Para Sempre Cinderela começa com uma senhora idosa propondo contar a sua própria narrativa do conto de fadas. No início, os irmãos Grimm, famosos por diversas fábulas infantis, inclusive por uma das versões de Cinderela, conversam com a rainha da França sobre as várias histórias da Gata Borralheira. Durante o diálogo, eles mencionam que em uma das versões, o sapatinho usado por Cinderela no baile é na verdade feito de pele e não de vidro, como é mais conhecido. A citação é uma referência a Charles Perrault, o primeiro autor a criar uma versão de Cinderella, em que ela usaria um sapato de cristal. Para algumas pessoas, a ideia teria surgido a partir de uma interpretação equivocada de termos. Em francês, sapatinho de cristal seria "pantoufle de verre" e sapatinho de pele, "pantoufle de vair". A partir de então, o que vemos é uma obra surpreendente e autoral, capaz de revitalizar o clássico com energia e paixão. E, segundo o famoso crítico Roger Ebert, Para Sempre Cinderela nos lembra que Drew Barrymore consegue segurar a tela e nos envolver em seus personagens.
O filme se passa em uma Europa de beleza notável, em que castelos magníficos foram usados como locação. Mas, nessa narrativa de uma garota boazinha que tem a chance contra uma madrasta má, há uma dimensão humana para a história. Primeiro porque a madrasta não é totalmente má. Afinal, a baronesa vivida pela vencedora do Oscar Anjelica Huston tem os próprios traumas em relação ao casamento. E de vez em quando se permite até ter um pouco de simpatia com a enteada, Danielle de Barbarac. Sim, ela coloca Danielle para trabalhar como empregada doméstica da família — esfregando pisos, cozinhando e lavando louça, cuidando do curral. E sim, enquanto isso, ela prepara a bela Marguerite para o casamento real. Mas não é que ela seja sempre cruel com Cinderela, na verdade ela tem que cuidar das próprias filhas. Como nos lembra a cena que remete a papéis femininos, na qual ela diz para Danielle: “Ser criada por um homem. Não é à toa que você tem vocação para o trabalho pesado”. E quando Danielle lhe pergunta se a baronesa amava o pai dela, Rodmilla parece ter muito o que esconder na resposta.
Danielle, por sinal, é vivida de modo incandescente por Drew Barrymore. Isso porque, na época, a atriz se recuperava da imagem desgastada por polêmicas na transição para atriz adulta. Barrymore, que foi uma das grandes estrelas mirins de Hollywood em filmes como ET e a premiada atuação em Diferenças Irreconciliáveis, resgatou neste filme a imagem de superestrela. E toda a bagagem impetuosa de personagens polêmicas na fase mais complicada da carreira de Drew serviu como inspiração para ela interpretar Danielle de Barbarac. A Cinderela da vez é uma princesa nada convencional, que se aproxima do feminismo moderno, e é capaz de salvar a si mesma e ao príncipe. Este é vivido com Dougray Scott com muito mais complexidade do que o velho salvador encantado. Transportada para a época Renascentista, Drew Barrymore teve mesmo que entrar na personagem. Na cena em que Danielle aparece nadando no lago, ela teve que usar o nado de costa invertido, muito popular na Europa Medieval e Renascentista. Hoje em desuso, o estilo é ensinado mais como técnica de sobrevivência.
O filme é americano, mas a história se passa na França do século XVI. E a rainha Marie perde a chance de alfinetar a Inglaterra ao falar para o príncipe Henry que escolhesse bem tua esposa porque divórcio é uma coisa que apenas se faz nesse país. A citação faz uma referência ao rei Henrique VIII, da Inglaterra, que causou um escândalo ao se divorciar de Catarina de Aragão para ficar com Ana Bolena. Sem contar que trazer Jeanne Moreau, uma das maiores estrelas do cinema francês como a rainha, por si só já é uma interessante homenagem ao país.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário