Um bom filme, que vale como espetáculo visual, mas peca como adaptação.
'Desventuras em Série' vem de uma série de livros, 13 exemplares sobre as aventuras dos órfãos Baudelaire, Violet, Klaus e Sunny, que perderam os pais em um incêndio que destruiu toda a mansão onde eles moravam. Nesta adaptação para o cinema, o roteirista Robert Gordon aproveitou para unir os três primeiros livros em um filme só. Mesclando e alternado a ordem dos acontecimentos, Gordon colocou em seu roteiro as partes mais importantes dos livros: "Mau Começo", "A Sala dos Répteis" e "O Lago da Sanguessugas". Ora sendo razoavelmente fiel aos livros, ora fugindo do tema, apelando para a comédia e inventando acontecimentos bizarros, que definitivamente não ocorrem nos livros, o roteirista errou principalmente ao tratar do personagem princiapl, Conde Olaf, interpretado pelo exagerado Jim Carrey, como um vilão engraçado, atrapalhado, que tem suas "sacadas" geniais. Não é desse jeito que o pseudônimo de Daniel Handler, Lemony Snicket quis descrever o personagem nos seus derradeiros livros, sendo que em cada um, uma tragédia diferente acontece com três pobres crianças desafortunadas.
Para falar do filme, é preciso explicar um pouco também de onde exatamente a história original veio. No primeiro livro, "Mau Começo", as crianças recebem a péssima notícia que seus pais foram mortos no incêndio que devastou sua mansão. Depois, os órfaos Baudelaire vão para a casa do Conde Olaf, que quer pegar toda a fortuna da família Baudelaire para si, onde assim como no filme, são maltratados e obrigados a fazer tarefas domésticas como escravos. Depois, segue-se algumas fracassadas tentativas de Olaf para matar os órfãos, incluindo o lastimável episódio do trem, onde nem um gênio matemático do gabarito de John Nash poderia sair vivo, com um trem vindo a mais de 100 km/h a todo o vapor vem diante deles. No entanto, usando completamente da imaginação e das descrições oferecidas pelo autor a respeito dos personagens, Gordon conseguiu criar uma situação que certamente agradaria à crianças, e principalmente à crianças que não leram os livros. Durante a projeção dof ilme, logo depois de escaparem completamente ilesos do quase fatítico e muito mais do que provável acidente de trem, vem uma sequência senão pior, tão ruim quanto à anterior. Tirar a guarda dos órfãos de Olaf, porque o Sr.Poe, amigo da famíla Baudelaire pensou que vira Sunny, o bebê (que mal falar sabe), posto para dirgir o carro. Uma situação absolutamente ridícula em termos de adaptação. Depois, eles são mandados diretamente a um familiar mais próximo, o carismático tio Monty, que os leva para o Perú e lhes dão um quarto para cada um, enquanto eles o ajudam a criar e alimentar a sua imensa variedade de répteis de estimação, cenas que já fazem parte do segundo livro, " A Sala dos Répteis". Depois de pensarem que tudo estava absolutamente bem, as crianças se deparam com um provável mas nem um pouco engenhoso ajudante de Tio Monty, que logo sacam que é o inescrupuloso Conde Olaf, que após uma série de atrocidades e cenas abomináveis, logo se vê com a mão no dinheiro das crianças. Mas seus sonhos são mais uma vez destruídos pela pequena Sunny, que (mais uma vez), apesar de não saber ler (...), consegue acabar com o disfarce de Olaf. Após todos esses péssimos acontecimentos, lá se vão os órfãos novamente para a casa de mais um parente. A Tia Josephine mora no topo de uma colina, a beira de um lago, que logo é revelado ser repleto de sanguessugas famintas por seres humanos. Como não poderia deixar de ser, a Tia é mais um parente completamente anormal, paranóica e solitária. Como um encalço desgastante, o Conde Olaf aparece mais uma vez disfarçado, agora como um capitão careca e sem uma perna. Mesmo com um visual completamente diferente, as crianças logo percebem que se trata do Conde mais uma vez, mas logo se vêem em uma situação ainda pior do que se encontravam anteriormente. Na cena do furacão, do bilhete, tudo isso está no livro "O Lago das Sanguessugas", o terceiro, inclusive a Gruta e o ataque das sanguessugas ao barco. Mas uma série de erros de continuação, que mal caberiam nesse parágrafo terminam com a reputação do roteiro do filme, que já estava muito abalada. Espere, depois de inverter a ordem do final do primeiro livro para o final do filme, que corresponde à cena do casamento, o orteiro se torna algo ainda piro do que já estava ruim. E como se fosse possível piorar ainda mais as coisas, o Conde Olaf antes de ser trancaficado a sete chaves na prisão, teve que passar por todos os apuros MORTAIS que fez as crianças passarem, logicamente, não sendo tão esperto quanto elas, ele simplismente NÃO MORRE. Um final ainda mais ridículo e abominável do que o roteiro do filme como um todo.
Deixando bem claro a incompetência do roteirista Robert Gordon, o pior de tudo é que todas essas bobalhadas e falhas do roteiro funcionaram, pelo menos com o público alvo dos produtores, o infantil, que adoraram o modo como o Conde fora retratado e deram boas risadas com as caretas medonhas de Jim Carrey.
A direção de Brad Silberling, se não é tão desastrosa como o roteiro de Gordon, é competente o suficiente para deixar todo o clima que a narrativa do roteirista propôs. Um clima artificial e infantil, como não poderia deixar de ser, completamente infiel à obra original, que faz questão desde o início de tratar da história como um enredo triste, onde são raras as coisas boas que acontecem, mortes trágicas, assassinatos, crueldades, abusos. O nome da coleção de livros é "Desventuras em Série" e do filme também. Não é para ser uma história engraçada e muito menos com personagens e diálogos cômicos, o Conde Olaf dos livros é um personagem frio e aproveitador, que suas únicas passagens de descontração são à base de ironias e cinismos. Os livros não são para crianças pequenas, que inclusive não acompanham a avançada linguagem apresentada nas 13 edições. E se fosse para fazer uma adaptação no mínimo fiel à obra original, Gordon deveria ter apelado para o drama e o suspense, censurando o filme para crianças até dez anos, que certamente não leram os livros.
Mas certamente 'Desventuras em Série' não é um filme totalmente desafortunado de elogios. A parte técnica é algo sublime e muito bem feito e pensado. Se há algo de bom neste filme, é sem sombra de dúvida, a arte. Bem, se a interpretação d eJim Carrey convence a poucos, a maquiagem usada pelo ator é admirável. Demorando três horas para enfeitar o rosto de Carrey com as mais diferentes massas de silicone e outros aplicativos, ela ficou simplismente brilhante e perfeita, ganhando por seus justos méritos, o Oscar. Os sensacionais cenários do filme couberam como uma luva para as nossas fantasias e imaginações de como seriam os locais do livro. Em um trabalho absolutamente competente da dupla de diretores de arte John Dexter e Martin Whist, sob o comando do desenhista de produção Rick Heinrichs, os cenários ficaram bem fietos e altamente imaginativos e criativos. Os figurinos de Colleen Atwood e Donna O'Neal não ficam atrás. Lindamente desenhados, também couberam como uma luva até mesmo para o clima fácil de 'Desventuras em Série'.
A trilha absolutamente belíssima e criativa de Thomas Newman é uma delícia de ser escutada. Com passagens de violino para trompetes, tambores para violoncelos, as faixas musicais do compositor são muito bem feitas e merecem com muito gosto, a indicação ao Oscar.
Uma pena que somente Meryl Streep valha a pena em um elenco como esse. Jim Carrey é sem dúvida, o mais ousado e o mais exagerado de todos, portanto, não faz um bom trabalho, com expressões que não dão medo nem em um bebê recém nascido, em pensar que Johnny Depp poderia fazer o papel de Conde Olaf em seu lugar, certamente sairia algo muito melhor. Billy Connely é o exemplo de ator enfadonho que com um empurrãozinho não faz um papel tão ridículo em cena. As crianças são pessoas absolutamente sem sal, os dois mais velhos são verdadeiros seres pasmados, sem qualquer expressão no rosto e em tentativas frustrantes de choro, chega a ser risível. As gêmeas Hoffman, que interpretam a mesma personagem são duas atrizes (atrizes?), que se não fosse pelo livro, seriam descartadas ao primeiro indício de idéia que aprovasse a existência da personagem Sunny. Nem mesmo as participações do bobo Timothy Spall, do razoável para ruim ator Luís Guzmán e do fantástico e lendário mestre do cinema Dustin Hoffman, que tem a menor atuação de sua carreira (duas cenas), valem a pena neste elenco, que ainda por isso tem a péssima Jennifer Coolidge, como uma das integrantes da trupe de Olaf.
'Desventuras em Série' é um bom filme infantil que diverte e erra feio em termos de adaptação. As crianças vão adorar, mas quem leu o livro e ainda não conferiu o filme, não sabe a decepção que o aguarda. Certamente não foi um "Mau Começo", se é que virão sequências por aí, mas poderia ser melhor, há se podia.
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