O clássico do suspense na highway é eficiente (tenso) e previsível. A Morte Pede Carona envelheceu, tornou-se desinteressante e perdeu boa parte de seus méritos com a passagem do tempo.
Assistir a um filme de suspense hoje em dia já não é uma experiência agradável para um cinéfilo consciente. São pouquíssimos os exemplares do gênero que se salvam da total precariedade da produção. Em tempos de Uwe Boll, onde Alone in the Dark consegue superar até mesmo algumas comédias na arte de fazer rir, não é impossível afirmar que o suspense vem passando por uma séria crise de qualidade e criatividade no cinema. Esse fator é resultado do trabalho exercido por diretores, produtores e roteiristas, que cansaram de utilizar a velha e boa fórmula do suspense: fazer o espectador pular na cadeira com sustos e situações inesperadas. Claro que os inúmeros profissionais da área, alguns sem um pingo de talento pro negócio, o fazem de forma errônea, e qualquer pretensão para assustar aquele que está assistindo ao filme sai pela culatra. Muitas vezes, o efeito é justamente o oposto (se você assistiu a Uma Chamada Perdida, sabe do que estou falando).
Mas nem sempre foi assim. E, tenho certeza, os cinéfilos de algumas décadas atrás eram felizes e não sabiam. Ver o cinema recheado de suspenses trash nos dias de hoje chega a ser desanimador. Chegamos à óbvia conclusão que não se faz mais filmes como antigamente. Na época de nossos pais e avós, quando Alfred Hitchcock, considerado o melhor do gênero, ainda estava vivo, ir ao cinema a fim de levar uns sustos era muito mais fácil e divertido. Acontece que as obras do "mestre do suspense" ficaram para trás, apareceram outras tentativas de se criar tensão, com outros temas e situações.
Foi ai que surgiu "A Morte Pede Carona", que hoje carrega nas costas o rótulo de clássico. Um suspense inovador, sugestivo e recente (do final da década de 80). Os quase 25 anos que separam "The Hitcher" de hoje foram o suficiente para provar que a força do filme de se manter único e inviolável nunca foi o seu maior porto seguro. Um quarto de século se passou e "A Morte Pede Carona", um dos pioneiros do suspense na highway, já não é o mesmo filme de quando foi feito.
Mas ai você vem e me pergunta: no que isso interfere na qualidade do filme? A resposta é simples, mas um tanto quanto impraticável. Já perdi as contas de quantos filmes foram feitos a partir da base do longa dirigido por Robert Harmon. Mas são muitos, muitos mesmo. Boa parte deles sem uma única qualidade que seja. Só que você pega um exemplo de suspense mais que bem sucedido: Psicose, daquele tal de Hitchcock. Um filme que completa em 2010, meio século de existência. Outros diretores, então, tiveram 50 anos para copiar a fórmula utilizada para compôr "Psycho". Mas o filme conta uma força que vai muito além de ser único e inovador do gênero, muito além do trabalho do diretor. Essa força é capaz de superar a passagem do tempo e de fazer seus derivados parecerem lixo perto da grandiosidade da obra original. E é justamente essa a força que falta a "A Morte Pede Carona".
E de quem é a culpa? De ninguém. Não existe razão para atribuir culpados. 'The Hitcher" foi um sucesso na época de seu lançamento, mudou a ordem da suspense e trouxe algo de novo ao gênero. Mas nunca foi bom o suficiente para sobreviver ao tempo. Tanto que não deixa de ser um clássico, porém é um que caiu no esquecimento. Seja pela falta de atores famosos, seja pelo seu ator principal nunca mais ter feito papeis importantes na vida, seja pelo intérprete do vilão ser holandês, seja pelo diretor desconhecido, seja pelas suas refilmagens mais conhecidas do grande público, não importa. Trata-se de um suspense eficiente, que provoca tensão e que coloca a auto-estrada como mais um personagem da trama.
Mas se existe algo que faz de "A Morte Pede Carona" um bom filme, é o tratamento dado à relação entre o jovem protagonista e o vilão. Dois bons atores. O primeiro, interpretado por C. Thomas Howell (um dos garotos de bicicleta de E.T. - O Extraterrestre), é Jim Halsey, um garoto que está levando um carro para San Diego, na Califórnia. Quando este decide dar uma carona à um estranho, em meio à tempestade, Halsey comete o maior erro de sua vida. O nome do passageiro é John Ryder (Rutger Hauer), um perigoso serial killer que mata caronistas. Jim, a algum custo, consegue se livrar de Ryder, mas somente por um curto período de tempo. Ao longo do filme, a famosa perseguição do mocinho pelo psicopata toma rumos inesperados, ainda que hoje essas mesmas resoluções sejam bastante previsíveis para quem assiste ao longa.
Existe algo de muito esquisito entre Jim Haley e John Ryder. Nada que o espectador anseie para saber no final, é claro (nenhuma explicação é concedida), mas mesmo assim é o suficiente para ficarmos intrigados. Acontece que, mais para o final do filme, chegamos à conclusão que o roteiro de Eric Red carrega uma boa dose de homoerotismo entre os dois protagonistas. Nenhum deles dá o menor sinal de serem homossexuais, mas alguns pormenores possibilitam a interpretação de que a relação dos dois vai muito além da de perseguidor e perseguido.
Todos os personagens são propositalmente superficiais. Ao contrário de outros filmes com serial killers, desta vez não é somente o psicopata que possui um tratamento mais raso do que os dos demais. Em "The Hitcher", nem a mocinha da vez, a linda Nash (Jennifer Jason Leigh), possui algum detalhe de sua vida revelado. Não que essas minúcias se façam necessárias. Aliás, esse é outro fator que faz do filme um clássico. Não sabemos praticamente nada sobre os personagens, somente o que nos é mostrado dentro do filme, e de forma explícita. Não entendemos também os motivos de Ryder cometer aqueles assassinatos. Mas como eu disse, não espere por explicações.
A Morte Pede Carona é um bom filme. Eficiente como suspense e que tem sua parcela de importância para o gênero. Possui uma narrativa superficial e interessante, mas suas qualidades, embora nítidas, ficam por ai. O filme não conta com a força necessária para sobreviver à passagem do tempo, e é por isso mesmo que muita pouca gente já ouviu falar dele. Merece ser visto e apreciado. Afinal de contas, já não se faz suspense como antigamente.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário