"This land is your land, this land is my land
From California, to the New York Island
From the redwood forest, to the gulf stream waters
This land was made for you and me (...)"
Trecho da música This Land is Your Land, interpretada por Sharon Jones & The Dap-Kings na sequência inicial do filme.
Ryan Bingham. Solteiro. Independente. Prático. Descolado. Frio. Seu trabalho? Demitir pessoas. Seu material? Uma maleta compacta e fácil de ser transportada. Seu veículo de trabalho? Avião. Objetivo? Alcançar 10 milhões de milhagens aéreas. O roteiro de Amor sem Escalas parece simples quando analisado superficialmente. Quando visto sob uma ótima mais aprofundada, o que era clichê torna-se inovação, o que era previsibilidade torna-se surpresa e o que era simples torna-se complexo. "Up in the Air" é um dos filmes mais inteligentes e encantadores de 2009. Uma prova de que a carreira de Reitman vai de vento em poupa, alcançando voos ainda maiores do que o esperado por muitos de nós. Este, na verdade, é o seu melhor trabalho.
E digo isso sem pestanejar. Jason Reitman é um diretor jovem, de apenas 32 anos. Sua filmografia conta com apenas dois filmes, fora este. Em 2008 ele recebeu a indicação ao Oscar de Melhor Filme e Direção por Juno, e no ano anterior, Obrigado por Fumar, o longa que lançou-o no mundo do cinema, foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme em Comédia/Musical. O diretor nascido em Montreal, entretanto, não demonstra inexperiência nem insegurança. 'Amor sem Escalas' é, acima de tudo, maduro. Um filme que passa sua mensagem com total competência e que não deixa a desejar em momento algum.
Como já foi dito, Ryan Bingham é um homem de meia idade. Sua especialidade é demitir pessoas, um ofício que ele não exerce em um lugar só. Bingham viaja praticamente todos os dias do ano, o que faz dele um passageiro sempre reconhecido por funcionários dos aeroportos. Para facilitar suas viagens, ao invés de bagagens, ele leva sempre a mesma maleta compacta. Dentro dela está tudo o que ele precisa, organizado com cuidado e capricho. Suas viagens são tão frequentes que ele já acumula valores inacreditáveis de milhas aéreas. Seu objetivo, porém, é alcançar a incrível marca de 10 milhões em milhagens, fato que só havia sido feito seis vezes na história da aviação. Essa meta, quando atingida, dá o direito de viajar dentro da cabine do piloto, além de ter seu nome escrito na parte lateral externa do avião. E o mais interessante é que Bingham não quer alcançar esse número por algum motivo especial, como dar a volta ao redor do planeta. Ele só quer somar as 10 milhões de milhas, é só por causa de um querer, sem razões.
Por não parar em lugar nenhum, Bingham já se acostumou com a vida que leva e quando lhe é questionado, ele responde que não pretende mudá-la em absolutamente nada. Mas seus planos podem estar em risco quando Natalie Kenner, uma jovem e inexperiente funcionária recém contratada de sua empresa, surge com novas ideias sobre o modo de demissão adotado pela companhia de Bingham. Ela sugere, com visível auto confiança, que as demissões sejam feitas a partir daquele momento por meio de um sistema de videoconferência, o que não exigiria mais as viagens constantes de pessoas como Ryan Bingham. Além disso, o fato de não terem mais que viajar faria com que eles pudessem passar mais tempo ao lado da família. Ryan, entretanto, não estava interessado nisso.
Ele não tem família. Melhor dizendo, ter ele tem, mas não mantém contato como deveria. Na verdade ele tem duas irmãs, a do meio Kara e a mais nova Julie, que está prestes a se casar com um cara que Ryan ainda nem conhece. E foi por esse motivo que ele recebeu a ligação de Kara. Ela acusa o irmão de não pensar em ninguém a não ser nele mesmo, mas pede, encarecidamente, que ele compareça ao casamento da irmã caçula. Além disso, ela pede, mais encarecidamente ainda, que ele ajude nos preparativos do casamento. Para isso, basta-lhe tirar fotos de um pôster do casal de noivos, que não sabemos para que diabos, querem fotos de lugares em que eles nem estiveram.
Neste meio tempo a srta. Keener vai ter que contar com a sua ajuda também. Como ele fora o único contra essa inovação da videoconferência, seu chefe, Craig Gregory, incumbiu-o de ensinar a Natalie tudo o que ele sabia sobre demissões, já que ele era um dos melhores, se não o melhor do ramo. Sendo assim, Ryan embarca em mais um avião, só que desta vez ele não está sozinho.
Junto com Natalie, Bingham voa para diversas cidades americanas: Tulsa, Omaha, St.Louis, Desmoine, Detroit, entre outras, para exercer o seu ofício e mostrar à jovem aprendiz como o trabalho deve ser feito. Apesar do que qualquer espectador ingênuo possa pensar, e mesmo com o início turbulento da relação profissional dos dois, a dupla não vai acabar desenvolvendo um romance convencional. E eis aqui o primeiro sinal de originalidade no roteiro escrito pelo próprio Reitman e por Sheldon Turner, apesar do livro de Walter Kirn.
Ryan, de tanto demitir pessoas, se tornou um ser humano frio, o que não o impede de demonstrar seu cinismo e bom humor em todas as falas. Não pretende se casar, nem ter filhos. Não acredita no amor e, mesmo com a perspectiva de envelhecer e morrer sozinho, está conformado e diz que no final, ele vai acabar morrendo de qualquer jeito. Sozinho ou não. Natalie, por outro lado, é a menina sonhadora. No auge dos seus 23 anos ela só pensa em casar com o homem que ama e ter filhos. Ela faz o tipo nerd, a melhor aluna do seu curso na faculdade, uma garota que procura trabalhos desafiadores. Isso, porém, não impede ninguém, nem mesmo uma mulher de carreira promissora e futuro brilhante, de levar um pé na bunda. E pior: via torpedo de celular. Frustrada, a menina durona e profissional desaba nos braços de Bingham aos prantos, um choro agudo, que ecoa por todo um salão repleto de pessoas. Ai, então, vemos um outro lado de Ryan: o de pai. Consolando a auxiliar, com cara de quem não está nos momentos menos embaraçosos.
Mas não demora muito para conhecermos o lado de Ryan Bingham que todos esperávamos para ver: o de amante. Em uma das suas viagens ele conhece Alex, uma mulher bela e madura, que leva uma vida exatamente como a dele: independente, descolada e nem um pouco fixa. Alex, na verdade, é a pura e autêntica versão feminina de Ryan. Com o passar do tempo a relação dos dois, o que antes envolvia apenas sexo e encontros casuais de acordo com a conveniência da agenda de ambos, passa a virar algo mais sério. Pelo menos por parte dele, que a convida para ser a sua acompanhante no casamento da irmã e com quem passa horas na lancha de uma festa para a qual eles nem foram convidados.
De acordo com o desenvolvimento da trama, a filosofia de vida de Ryan, na qual ele sempre valorizava a solidão, vai ficando para trás. Alex vai tomando um lugar mais importante na vida de Bingham, apesar de não saber. Ryan, com toda a sua frieza, encara uma reviravolta na sua vida em que ele mesmo percebe como a solidão pode ser cruel e como o fato de ter uma pessoa ao seu lado pode ser prazeroso, tanto quanto no pouco tempo em que passa na cama com ela, em algum desses vários encontros casuais. Essa reviravolta, apesar do roteiro não tentar escondê-la do espectador, soa como uma surpresa, mesmo que não seja exatamente surpreendente. O texto é levado com um ritmo rápido, sem sair dos trilhos e com total controle da situação. E ai começa a onda de qualidades que faz aquele que assiste 'Amor sem Escalas' imergir em um mundo onde a felicidade não está no valor material e sim no valor sentimental, nas coisas mais simples. Parece clichê, mas Reitman comanda o filme com tanta competência que nada sai batido ou equivocado. Claro, não é nada comparado ao mundo impressionante de Avatar, mas não dizem que o cinema é imersão? Pois é nesta imersão que eu acredito.
Deixando um pouco de lado a história, o elenco merece toda a atenção que podemos dar. George Clooney dá vida a Ryan Bingham em um trabalho fabuloso. Há tanta veracidade na atuação de Clooney que fica difícil acreditar, ao término de "Up in the Air", que existe um ator por trás do personagem. Clooney é cínico, contido e denso. Sua interpretação coube como uma luva para a personalidade de Bingham e posso arriscar, sem medo de ser feliz, que este é o melhor trabalho da carreira do ator. Quem não deixa por menos é a espetacular Vera Farmiga. Ele aparenta ter exatamente a idade que tem. Sua interpretação em 'Amor sem Escalas' é excepcional. Apesar de não extravasar com choro e rios de lágrimas nm com berros e desabafos sufocantes, Farmiga é brilhante. Alex Goran é sedutora, sexy e companheira. O carisma da atriz misturado ao grau de excelência de sua personagem faz com que o espectador sinta todas as emoções e todos os sentimentos que ela causa nas pessoas. Uma atuação simplesmente única e madura. Como poucas. Anna Kendrick, por outro lado, é tudo menos madura. A atriz, que já era conhecida pelas participações nos dois filmes da saga Crepúsculo, demonstra que é capaz de ir muito além do que já foi. Reitman, sem dúvidas, é um dos responsável por esse feito. Kendrick pode passar um ar infantil graças ao tom agudo de voz. Mas Natalie Keener é firme. Segura bem as pontas de sua vida, é trabalhadora e esforçada, e para encarnar uma personagem assim, Kendrick fez o que tinha que ser feito, e o fez de forma convincente e inteligente. Uma ótima atuação, sem dúvidas.
Resta pouco para falar do filme, então é bom deixar registrado o quão moderno e atualizado 'Amor sem Escalas' pode ser. Esse é um dos poucos filmes que abordaram uma sub-trama que abalou a vida real dos americanos nos últimos meses. A crise que arrasou com a economia americana é usada aqui como plano de fundo para a história de Ryan Bingham, Natalie Keener e Alex Goran. Reitman, para mostrar o verdadeiro país afetado pela crise, fica longe das grandes metrópoles americanas e se concentra nas menores. São nestas cidades, conhecidas, porém longe do foco do mundo, que vemos a situação econômica atual do país. Em uma cena, nos deparamos com Ryan e Natalie chegando em um escritório imenso, onde antes dezenas de mesas cobriam o carpete cinza. Agora, ele é o que mais chama a atenção, uma vez que meia dúzia de mesas ainda tomam conta do espaço. Um retrato crítico e inteligente que mostra como o nível de desemprego preocupou os estadunidenses nesta que pode ser a crise mais grave desde a quebra da Bolsa em 29. Em outra cena, depois de vermos Natalie demitir o primeiro funcinário via internet, aparece ela riscando o nome do senhor que ela acabara de dispensar dos seus serviços, no topo de uma lista de nomes para demissões que ocupa uma página inteira. Reitman, conciente do que está fazendo, propõe uma crítica esclarecedora sobre a crise econômica que afetou não só os americanos, como boa parte do mundo.
Para finalizar, um outro aspecto do filme que chamou e muito a minha atenção: a trilha sonora. Mas é impressionante como Jason Reitman sempre acerta em suas trilhas. Desta vez, assim como ele foz a trilha cool de Juno, o diretor usa canções que nem todo o mundo conhece, mas que, além de lindas, servem perfeitamente para as cenas do filme. Logo no início, durante a sequência de abertura com imagens aéreas, toca uma música chamada "This Land is Your Land", extremamente divertida. Outra que, ao meu ver, é a melhor de toda a seleção musical, é "Help Yourself" de Sad Brad Smith. Pra quem não sabe, é essa a canção que toca na cena do casamento de Julie e Jim. Essa música e também "Up in the Air", composta por Kevin Renick, foram consideradas inelegíveis para a disputa do Oscar de Melhor Canção Original, apesar de terem sido compostas especialmente para o filme.
'Amor sem Escalas', no início da temporada de premiações era considerado o principal favorito ao Oscar de Melhor Filme. Entretanto, a poeira baixou. Mas o filme ainda tem chances de receber, no mínimo, sete indicações, incluindo na categoria principal, Direção para Reitman, Ator para Clooney, duas indicações de Coadjuvante para Kendrick e Farmiga, além de Montagem e Roteiro Adaptado. O texto, porém, é considerado o principal favorito da noite na categoria.
Enfim, Amor sem Escalas é um dos melhores filmes de 2009. Sequências inicial e final que marcam a excelência do extraordinário trabalho de Reitman na direção, elenco perfeito, roteiro bem amarrado e inteligente, além de uma análise contundente e interessante sobre a crise. O longa passa a sua mensagem de forma natural e tem um final simplesmente lindo. Um pequeno grande filme. Simples por fora, complexo por dentro.
"I know you'll help us
When you're...
Feeling better and we realise
That it might not be for a long, long time...
But we're willing to wait on you
We believe in everything that you can do
If you could only lay down your mind (...)"
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