A Brighter Summer Day é simultaneamente um drama intimista, um coming of age e um filme político. Apesar de Yang em nenhum momento se preocupar analiticamente com a etiologia política dos problemas vivenciados pela juventude da época, constantemente esse passado reflete nos conflitos do filme, como um fantasma da insegurança familiar e conjuntural que permeia as relações de cada personagem.
Com mais de cem personagens dotados de uma riqueza psicológica quase romanesca, Yang vai tecendo com uma sensibilidade pungente e devastadora a crise existencial de todo um país através do olhar desiludido de um jovem rapaz e seu esforço em conseguir estabelecer uma identidade própria em um ambiente hostil. Essa crise de identidade é um tema recorrente nos integrantes das gangues de rua, há uma descaracterização cultural e um sentimento de despertencimento espacial que mantém-se perceptível durante todo o filme, evidenciado até pelos nomes dos jovens das gangues: Cat, Airplane, Honey, Tiger... Eles cantam músicas norte americanas, exortam costumes norte americanos - o jovem Cat inclusive canta as músicas em inglês sem saber falar o idioma, com o auxílio da irmã do protagonista, que ia foneticamente "traduzindo" as músicas do inglês para o mandarim.
É possível traçar um interessante paralelo de A Brighter Summer Day com três filmes, cada um deles assemelhando-se mais a cada uma das características expostas anteriormente, sendo esses filmes Juventude Transviada, A Última Sessão de Cinema e Plataforma (que foi lançado comercialmente quase uma década depois do lançamento deste). O drama atemporal de Ray e a obra prima máxima de Bogdanovich possuem mais elementos em comum do que superficialmente poderia se imaginar: todos expõem um amadurecimento abrupto propiciado pelo mundo que os cerca e sua violência indiscriminada - seja essa violência conjuntural, pessoal, física ou psicológica. Por mais que possa parecer que em A Última Sessão de Cinema a amargura tenha procedido a morte de Sam, na realidade o sentimento de desolação e o vazio existencial esteve ali presente desde o primeiro plano do filme, com o cinema abandonado. Assim como os outros dois títulos, o filme já começa numa situação de instabilidade.
A veia política do filme, assim como em Plataforma, dá-se de maneira sutil, quase no extracampo da obra. Da mesma maneira que o monumento de Jia, Yang vai mostrando aos poucos como essa sociedade foi aos poucos entrando em desespero a partir das influências externas no cotidiano delas. Interessante em Plataforma os integrantes estarem em meio ao redemoinho, diferentemente de A Brighter Summer Day, no qual essa insegurança familiar permaneceu tão forte quanto anteriormente nos filhos.
Outra característica impressionante do filme é a maneira como os objetos são filmados. A força adquirida pela película ao filmar uma lanterna, uma espada japonesa, um rádio, uma fita - os objetos filmados por Yang tem uma potência que ressoa mais que ordinariamente. A mise-en-scène é impecável, tornando assistir ao filme uma experiência quase ascética.
Apesar do sofisticado pano de fundo, a maior beleza está na maneira como Yang filma os impulsos passionais de suas personagens, com seus planos absolutamente deslumbrantes. A desilusão amorosa precedendo a morte da amada (a morte da esperança, da concepção de inocência do mundo) é fortíssima, como todos os conflitos das personagens. A dor e a beleza persistem conflitantes, porém paradoxalmente completando-se, no cinema de Edward Yang.
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