Enquanto a arrogância de Tarantino continuar tirando as pessoas do sério, saberemos que ele ainda não perdeu o jeito. Como não poderia deixar de ser, a falta de humildade costumeira percebida em Bastardos Inglórios é a prova de que o diretor continua sendo o velho cineasta das homenagens, da violência e do humor cínico. Tarantino entrega ao público mais uma obra-prima. Não a melhor de todas, como ele próprio pintara. Mas talvez, a mais sincera.
Se você é cinéfilo e adora filmes de violência misturada com humor, você certamente já ouviu falar dele. Difícil olhar para a filmografia de Quentin Tarantino e não ficar impressionado. O diretor americano, responsável por obras-primas de valor cinematográfico inestimável, é um cineasta de estilo único. Tente catalogar qualquer filme de Tarantino e não fique jamais satisfeito. Produções como Cães de Aluguel, Pulp Fiction: Tempo de Violência, Kill Bill: Volume I e outras têm seu próprio gênero, ou melhor dizendo, carregam nas costas o estilo próprio de seu diretor. São filmes com cenas violentas, explícitas, fortes, sangrentas, frias, mas cômicas. Em poucas ocasiões uma pessoa é capaz de rir com uma cena em que um assassino de aluguel acaba atirando em um negro do banco de trás acidentalmente. Em poucas situações uma pessoa se diverte com uma mulher vingativa arrancando o olho de outra. Em poucos casos uma pessoa dá risada com um homem tendo a cabeça esmagada por um bastão de beisebol. Quem mais poderia ser responsável por esses "feitos"? Ninguém mais que Quentin Tarantino, um dos diretores mais arrogantes e metidos que o cinema já teve o prazer de conhecer.
'Bastardos Inglórios', apesar de ter todas as "tarantinices" conhecidas por seus fãs, é um filme diferente daqueles que o cineasta americano estava acostumado a dirigir. Muitos disseram, incluindo o próprio diretor, que esta seria a sua masterpiece Humildemente, eu discordo. O maior e mais importante trabalho de Tarantino, ao meu ver, continua sendo 'Pulp Fiction', um filme perfeito em cada mísero detalhe. E não fosse a algazarra que se armou em volta de "Inglourious Bastards", este seria mais um caso de perfeição. Entretanto, a quase remota humildade de Tarantino acabou entregando o seu filme mais recente, que apesar de não ser tudo aquilo que lhe pintavam, é sim, uma obra-prima. E é também o trabalho mais sincero do diretor, que continua com as suas homenagens ao cinema, mas nunca deixando de imprimir o seu estilo em cada díalogo do roteiro.
E falando em roteiro, é hora de falar sobre ele. Como é de praxe, o autor do script é o próprio Tarantino. O que talvez explique o fato do filme ser tão bom.
A história de 'Bastardos Inglórios' possui dois núcleos que não se cruzam em momento algum do filme, mas são unidos por duas principais características: o ódio que seus personagens sentem pelos nazistas e o fato de serem judeus.
O longa se passa durante a Segunda Guerra Mundial, na França ocupada pelos alemães. Shosanna Dreyfus, uma jovem judia, está escondida sobre o soalho da casa de um fazendeiro francês quando este recebe a visita inesperada de Hans Landa, um famoso Coronel alemão conhecido como o "Caçador de Judeus". Este, que logo descobre que o fazendeiro está escondendo, como ele próprio define, "inimigos do Estado", executa todos a sangue frio. Mas Shosanna consegue escapar da morte e foge. Quatro anos depois, ela mudou de aparência e agora atende por outro nome. Dona de um cinema no coração de Paris, em breve ela terá a vingança que sempre sonhou.
O outro núcleo traz um grupo de homens judeus e americanos conhecidos como "Os Bastardos". Eles nada mais são do que uma organização chefiada pelo tenente Aldo Raine, que visa matar e escalpelar nazistas. Unidos pelo mesmo desejo, os soldados vão se unir à atriz alemã Bridget Von Hammersmark a fim de colocar em prática uma missão secreta conhecida como Operação Kino. E é quando lhes chega a informação de que o próprio Adolf Hitler está para assistir a premiere de um filme de guerra alemão, que eles vêem, nesta data, uma excelente oportunidade para "explodir todos os ovos podres de uma só vez". O detalhe é que esta premiere está marcada para acontecer no cinema de Shosanna Dreyfus, que também tramou um plano para assassinar todos os principais nomes do Terceiro Reich alemão.
E é com muita categoria que o filme se desenrola da maneira mais sutil, inteligente e sarcástica possível. Tarantino brilha mais uma vez na direção e comanda um roteiro de surpresas, violência e situações únicas para divertir e chocar o espectador ao mesmo tempo. Difícil sair do cinema sem demonstrar uma reação se quer às inventivas cenas do diretor.
Outro fator que funciona perfeitamente aos olhos do público é aquela que sempre foi um dos fortes dos filmes de Tarantino: as atuações. O destaque dessa vez é o trabalho do ator austríaco Christoph Waltz, intérprete do Cel. Hans Landa. Em atuação que muito provavelmente deve levá-lo à vitória no Oscar, Waltz faz um personagem complexo, cínico, hipnótico, assustador e sarcástico a mesmo tempo. Uma interpretação magnífica que fez chover elogios por parte da crítica internacional. Outros atores, como as belas Mélanie Laurent (indicada e vencedora de diversos prêmios mundo a fora) e Diane Kruger, nomeada ao SAG de Melhor Atriz Coadjuvante, fizeram trabalhos incríveis. Além deles, o humor estratégico de Brad Pitt também funciona e seu jeito extremo e americano de compôr o personagem Aldo Raine é capaz de divertir qualquer um. Todo o elenco, em geral, está em estado de graça.
Como não poderia deixar de ser, 'Bastardos Inglórios' tem um trabalho de reconstrução de época impecável. Desde a luxuosa direção de arte, com o uso requintado do vermelho-sangue, até a fotografia antiga e rica, todos os aspectos de arte do filme de Tarantino é digno de elogios. E claro, sempre deve sobrar espaço em análises para criticar a sempre excelente adaptação que o cineasta americano faz com a trilha sonora. Se em 'Pulp Fiction' ele resgatou clássicos de outras décadas, dessa vez o diretor preferiu fazer uso apenas de faixas instrumentais, a grande maioria de autoria do genial Ennio Morricone. Os destaques dessa que talvez seja a melhor trilha sonora do ano e uma das malhores de toda a filmografia de Quentin Tarantino, ficam por conta de "Un Amico", "The Green Leaves of Summer", "La Resa", "La Condanna" e "Rabbia e Tarantella". Compositores como Charles Bernstein, Bruno Nicolai, Riz Ortolani e outros também fecham a lista dos mestres das trilhas dos filmes.
Bastardos Inglórios é um dos melhores filmes de 2009, se não o melhor. Essa mais nova obra-prima de Tarantino não poderia ser esquecida pelas premiações, o que já acarretou em indicações ao Globo de Ouro e a sindicatos americanos que, futuramente, levarão o longa à nomeações ao Oscar. Tarantino mostra que, enquanto for arrogante e souber fazer cinema como ninguém, seus filmes continuarão a ser lembrados como referências cinematográficas. E 'Bastardos', com certeza, entrará para a história.
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