O terror simbólico em A Primeira Profecia
Há algum tempo tem me chamado a atenção como o terror e o horror podem ser um excelente pano de fundo para metáforas sobre a experiência feminina em sociedade. Do já clássico cult Garota Infernal (2009), escrito por Diablo Cody, até o futuro lançamento A Substância, que rendeu muitos elogios à atriz Demi Moore no circuito de festivais, alguns exemplos tem me feito perceber aí um terreno fértil para cineastas femininas. O que não me surpreende, porque, do mesmo jeito que o terror é percebido como um gênero menor, visto a presença escassa de obras do estilo em grandes premiações, as percepções feministas sobre si sempre estiveram à margem da sociedade. Isso inclui desde estudos acadêmicos até, é claro, aos filmes de maior orçamento e bilheteria de qualquer nicho. E a cineasta Arkasha Stevenson, que dirige este interessante A Primeira Profecia, sabe disso.
O filme tem enredo e até algumas situações que lembram bastante outro terror igualmente inteligente e curioso, Imaculada, que também teve lançamento em 2024. Mas, se em qualidade e provocações os filmes se aproximam, eles se separam muito no que cada equipe entende ser melhor para despertar o medo, o susto e as reflexões. Nesse sentido, A Primeira Profecia é um filme muito menos rasteiro na abordagem que leva a um clima tenso, imprevisível e assustador. Na verdade, a obra tem momentos de lentidão que até parecem enfraquecê-la, mas que pouco a pouco vão constituindo uma atmosfera bastante intrigante. Isso porque a diretora sabe desenvolver habilmente um certo clima de paranoia, capaz de revelar imagens simbólicas que conversam entre si.
Daí, surgem questionamentos sobre a força das igrejas, sobretudo a Católica, e a perda de autonomia das mulheres perante o próprio corpo e experiências. A relação entre esses dois temas é quase indissociável, o que tem sido motivo de discussão até mesmo no que se refere às origens da subjugação e vulnerabilidade femininas. Nesse sentido, como lembrou Arkasha Stevenson em entrevistas, o corpo em sua acepção material tem um papel relevante nesta história. O filme, dessa forma, traz uma cena de parto absolutamente perturbadora.
Tudo bem, a amarração da trama com certas reviravoltas e teorias conspiratórias não é particularmente convincente. E o longa-metragem fica devendo mais momentos concretamente arrepiantes. Mas toda a criação psicológica é tão instigante e provocativa, além de filmada de um modo tão elegante, que pode suscitar discussões interessantes. Assim, embora não tenha a tensão de Imaculada nem o final arrebatador, A Primeira Profecia é o complemento perfeito para o filme com Sidney Sweeney. E não deixa de ser revigorante como Arkasha Stevenson mostra conhecimento sobre o gênero terror nesse prólogo de A Primeira Profecia, ao mesmo tempo em que se permite trazer temas mais modernos.
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