Carregado com intenso contéudo, a força de Preciosa vem não se sabe de onde. Ora, como é possível sair do cinema sem se sentir tocado pela mais incômoda e perturbadora história familiar do ano?
Mas não é uma história familiar como você pode estar pensando. Afinal, não é um drama familiar e sim uma história de adversidade, abusos e sonhos. Claireece Jones Precious tem 16 anos. Sua imagem de beleza e perfeição é a de uma mulher magra, branca e loira. Precious é o extremo oposto daquilo que esperava ser. Obesa, negra netinta e de cabelo preto e crespo, ela só tem 16 anos e está grávida do segundo filho. Sua primeira filha nasceu com Síndrome de Down, e, por isso, Claireece recebe um dinheiro todo mês da assistência social. Mas o fato da criança ter necessidades especiais é só um dos motivos para que o governo tenha que interferir no orçamento da casa. Precious quer estudar, atitude que Mary, sua mãe, reprova consideravelmente. Somando isso ao desemprego da progenitora, a sua total incapacidade para ajudar nos serviços domésticos e a ausência constante do pai da garota, sem a ajuda de uma instituição pública, a vida de Precious estaria definitivamente acabada. Entretanto, em meio a todos os problemas que ocorrem dentro de casa, ainda há espaço para sonhar. Ainda há espaço para esperanças.
Gabourey Sidibe é um achado. Mais especificamente, um achado entre outras quinhentas candidatas à revelações. Em "Preciosa", Sidibe é excelente. Sua atuação é tão intensa que, enquanto a montagem se ocupa em equilibrar os sonhos de Claireece e a vida real, ela parece ser uma outra atriz completamente diferente. Suas feições parecem ser inflexíveis, mas é assim o retrato do sofrimento que Precious carrega. Quando está feliz em seu mundo dos sonhos, a menina adquire expressões radiantes e que fazem qualquer um desejar que tudo lhe ocorra bem na vida.
Mo'Nique, por outro lado, é a estrela da vez. Ela compõe uma personagem tão detestável que fica difícil encontrar palavras que denotem como Mary Jones consegue ser tão cruél e maligna. Mo'Nique, que já venceu o Globo de Ouro, o SAG e o BFCA por seu papel em "Preciosa", é a grande favorita ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Entre as outras atrizes, Mariah Carey surpreende com sua ótima atuação, pequena mas contundente. Paula Pattom faz uma participação muito boa, marcando as cenas que participa e dando um ar de doçura à sua personagem.
Quanto ao trabalho de Lee Daniels, o diretor acertou ao criar um paralelismo entre a realidade de Precious e os seus sonhos. De fato, ficaria muito difícil engolir algumas cenas, espantosas, sem essa alternativa. Daniels que, em apenas seu segundo filme é o primeiro diretor negro da história a ser indicado ao Oscar, faz um trabalho realmente bom, com destaque para o seu trabalho na condução de atores e do roteiro.
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Life is Hard
A vida é difícil, realmente. Só que se existe uma única criatura do planeta que não precisa que lhe lembrem isso, é Claireece. Você, mesmo se não tiver visto o filme, com certeza sabe que a vida de Precious é muito mais complicada do que o breve resumo que eu apresentei acima. Se ter um segundo filho no auge dos 16 anos já é um problema e tanto, que dirá se essas duas crianças fossem acometidas por incesto. Sim, o pai de Claireece abusou da própria filha várias vezes, e em duas delas, gerou um filho. Ou seja, a garota já tem traumas para uma vida inteira. Mas se seus problemas se resumissem a isso, por mais grave que seja, o filme não causaria o mesmo impacto em mim. Além de ser estuprada dentro da própria casa, Precious é feita de escrava por sua mãe, uma mulher rancorosa, trapaceira e vagabunda, que só sabe reclamar e ficar estirada no sofá da sala, comendo e vendo tv. Como se não bastasse, a mãe Mary ainda espanca Claireece, lhe bate na cabeça com uma frigideira e ainda obriga a filha a fazer compras e se ocupar de ganhar dinheiro por ela. Uma pessoa simplesmente odiável.
Life is Short
A vida realmente é curta, e Precious parece saber disso apesar dos "ótimos" exemplos que tem em casa. Ela quer ir para a escola. Não aprendeu a ler nem a escrever. O máximo que ela é capaz de fazer é assinar o próprio nome, mas nem isso ela sabe fazer direito.
Quando sua escola descobre que Precious está grávida mais uma vez, decidem expulsá-la e mandá-la para uma escola direcionada a pessoas problemáticas. Lá, ela conhece a Srta.Rain, uma doce criatura que se mostra atenciosa e destinada a fazer de suas alunas, merecedoras do diploma que procuram. Blu Rain, que é seu nome completo, mostra a Precious como a vida deve ser aproveitada, e esta, ciente de que tudo passa e rapidamente, procura aprender cada vez mais. Assim, Claireece, mesmo com todas as suas dificuldades, consegue ser alfabetizada aos 17 anos e encontra a beleza que as palavras lhe reservam.
Life is Painful
E não é só de dores físicas que a vida é feita não. E como um filme que trata justamente sobre isso, "Preciosa" mostra este aspecto com eficácia e competência. Claireece não só sofre abusos por parte da mãe e do pai como também da sociedade em que vive. Este é um Estados Unidos caótico, dos guetos, da ignorância, da má educação, do preconceito e do completo abandono. Precious faz parte deste mundo e se motra uma típica moradora de lá. Por ser obesa, a garota nunca teve um namorado e mesmo assim já tem dois filhos para criar. É xingada por causa de seu peso, é humilhada por ter cada aspecto do seu corpo maior que o de outras pessoas.
"Preciosa", é, entre muitas coisas, um filme que denota uma adversidade em grau crônico por parte da protagonista. Ela deseja ser o oposto do que é, tem ódio do jeito que veio ao mundo e reza para morrer. "Não sei como morrer", ela diz. Então segue a vida como pode. É de se espantar que alguém como Precious é capaz de encontrar esparança em meio a um mundo que ela é um zero à esquerda. Mas vai ver, a esperança é o único caminho que ela pode seguir.
Life is Rich
E assim como não existem somente dores físicas, a riqueza da vida não se encontra somente nos bens materiais. Este aspecto que o filme aborda é muito mais na relação de amor entre as pessoas, ainda que ela existe muito pouco na família de Claireece. Em um momento ela chega a (finalmente) desabafar, dizendo que ninguém lhe ama e que o amor só lhe trouxe coisas ruins. Percebemos aí o fiel retrato do sofrimento da personagem principal. Nós sabemos, ou pelo menos pensamos que sabemos o que é o amor, ainda que não consigamos explicá-lo. Precious, evidentemente, nunca se sentiu amada e por isso, acredita que o amor é uma coisa ruim.
Mas ela percebe que não precisa contar com a presença dos pais na sua vida, uma vez que ela tem duas crianças para amar, e receber o mesmo amor em troca. A vida, apesar de todos os percalços, é, segundo Claireece P. Jones, rica.
Life is precious
Não preciso dizer mais nada. Essa é a lição do filme: mostrar que, apesar dos "pesares", a vida é preciosa, única e que jamais devemos desistir de nossos sonhos mesmo que eles jamais venham a se tornar realidade. E o roteiro de "Preciosa" encarna esse papel com uma resolução fria e cruel, massacrando as esperanças do espectador, mas colocando em prática aquilo que poderia acontecer.
Preciosa - Uma História de Esperança recebeu seis indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme. E, se é produzido por Oprah Winfrey, pode ter certeza de uma coisa: conhecendo o histórico dessa que é a apresentadora mais querida dos norte-americanos, é correto afirmar que "Precious" seja o filme mais tocante de todos os concorrentes e um dos mais eficientes neste aspecto da década. Não foi feito para emocionar, já que não usa sentimentalismos para fazer o espectador chorar. O caso deste aqui é diferente. Ele mostra o cotidiano sofrido de uma das personagens mais marcantes do ano, mas não faz isso apelando para estereótipos do gênero. Eis aqui então o principal mérito do filme: é tocante, mas por ser, e somente ser verdadeiro.
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