Apesar de ser o melhor da saga até aqui, Eclipse não é um bom filme. Ainda que alguns problemas dos anteriores tenham sido corrigidos, as falhas e o baixo nível da literatura de Stephenie Meyer continuam a impedir que a trama avance.
Assim como acontece com a série Harry Potter, outro fenômeno adolescente, cada novo filme da saga Crepúsculo é motivo de ansiedade e filas quilométricas. "Eclipse", terceiro episódio da história de amor entre a humana Bella e o vampiro Edward, é, sem dúvida, um dos filmes mais esperados do ano. Desde que Lua Nova chegou aos cinemas, em novembro do ano passado, as pessoas tomaram consciência do enorme número de fãs que a saga possui. "New Moon", que é até o momento é o filme que mais arrecadou dinheiro na estreia, somou, ao todo, mais de 700 milhões de dólares em todo o mundo. Sete meses depois, as "crepusculetes" (como bem definiu as fãs de Crepúsculo, o crítico Pablo Villaça), têm mais um motivo para lotar os cinemas. "Eclipse", que teve sua estreia mundial no último dia 30, é o melhor filme da saga até agora. Mas acredite, isso não quer dizer muita coisa.
Para uma série, cujo primeiro filme pode ser classificado como "bomba cinematográfica" e cuja sequência deste é quase tão ruim quanto (só melhora em aspectos técnicos), dizer que o seu terceiro capítulo é o melhor não é lá algo muito animador. Uma das poucas coisas que pode-se dizer à favor de "Eclipse", é que o diretor David Slade, que disse abertamente não gostar da saga, teve o mínimo de bom senso para transformar a adaptação do livro de Stephenie Meyer em um filme mais independente da obra na qual é baseado. Isso, no entanto, não salva a produção da ruindade do livro que deu origem à "Eclipse". Ainda que aqui exista ação e algo pelo qual vale a pena esperar, os diálogos e situações sofríveis da obra da escritora americana praticamente jogam tudo por água abaixo. Muito pouco é tido como entretenimento de qualidade, e até mesmo a aguardada cena da luta possui falhas que, por mais bem intencionado que esteja Slade, os detalhes da composição de personagens e da própria situação se encarregam de estragar aquela que seria a melhor sequência da saga até aqui.
E isso sem falar nos péssimos diálogos, tão ruins quanto os dos filmes anteriores. Talvez o pior deles seja quando Jacob diz que é mais quente que Edward. A vontade, ao ouvir essa fala, é de sair da sala naquele exato instante. Mas o pior ainda estava por vir. No minuto seguinte, Jake está abraçado à Bella, que treme de frio enquanto tentava dormir em uma barraca, no alto de uma montanha, à espera do início da luta entre clãs de vampiros. Edward, que é um homem morto à décadas, não possui calor corporal (mais tarde o espectador descobrirá que os vampiros são feitos de gelo), o que o impede de aquecer a namorada. Jacob, que todos sabem ser extremamente apaixonado pela garota, surge exibindo o peitoral (por ser um lobisomem, ele sente muito mais calor que os humanos, por isso anda pra lá e pra cá sem camiseta), deita-se ao lado de Bella e dorme agarrado à ela, enquanto Edward assiste à cena se mordendo de raiva. É, para todos os efeitos, a cena mais constrangedora e cômica de "Eclipse".
Perdão. Me esqueci da cena em que Bella tenta ter sua primeira noite de amor com Edward. Este, que diz ser de uma outra época, alega que "sexo somente após o casamento". Uma sequência estúpida, obtusa e risível. Não se sabe qual foi o desejo de Meyer ao escrever essa cena, mas o fato é que até alguns fãs se sentiram incomodados com ela. Mas se existe alguma coisa de interessante, ainda que mal aproveitada, em "Eclipse", é o passado dos vampiros que finalmente ganha alguma atenção. Por algum tempo, eu imaginava que nenhum personagem da saga tinha algo de válido para apresentar ao público. Bem, eu não estava totalmente errado (apresento-lhes Bella Swan, a personagem mais superficial, vazia e insuportável dos últimos tempos). Mas, desta vez, parece que existe algo de interessante por trás dos vampiros da saga, pelo menos do clã Cullen. É de se surpreender o fato Bella ou até mesmo dos próprios vampiros jamais terem mencionado a época em que estes viveram como humanos. Os personagens bebedores do sangue alheio nasceram há muitos anos. Se eles, enquanto ainda eram humanos, não tivessem sido atacados por vampiros, provavelmente já estariam mortos. Mas, como estão condenados a viver pelo resto da eternidade (uma vez que nem o sol os mata, mas sim os faz brilhar), eles certamente devem ter algo de muito interessante para contar às novas gerações. Afinal de contas, eles viveram em épocas que os jovens de hoje estudam em livros. Seria maravilhoso poder conversar com alguém que tenha vivenciado fatos importantes da história. Esse aspecto é trabalhado pela primeira vez na saga Crepúsculo, o que é excelente. Mas não vamos comemorar muito. A menção ao passado dos vampiros acontece em apenas duas ocasiões. Uma delas, na qual a personagem Rosalie conta como se tornou vampira enquanto ainda era membro da alta sociedade, serve para deixar Bella ainda mais confusa e, portanto, ainda mais chata. A outra, quando Jasper cita a ocasião em que foi mordido quando servia ao exército na Guerra Civil, serve somente para que a situação geral da luta seja desenhada para o espectador. Ou seja, o passado dos vampiros é abordado somente duas vezes em todo o filme, o que já é muito bom, mas apenas para auxiliar na construção dos dois conflitos principais da trama: a indecisão de Bella e a luta, respectivamente.
Talvez isso seja tudo o que deve ser dito sobre a história, que, você pode perceber, não sofre qualquer avanço. O pedido de casamento, que encerra "Lua Nova", aqui não leva à lugar algum. Somente a data do casório é marcada. Assim, o espectador que não acompanha a saga nos livros só ficará sabendo do final de Bella, Edward e Jacob no próximo capítulo, que será dividido em duas partes. De resto, é tudo exatamente igual aos filmes anteriores. A única diferença é que a personagem Bella fica cada vez mais inverossímil e obtusa, com um vampiro e um lobisomem correndo mais uma vez atrás dela.
Partindo para o campo das atuações, se a direção de Chris Weitz em "New Moon" tratou de deixar Kristen Stewart mais livre para compôr sua personagem, o mesmo não pode-se dizer do que aconteceu em "Eclipse". Stewart, que já provou ser boa atriz em diversas ocasiões, está mais limitada do que nunca. Robert Pattinson, que tem como único trunfo a experiência que carrega em filmes onde tem destaque, continua inexpressivo e, enfim, péssimo. Talvez o carisma de Taylor Lautner fosse o suficiente para salvar seu personagem, mas Jacob é ainda mais terrível do que imaginávamos, o que dá pouco espaço para o ator trabalhar. Bryce Dallas Howard, que começou tão bem a carreira em A Vila, entrega uma atuação bastante precária. Não pretendo mencionar, a cada nome do elenco, que o que impede que esses façam um trabalho razoavelmente melhor é justamente os seus respectivos personagens, você já sabe. Além de Howard, que ganha destaque maior na pele da vampira ruiva Victoria, outro talento desperdiçado é Dakota Fanning. Ela, que teve uma boa participação em "Lua Nova", não encontra o tom certo para sua personagem e exagera na marca principal de Jane: a serenidade maligna do rosto. Desta vez, sinto em dizer, não deu muito certo. Além dela, Billy Burke, que não costuma fazer mal aquilo que lhe é designado, é muito pouco aproveitado em "Eclipse".
O longa, no entanto, teve um significativo avanço no que diz respeito ao visual. Eu ainda prefiro a fotografia utilizada em "Lua Nova", mas as luzes e os enquadramentos de Javier Aguirresarobe não devem muito ao seu trabalho anterior. O mesmo acontece com os efeitos visuais, que estão melhores, mas ainda assim artificiais. O tempo que separa um filme do outro, assim como o orçamento escasso de 68 milhões de dólares, talvez expliquem a baixa qualidade da tecnologia investida na produção. O lamentável é que Alexandre Desplat, um dos compositores mais conceituados da atualidade, não ficou à cargo da trilha sonora de "Eclipse". Howard Shore, que apesar do trabalho excepcional exercido na terceira parte de "O Senhor dos Anéis" (ele inclusive foi premiado com o Oscar), definitivamente não é do mesmo gabarito de Desplat. Desta forma, a trilha do filme só vale a pena por conta de uma ou outra banda, da qualidade de Muse, que aparecem durante a projeção. Nestes aspectos, algumas faixas são muito interessantes e repleta de pontos altos.
Eclipse, como já foi dito, é o melhor filme da saga. Evoluiu, principalmente nos seus termos técnicos. Mas mesmo assim continua devendo. A história, que praticamente não avançou, é algo que deve ser contornado e corrigido por Bill Condon, diretor da primeira parte de Amanhecer, a ser lançada em novembro do ano que vem. Quanto mais independente da obra de Stephenie Meyer o roteiro for, melhor. Mas algo deve ser dito. "Eclipse" é um filme ruim, mas pelo menos aqui, a ação se faz presente e a história apresenta aspectos mais interessantes. Nada disso consegue salvá-lo, mas certamente podemos esperar por um próximo filme bem mais eficiente.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário