Há muito tempo o cinema não apresentava um faroeste tão competente, envolvente e maduro.
Os Indomáveis é uma esplêndida refilmagem de Galante e Sanguinário de 1957, aliás, é mais que um resgate de um clássico na verdade retoma a saga dos grandes faroestes.
O filme conta com um roteiro que foge ao argumento convencional embasado na dicotomia herói/vilão, ou melhor, mocinho e bandido porque o embate entre os personagens Ben Wade (Crowe) e Dan Evans (Bale) não são formais ou caricaturas entre o bom e o mau, são dois homens obstinados onde cada qual procura sobreviver sob uma perspectiva diferente enfrentando as adversidades de um mundo hostil em que a lei funciona debilmente elegendo os “inimigos públicos” e ao mesmo tempo os párias (índios, mestiços, deficientes físicos, pobres etc.) moldados num ambiente de brutalidade envolvendo assaltos, tiroteios, ações bancárias e a proeminente chegada da ferrovia.
Avalia-se na obra de Mangold aspectos cinematográficos valiosos como os arrojados movimentos de câmera, a composição do cenário mesclando elegância e rusticidade, a narrativa é quase sempre acelerada sem ser confusa e a transição de cenas é habilmente construída.
Faz-se primordial destacar que o personagem de Crowe não é um tipo de bandido idealista pelo contrário é um indivíduo que demonstra traços de rara sensibilidade, no entanto passando a ultra-violência sem o menor ressentimento.
O personagem Ben Wade vivido por Russell Crowe é um pistoleiro atípico delineado por uma aguda percepção artística, um humor caustico e uma inteligência não somente criminosa, mas também de muita perspicácia quando discute a natureza humana como sutilmente ilustrado numa cena em que se argumenta que matar um homem é diferente de se matar um animal, Wade discorda dessa proposição quando acusa um suposto homem da lei de ter matado homens, mulheres, crianças, mineiros e apaches.
Na verdade esse trecho traz em si extrema complexidade, pois aparentemente Wade traça um paralelo entre animal e humano fazendo uma alusão a guerra civil americana envolvendo a matança de inocentes, ou seja, quando alguém mata um inocente num contexto de conflito político para ele não há distinção entre matar um homem ou um animal, isto é, o homem que mata por um ideal não faz essa distinção porque para ele o outro é um inimigo que deve ser eliminado.
Wade durante o transcorrer do filme demonstra seu talento em desenhar, entretanto, os desenhos não são apenas frutos de um ato mecânico ou meramente técnico, pois, os desenhos que ele traça durante a obra são específicos, primeiro desenha uma águia (liberdade, astúcia, altivez), segundo desenha uma mulher, a sua amante (amor, desejo) e por último desenha o fazendeiro Evans, um homem (ético, bom pai e marido) supostamente antagônico a ele, entretanto, objeto de sua estima e admiração.
Percebe-se outro elemento crucial que compõe o personagem de Crowe que é a bíblia, pois ele está sempre fazendo referência ao livro de provérbios e mais importante ainda sua ligação com o livro sagrado é o elo entre ele, seu passado, sua mãe e a perda da inocência e da esperança. Todos esses elementos (os desenhos e a bíblia) carregam um teor simbólico que permeia a alma de Ben Wade.
A figura de Ben Wade encontra no personagem Dan Evans o ponto de suas ambigüidades, afinal Evans é um sujeito tipicamente honesto, no entanto carregando em si um furor e uma sede descomunal para resistir diante os obstáculos e talvez esse seja o ponto de ligação entre ambos, a obstinação e a resistência.
As interpretações de Russell Crowe e Christian Bale são impactantes e primorosas, entretanto, Ben Foster é a grande surpresa do elenco e sua performance é minuciosamente elaborada e interpretada.
Nota-se na película algumas falhas, Wade com seu psicológico assaz e sua virulência assume um comportamento duvidosamente humano frente ao seu comportamento e a figura de Evans que é limitada fisicamente executa ações inimagináveis, no entanto o faroeste é uma estrutura fílmica que necessita amplamente da presença do mito, assim sendo, o mito é o elemento que dispensa explicações racionais, já o comportamento de Wade não pode ser analisado a partir de uma ótica tão determinista e comportamental, pois no transcorrer da obra fica evidente que havia nele um conflito existencial devido suas experiências e traumas advindas das relações afetivas.
O diretor James Mangold traz á luz (câmera e ação) uma obra fílmica digna de elogios e aplausos resgatando a memória de um gênero esquecido ou desvalorizado tanto pela sétima arte como pelo grande público.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário