Road Movie é o gênero cinematográfico onde o personagem principal viaja de um lugar a outro, sendo moldado pelas experiências vividas durante a viagem, que típicamente alteram a perspectiva de sua vida cotidiana. Entre os representantes mais famosos do gênero estão os filmes "Thelma e Louise" (1991), "Pequena Miss Sunshine" (2006) e "Diários de Motocicleta" (2004), este último do brasileiro Walter Salles. Todos esses filmes tem em comum o fato de que o público é convidado a embarcar com os protagonistas numa jornada de autoconhecimento e reflexão que altera profundamente suas vidas. É isso que "A Busca" tenta realizar, mas com um roteiro raso e nas mãos de uma equipe inexperiente, acaba falhando em seu objetivo.
Theo (Wagner Moura) é um médico em plena crise conjugal com sua esposa Branca (Mariana Lima), que ameaça acabar de vez com seu casamento. No meio do tiroteio acaba sobrando uma bala perdida para seu filho Pedro (Brás Moreau Antunes), adolescente de 15 anos cansado de toda a situação, que decide fugir de casa após sofrer com a grosseria aparentemente gratuita de seu pai durante uma grave discussão. Desesperado e vendo sua vida desmoronar diante de si, não resta outra alternativa a Theo senão cair na estrada para ir em busca de seu filho e, inesperadamente, de si mesmo.
Descontando-se a pequena "licença poética" ao ignorar a existência de uma polícia ao qual os desesperados pais do garoto poderiam recorrer para encontrar seu filho (afinal de contas o filme precisa de história pra contar), a premissa de fato é interessante. Além de seu significado óbvio, a "busca" do título se refere principalmente à viagem de Theo por seu próprio interior, sendo a estrada um fio condutor de todas as experiências que entram em confronto com suas convicções já consolidadas, metáfora característica de filmes de estrada. Desde a primeira cena fica claro que Theo é um personagem complexo. As referências sutis à relação problemática com seu próprio pai dão a pista de que toda a frustração e ira do médico são na verdade uma projeção de seus traumas de infância na figura de seu filho. Paralelamente, o sumiço do garoto é o catalisador de uma possível reconciliação de seus pais, unidos diante da questão em comum.
Há portanto muitas questões a serem trabalhadas durante seus 90 minutos de duração, dando amplo espaço para o desenvolvimento do personagem. É justamente nisso que reside o charme dos road movies, afinal. Surpreendentemente, acontece o oposto. Nenhuma das questões apresentadas é aprofundada como deveria, pois o roteiro limita-se a mencioná-las sem se preocupar com seu desenvolvimento e conclusão. Wagner Moura é um ator competente, e aqui dá o sangue para extrair o máximo do texto que lhe é dado, com mais um trabalho digno de nota. Brilha muito principalmente em comparação com seus colegas de elenco, em sua maioria fraco. Mas o ator não faz milagre: Theo é um personagem problemático condenado a permanecer assim. Apenas se sabe que a relação com seu pai é a grande fonte de sua angústia pois o filme aponta isso constantemente, mas nunca sabemos o por quê. O assunto também é concluído superficialmente numa rápida cena com Lima Duarte, em participação pequena demais para o tamanho de seu talento e da carga dramática depositada em seu personagem. Do ponto de vista narrativo, se não há um ponto de partida e um destino certo a jornada também fica comprometida. Portanto na falta de uma conclusão satisfatória fica difícil avaliar a real progressão psicológica do personagem durante o filme.
Diante desses problemas, é possível dizer que "A Busca" é um reflexo da habilidade de seus criadores. Primeiro filme de Luciano Moura, diretor oriundo da publicidade e sem experiência prévia no cinema, o longa apresenta as qualidades e deficiências de seu capitão e roteirista. A opção por uma fotografia em planos fechados torna o filme claustrofóbico, e isso funciona muito bem principalmente no início, quando é possível compreender a vontade de Pedro em escapar daquele ambiente pesado e a angústia de Theo. Mas conforme o médico vai entregando seus medos para a estrada e libertando-se de um grande peso esse sentimento claustrofóbico perde razão de ser, porém sem que a tensão do filme diminua. Uma opção estética subjetiva de seu diretor e por isso não pode ser considerada um problema técnico propriamente dito, mas não deixa de ser algo incômodo.
Apesar disso, existem no filme algumas sequências maravilhosas, recheadas de significado e beleza estética, mas de pouca ou nenhuma serventia na trama. Fica evidenciada a origem publicitária do cineasta, hábil para compôr cenas individuais mas perdido ao pintar o quadro todo. Novamente temos o problema do roteiro. Apesar de seus personagens estarem aparentemente ao sabor dos ventos, mesmo o roteirista de um filme de estrada deve ter toda a progressão narrativa planejada, pois só assim o público compreenderá a mensagem em sua plenitude ao final. Não importam as experiências vividas pelos personagens durante a viagem, mas sim o impacto que estas causarão. Importa a comparação psicológica do personagem no ponto A e no ponto B. A aparente "aleatoriedade" dos acontecimentos somente pode ser sugerida, mas nunca levada à sério por aquele que escreve a trama sob pena de prejudicar a coesão do filme. Somado com o déficit do desenvolvimento das linhas narrativas, o roteiro capenga acaba por afundar de vez uma história promissora.
"A Busca" possui o grande mérito de tentar romper a inércia que aflige o cinema brasileiro, estagnado em comédias e filmes de favela. Nesse ponto, o drama ajuda a oxigenar o nosso cinema, mas não é o bastante. No fim das contas, é uma oportunidade perdida. Embora o diretor estreante seja promissor (pelo menos tecnicamente), fica claro que deu um passo maior que a perna. É verdade que seu filme não subestima o público e não tenta conduzi-lo pela mão, deixando coisas no ar para que as pessoas descubram sozinhas. Mas sem um roteiro que entregue o prometido desde o início, "A Busca" se torna um filme vazio que patina em torno das questões que quer abordar sem mergulhar em nenhuma. No fim das contas, é um filme com muitos pássaros voando e nenhum na mão.
Bom comentário, me ajudou a decidir se vejo ou não esse filme. Por enquanto, acho que não, é um filme de um diretor que está começando, teve sim seus deslizes. Já pela parte que compete às habilidades publicitárias dele, ficou bom. Apesar de não ser um filme recomendado, é bom ficar de olho nesse diretor e os seus próximos filmes e ver se há evolução.
Concordo que o filme tem problemas de roteiro. Muitas coisas acontecem do nada.
Mesmo assim, consegui me conectar com a história pela temática e adorei a interpretação de Wagner Moura.
Ótimo texto, apesar de extenso demais.