O filme de Walter Salles é baseado no romance Abril Despedaçado do albanês Ismail Kadaré.
O livro é ambientado nas montanhas do norte da Albânia e Salles optou por adaptá-lo ao ambiente do Nordeste do Brasil.
O laço comum entre os montanheses da Albânia e os sertanejos nordestinos é que ambos são produto de sociedades arcaicas atreladas aos seus mitos e costumes.
O romance gira em torno do rigoroso código de leis que rege a vida dos montanheses denominado "Kanun " que determina desde os ritos matrimoniais até a demarcação de terras entre duas aldeias sendo um código de leis oral (não escritas) que regia a vida e a morte dos montanheses e seu valor supremo era a honra.
Em observância a essas normas, o personagem vê-se obrigado a assassinar o membro de uma família rival, vingando a morte de seu irmão, que, por sua vez, vingara um parente assassinado.
Dessa forma se estabelece o mote para o filme e o personagem Tonho vinga a morte do irmão mais velho torna-se o herói, entretanto, se percebe no personagem um sentimento ambíguo, ou seja, ele praticou um ato contra a própria vontade e essa espécie de vingança cíclica não correspondia aos seus desejos e anseios, percebe-se que ele não se sentia completo ao seguir essa tradição.
O filme é magnífico por trazer em si um denso contexto simbólico e metafórico perpassado pela figura do herói que nos remete as tragédias gregas.
A família Breves encontra no elemento patriarcal a síntese da tradição e na figura materna a representação da pura submissão e nulidade, já o protagonista interpretado por Rodrigo Santoro (Tonho) é o herói marcado para morrer e seu irmão caçula (Pacu) é o personagem mais trágico e escolhe a morte e nesse sentido ele rompe com a tradição e seu desejo é a resistência ao poder.
Na realidade a amizade entre esses dois irmãos é algo lírico compondo um elemento de resistência ao coletivo e a tradição.
No filme assim que a mancha de sangue da camisa do rival morto ficava amarelada era o momento de iniciar a vingança e isso fazia parte de uma existência cíclica fundamentada nos costumes e rituais sempre repetidos.
Os traços metafóricos da película são arrebatadores como a aridez do sertão (luta, sofrimento e travessia), a labuta na bolandeira com ações e comportamentos repetitivos, isto é, o previsível, o costume, a tradição.
Em outro momento do filme surge um outro círculo envolvendo a personagem Clara e a roda do circo ressignificando o círculo da vida em movimentos duradouros elevando os pensamentos e anseios às alturas, deixando fluir sonhos e desejos é a possibilidade de mudança.
Quando o novo (transformação ou metamorfose) não tem espaço para nascer (mudar), os ciclos, muitas vezes prejudiciais se perpetuam.
A transformação, por outro lado, desconstrói a tradição e concede ao indivíduo sua liberdade subjetiva e ao mesmo tempo destrói uma coletividade negativa.
A obra construída pelo diretor Walter Salles é um poema delirante de imagens e significações habilmente tecidas em inúmeras cenas, entretanto, dois momentos são extremamente emblemáticos e se entrelaçam: quando Tonho abandona a sua casa e se depara com duas estradas; um é o caminho que leva para a fazenda da família rival (a continuidade da tradição) e o outro é o caminho que leva direto ao mar, mas o personagem necessita atravessar e enfrentar a infecundidade do sertão para alcançar toda a magnitude do mar e saciar a sua sede na abundância dessas águas.
Abril Despedaçado narra a rivalidade perpétua entre duas famílias, em uma região erma do nordeste brasileiro, onde a disputa pela terra justifica assassinatos cíclicos.
Neste filme, Walter Salles se utiliza da figura simbólica do deserto para expressar um fenômeno universal na espécie humana: a cultura (tradição).
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