Uma mistura heterogênea de sentimentos, conceitos e decisões que vai muito além do puro e simples café com leite.
Anote em algum lugar por aí. Cole na geladeira. Envie para seus amigos. Não se esqueça: Daniel Ribeiro ainda vai trazer muito orgulho para os brasileiros. Eis um nome do cinema nacional que promete grandes realizações para o futuro. Com apenas 18 minutos, ele conseguiu fazer aquilo que muitos diretores não conseguiram em duas horas: quebrar tabus. Por mais que a homossexualidade seja cada vez mais aceita e que a sociedade já enxergue o tema com maior naturalidade, as relações entre indivíduos do mesmo sexo ainda parece ser um assunto que causa um certo constrangimento entre as pessoas. Os mais liberalistas esperam reações contrárias por parte de religiosos, idosos e conservadores, os quais alegam inúmeros motivos para se mostrarem contra o relacionamento homossexual. E enquanto a ciência ainda não prova a sua origem, a homossexualidade tende a continuar como um tabu na sociedade. Bem mais atenuado, é verdade, mas mesmo assim, um assunto a ser evitado, principalmente dentro da família.
Café com Leite, um curta-metragem de 18 minutos, chegou para provocar reflexões e mudanças na cabeça daqueles que ainda pensam com a cabeça de antigamente. O diretor Daniel Ribeiro, de apenas 28 anos, mostra que é perfeitamente possível mostrar o lado sensato de assuntos polêmicos sem apelar para sentimentalismos e maneirismos típicos do gênero. Há quem diga que relacionamentos homossexuais dão excelentes melodramas, os quais mostram o preconceito e a amargura daqueles que o sofrem. Mas será que existe melhor maneira de se combater um preconceito que não seja desprezando-o? Acredito que, pelo menos no cinema, tratar temas controversos com naturalidade é a melhor saída quando se pretende construir uma linha de raciocínio que fuja dos estereótipos dramáticos. Foi exatamente isso que Ribeiro fez, e o resultado não poderia ser melhor.
“Café com Leite” conta a história de Danilo e Marcos, um casal gay apaixonado que vive a angústia de seguir em frente sem ter onde se apoiar. Mesmo que um sirva de console para o outro, a instabilidade da vida de ambos mostra o quão inseguro é o tripé que continua mantendo-os erguidos. Ainda que o amor, o mais forte dos três pilares, pareça não vacilar jamais, este não parece ser suficiente para conseguir sustentar o peso que a família e a sociedade, os dois pilares mancos do tripé, exercem sobre as costas de cada um dos dois.
No início do curta, a imagem dos homens semi-nus, abraçados na cama e trocando carinhos, já mostra a que Daniel Ribeiro veio. Danilo combina com Marcos uma viagem, a qual este define como a “lua de mel” que marcará a união do casal. Apaixonado, Danilo não vê a hora de sair de casa e poder finalmente viver a vida que lhe foi designada. Mas a morte repentina de seus pais atrasará os planos dos dois, e a relação de ambos está prestes a mudar da água para o vinho. Agora, Danilo tem mais uma responsabilidade nas mãos: cuidar do irmão menor, Lucas. Além de não saber praticamente nada da vida dele, Danilo precisa tomar as rédeas da casa e fazer tanto o papel de pai, quanto de mãe do irmão mais novo. Mas cumprir essa tarefa acaba mostrando-se mais difícil do que parecera de início. Enquanto Marcos procura um espaço para si dentro da família do namorado, os três terão que aprender a conviver juntos e, acima de tudo, terão que se adaptar à vida nova. Afinal de contas, essa é a principal menção que o roteiro escrito pelo próprio Daniel Ribeiro faz às relações conturbadas: por mais que pareça insolucionável à primeira vista, somente o tempo é capaz de aliviar o peso que a necessidade de se adaptar ao novo e ao desconhecido exerce sobre as criaturas mais inexperientes.
E, por falar em inexperiência, é interessante desmistificar o significado do título do curta. “Café com Leite”, aqui, pode ter diversos significados. Parece ficar claro que a bebida por si só trata-se de uma mistura heterogênea, composta por dois sistemas igualmente heterogêneos: o leite e o café. De um lado está o doce, retratando no branco do leite como a inocência, a prosperidade e a pureza de uma criança. Do outro lado, o amargo do café, fazendo contraste ao branco e à suavidade do leite, relacionando o gosto forte da bebida ao amadurecimento. Juntos, eles parecem um só. No filme, a expressão caracterizaria a união dos três, a compensação de algo novo em cima do equilíbrio de pensamentos e atitudes.
Mas ainda poderia significar o sentido manifesto da expressão popular, que é designada aos mais inexperientes em determinada área ou assunto. Em certo momento do filme, Danilo diz a Lucas que este não é mais “café com leite”, pois o irmão já demonstra ter crescido e evoluído o suficiente para conseguir passar de nível no videogame. Mas, enquanto Danilo coloca-se acima de Lucas quando deixa implícito o peso de sua responsabilidade e da idade mais avançada, este acaba denunciando ser tão inexperiente quanto uma criança ao pedir para dormir com o irmão, após confrontar as dificuldades que está passando com Marcos.
Não precisaríamos ir muito longe para prever que fim teria o tripé que sustenta a relação de Danilo e Marcos, uma vez que até o mesmo amor tratou de cambalear algumas vezes durante o filme. Mas é ai que entra a estratégia do roteiro de sumir com o óbvio e continuar fugindo dos estereótipos homossexuais. O final deixa claro a posição que um ocupa na vida do outro, mas coloca em dúvida o futuro da relação dos dois. No final das contas, somos todos Café com Leite, inexperientes e amargurados. Não importa a idade, a sexualidade, as condições, os sentimentos, os conceitos, as decisões. Somos todos heterogêneos.
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