O lado oculto da modernidade.
"A civilização extrema gera a barbárie extrema."
Pierre La Rochelle
Vivemos em uma época de grande evolução tecnológica e de uma intensa conscientização em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos. Este é o lado visível da modernidade, o que provoca a crença de um progresso contínuo da humanidade. Mas é só analisar de forma crítica esta crença para perceber o tanto que é precipitado este tipo de idéia. A modernidade (como o próprio ser humano) tem o seu lado sombrio. E é aqui onde entra o filme de Ryû Murakami, Tóquio em decadência.
O filme aborda a história de Ai (Miho Nikaido), uma assistente social que paralelamente trabalha como prostituta. A narrativa não deixa claro, mas um dos motivos de Ai ter esta vida dupla é a questão financeira, pois é fácil imaginar que viver numa grande metrópole como Tóquio tem suas despesas.
É através dos seus programas que conhecemos melhor Ai e seus clientes com os seus desejos e frustrações. O roteiro é denso o suficiente para o espectador compreender que estes “desvios” de comportamento estão intimamente ligados ao fenômeno da modernidade. Isto fica exposto de forma clara no diálogo entre Ai e uma prostituta bem sucedida. Quando a personagem principal olha admirada para o seu apartamento afirmando que ela é muita rica, esta responde de forma enfática: “Na verdade, não. O Japão é que é rico. Mas é rico sem orgulho. Cria ansiedade, que leva os homens ao sadomasoquismo. Foi através desses homens que eu ganhei a vida. E tenho orgulho disso”.
A figura de Ai remete de forma interessante a flor-de-lótus. Nas religiões orientais, esta flor simboliza a pureza e o renascimento no meio da lama da existência mundana. Isto fica perceptível quando um dos clientes de Ai diz que ela “é a única esperança do Japão podre”. Para este cliente, Ai não faz distinção entre os homens, diferente das atuais mulheres japonesas que preferem os “homens de negócios”. A própria fisionomia da personagem passa um ar de pureza e delicadeza impressionante (grande atuação de Miho Nikaido).
Todas as tomadas da metrópole sempre mostram um céu nublado, que junto com uma fotografia escura denota um ambiente melancólico. Devido às diversas seqüências escatológicas, o filme injustamente (ou não) foi rotulado de “erótico sado-masoquista”. Estes elementos estão realmente presentes, mas nas entrelinhas é um filme bastante crítico dos valores da sociedade japonesa atual, em confronto com a tradição milenar. E mais, é um filme sobre os “demônios” da nossa civilização, que comumente visto como ‘anomalias’, são apenas conseqüências do “progresso” da humanidade.
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