Os irmãos Ethan e Joel Coen passaram a perna na Academia de Cinema de Hollywood em 2008 com o suspense Onde os Fracos Não Tem Vez transmitindo uma falsa impressão de que estariam fazendo cinema sério. Ledo engano, eles não estavam fazendo filme sério e prova disso é o filme seguinte deles: Queime Depois de Ler. Os cineastas irmãos mostram em todos os filmes que dominam a linguagem cinematográfica e com Queime... eles brincam com a inteligência acima da média dos cinéfilos passando a imagem distorcida de que o filme é uma comédia. Embora o humor negro se faça presente no cotidiano de cada personagem a formatação da narrativa é de um puro filme de suspense. A verdade se denuncia na musica de Carter Burwell que é assumidamente uma trilha de suspense. Passa pelos ângulos distantes da fotografia em momentos de voyer e se declara na montagem dinâmica que vai intensificando o tom dramático do destino de cada figura patetica inserida num emaranhado de falsas pistas, aparências contraditórias e suspense conduzido fria e elegantemente. O filme implode numa corrossiva crítica ao serviço secreto da CIA e suas equivocadas patetadas quando vasculha a vida privada dos cidadãos americanos em prol da segurança nacional em épocas de terrorrismo. A trama desafia o público que se acha esperto acima da média e também embaralha os analisadores de cinema que tentam interpretar o cinema autoral dos irmãos Coen. Mas aqui nada parece ser o como se apresenta ou nada parece ser o que presumidamente achamos que soubemos. O mérito dos Coen vem dos textos que produzem como se fossem uma elaborada e difícil sequencia de palavras cruzadas. Os diálogos são de extrema composição cheia de inteligência e pronunciados de forma rápida e rasteira. Rimos com classe da idiotice americana e asssitimos de camarote os americanos lavando a roupa suja em público. O inspirado elenco cheio de astros e estrelas está infiltrado nas brincadeiras insanas e assim temos boas interpretações de George Clooney, Brad Pitt, Tilda Swinton, John Malkovich e Frances McDormand que sem estrelismos vestem a idiotice dos personagens e não deixam o tom sarcástico perder o ritmo.
Outro foco a ser analisado é o pretexto da tagline com a frase “A inteligência é relativa”. O tom aqui é de ironia e podemos dizer que o subtexto do filme é uma crítica ao sistema da inteligência americana e a fobia do após o 11 de setembro. O ponto inicial de todas as situações de erro reza em torno do afastamento de um analista da CIA por ter problemas com o álcool, a decisão de escrever suas memórias e nas mãos de quem vai parar um CD contendo esses supostos segredos de Estado.Entra na jogada a funcionária de uma academia de ginástica à beira de uma crise de nervos pois não consegue financiamento para proceder 5 cirurgias plásticas corretivas (a preocupação com a estética e a imagem) e então resolve convidar um atrapalhado colega de trabalho a chantagear o analista em troca de dinheiro. No meio dessa amadora aventura temos um adultero funcionário do fisco americano que se vê espionado em todo lugar por onde anda e acaba de maneira inusitada se interligando a vida dos chantagistas. Por fim a brincadeira inconsequente acaba em tragicomédia numa sucessão de acontecimentos vindo do acaso, sendo que nem tudo acaba mal para todo mundo e a CIA por trás de tudo vai varrendo para baixo do tapete a sujeira a céu aberto.
A comédia de erros recheada de situações extremas é uma constante na filmografia dos Irmãos Coen. No segundo filme Arizona Nunca Mais (1987) um casal que não pode ter filhos sequestra um dos gêmeos quintuplos de um milionário e fica em apuros. Em Fargo (1996) vendedor de carros falido decide contratar dois capangas para sequestrar sua mulher e com isso pretende arrancar uma boa grana do sogro, mas tudo acaba em tragédia. Os irmãos Coen avacalham com o mundo certinho e os valores da sociedade americana cada vez mais triste e hipócrita e ao mesmo tempo avacalham com aquilo que achamos saber de cinema, mas isso não é ruim pois significa que o cinema autoral americano respira com todo folego. Enganando a inteligência dos catedráticos da Academia de cinema ou nos enganando com filmes multifacetados eles não levam o cinema a sério, fogem dos clichês de qualquer gênero, usam da violência estilizada e quase sempre entregam um produto de estilo absolutamente inovador. Ao contrário da vida tragicômica de seus personagens as brincadeiras dos irmãos Coen já renderam 2 Palmas de Ouro , 6 Oscars e diversos Globos de Ouro além da unanimidade mundial de que são vida inteligente no planeta Hollywood.
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