O primeiro western de Clint Eastwood, hoje considerado um dos mais importantes do cinema, mantém em sigilo toda a trama que lhe resguarda. A incerteza à respeito da motivação de todos os acontecimentos de O Estranho Sem Nome gera em um eficiente clima de suspense, que revolucionou o gênero, e mudou a forma de Hollywood enxergar os faroestes.
O bom e velho Clint, diretor responsável por vários clássicos da sétima arte e cineasta detentor de inúmeros prêmios ao redor do mundo, já foi, um dia, um inominável. Ganhava setenta e cinco dólares por semana em seus primeiros anos como ator, época em que ele já era contratado da Universal. Em 1955, quando já tinha vinte e cinco anos, participou de seus primeiros filmes B, A Vingança do Monstro e Tarântula, trabalhos nos quais ele não foi creditado.
Eastwood, que já trabalhou como frentista em um posto de gasolina, não era um completo desconhecido quando filmou High Plains Drifter. Ainda que como diretor ele ainda fosse inexperiente, como ator ele já tinha bons papeis para exibir no currículo. Na década de 60, considerada por alguns a melhor para o gênero western, Eastwood participou de filmes que marcaram a carreira de um dos cineastas mais bem conceituados do faroeste. Sergio Leone, uma de suas inspirações mais prováveis, filmou importantes longas como Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito. Os três levaram Clint a um patamar de sucesso inesperado, garantindo-lhe a fama que ele necessitaria para seguir com a carreira.
Mas Leone não foi o único cineasta com quem Eastwood já trabalhou antes de se lançar atrás das câmeras. Além de Brian G. Hutton, Clint deve muito à Don Siegel, diretor de Perseguidor Implacável, filme no qual Eastwood lançou o personagem que marcaria sua carreira para sempre. O eterno Dirty Harry, título original do longa de 1971, voltou às telonas várias vezes, inclusive em Impacto Fulminante, trabalho dirigido pelo próprio Clint Eastwood. Com Siegel, ele também atuou em Os Abutres Têm Fome, outro filme pelo qual o ator ficou marcado.
Mas no mesmo ano em que nascia “Dirty” Harry Callahan, Clint despontava como cineasta. Foi pelo filme Perversa Paixão, onde ele também atuou, que surgiu um dos diretores mais respeitados e queridos de todos os tempos. Foi a deixa para que “O Estranho Sem Nome”, o primeiro western dirigido por Eastwood, começasse a ser produzido. Bancado pela Universal, que seria também a co-produtora de “High Plains Drifter”, Clint aprovou o roteiro de Ernest Tidyman, alegando que seria interessante filmar um faroeste que fugisse dos padrões de Hollywood. E assim foi feito. Western com suspense ainda era uma mistura rara e perigosa, mas o talento de Clint para dirigir e comandar a equipe garantiria seu sucesso.
Este, no entanto, não foi imediato. Quando chegou aos cinemas, “O Estranho Sem Nome” foi fortemente criticado pela imprensa, que de cara não havia compactuado com o tom seco e insano com o qual o diretor tratara o seu primeiro faroeste. Muitas reclamações surgiram devido à trama que não teve seu principal segredo revelado. A história conta os episódios decorridos depois que um desconhecido forasteiro, que acabara de chegar à cidade de Lago, no Arizona, matou três homens com surpreendente agilidade e tranquilidade, após estes ameaçarem expulsá-lo do local. Os habitantes da cidade, curiosos e encantados pelo sujeito contam que, sem saber, ele acabara de matar os homens que protegeriam Lago de três perigosos pistoleiros recém libertados da prisão, os quais juraram voltar para a cidade em busca de vingança pelo fim que lhes foi dado.
Impressionados pela rapidez com a qual o estranho liquidara três homens ao mesmo tempo, as autoridades locais tentam convencer o homem a permanecer na cidade por mais algum tempo, a fim de que ele forneça a proteção para os habitantes de Lago. Embora se mostre relutante, rude e frio, o estranho aceita ficar sob duas condições: a partir daquele dia, ele teria crédito ilimitado nos estabelecimentos da cidade e todos teriam que obedecê-lo. Segundo o homem, todos ajudariam a armar a emboscada que livraria Lago e sua população da vingança dos bandidos.
Acontece que, apesar de simples, a trama ganha maior complexidade quando uma única cena aparece repetidas vezes para o espectador, sob o ponto de vista de diferentes personagens. Nela, um homem é chicoteado até a morte por outros três, no meio da rua principal de Lago. Durante todo o massacre, a cidade inteira para para assistir. Ninguém faz absolutamente nada para evitar que o ato continuasse. A sequência, que evidentemente aconteceu no passado, é transmitida ao espectador primeiramente pelo personagem de Clint Eastwood. Depois, ela é mostrada novamente, mais ao final do filme, do ponto de vista de Mordecai, interpretado pelo carismático baixinho Billy Curtis. Entretanto, a cena não é repetida, apesar de o acontecimento ser o mesmo. Enquanto o espectador a assiste pela primeira vez, não é possível observar o rosto dos bandidos, que permanecem na penumbra. Mas quando a cena é transmitida pela segunda vez, os homens que cometem o massacre já podem ser identificados.
No entanto, saber a identidade dos assassinos pouco ajuda na compreensão da cena. Ela é recheada de ambiguidades, uma vez que o próprio Estranho, ao se deitar em uma cama de hotel, sonha brevemente com o ocorrido, enquanto fica-se sabendo depois que o acontecimento é um segredo que ficara guardado em Lago, uma vez que seus habitantes estavam proibidos de contar o episódio a quem quer que fosse.
Clint Eastwood, que já afirmara em uma entrevista que o seu personagem no filme era irmão do homem chicoteado, preferiu que a relação explícita dos dois fosse retirada do roteiro final, a fim de deixar para que o espectador montasse a sua versão dos fatos. Existem muitas para a trama, diga-se de passagem, mas não é possível afirmar que qualquer uma delas seja a correta, uma vez que a proposta do filme é justamente manter o segredo em aberto. Aliás, tal como dito, essa incerteza causou certo desconforto à crítica na época do lançamento. Evidentemente, a opinião geral foi revista, e hoje, “High Plains Drifter” é considerado um dos faroestes mais importantes já feitos.
Trata-se de um bom filme, interessante sob diversos olhares e bastante simbólico. Diferente, moderno e ousado, o longa pode acabar sendo lento demais para alguns, enquanto para outros a sua duração terá sido pouca perto do resultado final. Clint Eastwood abriu mão dos padrões de westerns de Hollywood, criou um clássico do cinema e ainda mostrou-se um diretor ativo e extremamente competente. O Estranho Sem Nome é um filme obrigatório para todos os cinéfilos e, acima de tudo, para quem curte um bom exemplar sobre o Velho Oeste.
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