Minha Mãe é uma Peça (2013) - Review
Luz no fim do túnel
Há anos a comédia é maltratada no cinema brasileiro. Na falta de grandes estúdios com cacife para bancar sozinhos produções autorais, e patrocinadores dispostos a apostar em filmes sem garantia de retorno maciço em publicidade, o Cinema nacional muitas vezes se vê refém de distribuidoras que investem somente em comédias baratas. Produzidos em massa com o único objetivo de ganhar um trocado fácil, esses filmes consagram um estereótipo (burro, porém compreensível) de que a comédia é um gênero "menor" em comparação com outros mais trabalhados. Este é um dos motivos pelos quais "Minha Mãe é uma Peça" sobressai nesse cenário desolado, oxigenando a comédia nacional com um frescor muito bem-vindo, embora não esteja totalmente livre dos vícios de seus pares.
A trama orbita ao redor de Dona Hermínia (Paulo Gustavo), dona de casa divorciada que vive dedicada a cuidar de seus dois filhos adolescentes, Juliano (Rodrigo Pandolfo) e Marcelina (Mariana Xavier). Quando os filhos saem com o pai Carlos Alberto (Herson Capri) e a madrasta Soraia (Ingrid Guimarães), Dona Hermínia acaba ouvindo pelo telefone os herdeiros reclamarem de seu jeito exagerado e se dá conta de que, de repente, seus filhos não são mais aquelas crianças de outrora que dependiam da mãe. Desolada, a matriarca busca refúgio na casa da tia Zélia (Suely Franco), com quem irá morar por alguns dias na tentativa de fazer com que os filhos percebam seu valor.
A comédia escrita pelo humorista Paulo Gustavo e Fil Braz, com quem Paulo já havia trabalhado anteriormente na série de tv "220 Volts" (2011), se distingue das demais comédias nacionais recentes pelo capricho e carinho em sua concepção. Não se trata de mais um enlatado produzido em massa, afinal Dona Hermínia é uma personagem idealizada pelo humorista em 2004, que desde então foi refinada, testada e aprovada perante um público que já soma mais de um milhão de pessoas apenas no teatro, sem contar eventuais aparições na televisão. A experiência teatral é valiosa, dado que o público de uma peça em geral não é tão leniente quanto o do cinema, e por isso o sucesso nos palcos custa muito mais caro. Habituado à personagem, Paulo Gustavo interpreta Hermínia com uma naturalidade cultivada nos anos à ela dedicados e na experiência autobiográfica com sua própria mãe, o que permite a construção de uma personagem caricata e exagerada, mas que soa real na tela ao reunir atributos gerais das matriarcas brasileiras (quiçá do mundo todo) e com a qual todos podem se identificar.
Consciente de que teatro e cinema são ao mesmo tempo mídias semelhantes porém completamente distintas, Paulo Gustavo se esforça na elaboração de um roteiro que permita a expansão de Hermínia, tanto no tocante à sua identidade quanto dos personagens que fazem parte de sua vida. Por isso são interessantes os toques sutis dados à personalidade da protagonista, como uma mania de arrumação que é uma espécie de Transtorno Obsessivo Compulsivo coletivo de todas as mães. Alguns coadjuvantes foram criados para dar espaço à mais situações cômicas, e dentre esses se destaca o trabalho impagável de Ingrid Guimarães na pele da perua desagradável Soraia, responsável pela mais engraçada dinâmica com Dona Hermínia. Outros surgem para dar vida àqueles que antes eram somente citados pelo humorista no texto de seu monólogo teatral, e representam a oportunidade de abordar temas como sexualidade e obesidade (no caso de Juliano e Marcelina, respectivamente) sempre de maneira leve e sem papas na língua, desmistificando tabus centenários ainda que as piadas feitas em cima dessas questões por vezes sejam repetitivas.
A repetição, aliás, é uma das arestas no roteiro da dupla Gustavo e Braz. Durante a maior parte do tempo, Hermínia funciona como um veículo da criatividade do humorista, disparando uma série de tiradas verborrágicas que aparentam ser fruto da espontaneidade de uma mente inquieta. Por isso a repetição de piadas à exaustão (sobretudo referentes à obesidade de Marcelina) destoa do tom geral de novidade da obra e começa a cansar na medida que o final do filme se aproxima. Também soam dissonantes algumas cenas desconectadas da história principal, como o karaokê na casa de uma vizinha, que parecem sobras de esquetes televisivos. Em alguns pontos o filme também ameaça sair dos trilhos e flertar com o humor baixo e escatológico, adotando a mesma prática de outros representantes nacionais do gênero apenas para arrancar risadas fáceis da platéia, à essa altura já de boa vontade com a qualidade geral da obra. Mas Paulo Gustavo não deixa a trama correr frouxa e o centro da história logo volta a ser a relação familiar de Dona Hermínia e seus filhos, argumento que dá ao longa uma aura poética e o torna bem mais que uma comédia descartável.
O diretor estreante Andre Pellenz (também parte da equipe realizadora de "220 Volts") monta o filme em atos bem separados e definidos, ao passo que Dona Hermínia relembra a infância de sua prole e conta a história de sua vida para a tia Zélia. Cada fragmento de memória da protagonista se assemelha à um ato de peça teatral, com os personagens coadjuvantes pegando carona nos segmentos para terem suas próprias histórias desenvolvidas mais à fundo. Acostumado ao ritmo acelerado dos breves esquetes na televisão, Pellenz imprime ao filme uma progressão rápida, que prejudica o alcance da profundidade necessária de algumas cenas quando o drama ensaia florescer. Ao mesmo tempo, o diretor mantém o filme enxuto e a narrativa em progresso constante, sempre com um tom divertido que transparece no texto e nas cores vibrantes dos cenários, fruto de uma direção de arte atenta que aproxima o visual do longa à "Volver" (2006), de Almodóvar.
Para os cinéfilos acostumados às comédias plastificadas, que as distribuidoras impõem ao público brasileiro com sua prática de ocupação predatória de salas, "Minha Mãe é uma Peça" surge como uma grata surpresa. Não apenas é um filme genuinamente engraçado sem ser apelativo (na maior parte do tempo), como também provoca grande identificação com o público e faz uma homenagem bonita às mães brasileiras. Este argumento poderia facilmente ter descambado para o piegas, mas nas mãos de um humorista competente o humor fica em primeiro plano, com os argumentos mais profundos sublinhando o texto e encorpando o filme. Apesar de um final excessivamente didático e implausível, bem como alguns vícios oriundos de comédias inferiores, o tom geral é de um filme alegre e engraçado, com um rico personagem principal e boas atuações do elenco.
Após muito tempo sob o bombardeio de filmes ruins, o público brasileiro se tornou entorpecido diante da comédia nacional. Mas o personagem idealizado por Paulo Gustavo mostra que o gênero está vivo nas grandes telas pelo Brasil afora, ainda que respirando por aparelhos. Se a nova geração de humoristas brasileiros mantiver este nível, o prognóstico com certeza é positivo.
Ótima crítica, Thiago!
Tive a mesma leitura do filme...
Muito obrigado, Matheus! Acho que esse filme é um grande progresso pra comédia brasileira no cinema.
Bem bacana a crítica
Muito obrigado Renan!