados por ele são de extremo bom gosto, todos muito bem elaborados também pelo diretor de fotografia Félix Monti, cujo trabalho merece destaque especial ainda pelo excelente plano-sequência do estádio de futebol. Monti e Campanella, juntos, criaram o melhor momento do filme com apenas um movimento de câmera, simplesmente sensacional, elevando o filme a um patamar ainda mais alto de qualidade e execução. Entretanto, nem toda a técnica se sai tão bem quanto a fotografia. A maquiagem que envelhece os atores não é competente o suficiente e para alguns personagens parece que o tempo não passou.
No que diz respeito às interpretações, o destaque fica todo para Ricardo Darín, um dos atores argentinos mais bem conceituados de todos os tempos. Ele imprime ao personagem Benjamín Espósito uma mistura de louco apaixonado com profissional que leva o trabalho a sério demais. Sua interpretação é segura, comovente e muito bem realizada, acima de tudo. Quem também merece elogios é Soledad Villamil, que faz Irene Hastings. Ela é uma espécie de mulher indefinível, da qual não se sabe nada. Nesse ponto, Villamil é excepcional. Se mostra dura e inatingível quando necessário, mas também sabe ser doce e cativante quando a situação exige. Isso é, de fato, uma tarefa árdua para qualquer intérprete. E temos ainda a atuação corretíssima de Guillermo Francella, que compõe o personagem Sandoval com comicidade extraordinária. Francella comprova sua excelente atuação na cena mais importante, comovente e determinante de seu personagem no filme.
O Segredo dos Seus Olhos é, na verdade, um típico filme que só é exibido em cinemas de rua. É um trabalho de direção comprovadamente satisfatório, com boas doses de violência, humor inteligente e mistério. Não é para todos os tipos de público, uma vez que suas características combinam perfeitamente com aquelas que espectadores mais exigentes encontram, portanto não é uma fonte de renda muito interessante para shoppings, por exemplo. É um filme belo, marcante, bem realizado e repleto de bons momentos, que joga o espectador para dentro da história de tal modo que quando a porta se fecha, na última cena, é como se fôssemos expulsos da nossa própria realidade. Essa sensação parece que só é possível quando a obra realmente consegue captar os sentimentos do espectador, sem precisar de sentimentalismos, tecnologias de efeitos especiais nem de perseguições e tiros. "El Secreto de Sus Ojos" é um filme belo, forte, sincero e acima de tudo, prazeroso de ser assistido. Imperdível.
"teAmo"
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