O novo trabalho de Alexander Payne e é um dos nove nomeados ao Oscar de Melhor Filme: Nebraska pode não ser o título mais popular da temporada, mas não deixa por isso de ser uma das fitas mais bonitas deste ano.
Woody Grant (Bruce Dern) é um homem mal disposto e distraído que, ao receber na caixa de correio uma carta de um sorteio, que lhe diz ser o vencedor de um prémio de um milhão de dólares, parte numa viagem com David (Will Forte), um dos filhos, para poder receber a quantia. Num percurso atribulado em que serão testados velhos laços familiares e de amizade, Pai e filho prosseguem uma viagem cuja finalidade é ilusória. Mas Woody fará tudo para conseguir chegar à sua meta e poder receber o dinheiro.
O novo filme do autor de Sideways, As Confissões de Schmidt e Os Descendentes é o nomeado mais indie dos Oscars. Será uma das obras menos faladas entre a colheita escolhida para os prémios deste ano, mas felizmente, não é o indicador da popularidade que garante a qualidade de Nebraska. Trata-se se de uma história de conflito entre gerações, que opõe o Pai esperançoso e teimoso ao filho impaciente e cético (que faz tudo para que o seu progenitor desista da sua missão), que constitui mais uma curiosa película de Alexander Payne, especialista nestas narrativas singulares e invulgares sobre a relação da família e dos membros que a constituem.
São estas comédias agridoces sobre personagens imperfeitas, completos “zés-ninguém” da existência humana, que infelizmente, não vemos muitas vezes a chegarem aos nossos Cinemas, no meio de uma salganhada de novidades altamente tecnológicas, limpinhas e perfeitinhas, que apenas servem para dar lucro à indústria da pipoca. O filme de Payne, um road movie intimista e enternecedor escrito por Bob Nelson (também nomeado pela Academia), recorre, aliás, a técnicas clássicas (e injustamente consideradas “arcaicas” pelo espectador-comum) para contar esta jornada familiar: sejam elas o preto e branco, a banda sonora que recorre a sonoridades leves e poéticas e os planos fixos, como também a narrativa simples mas repleta de Humanidade, os valores morais da história e o tom mundano proporcionado pelas notáveis performances.
O realizador pretende, assim, fazer com que as pessoas regressem às origens do próprio Cinema, e da simplicidade grandiosa que faz desta Arte algo completamente diferente de todos os conteúdos que a televisão nos possa proporcionar.
O objetivo de Nebraska não é ter o público de boca aberta por possuir maravilhas complexas e inovadoras, mas muito pelo contrário, dar a todos nós um cheirinho da vulgaridade que nos rodeia, tão simplista e repetitiva, mas que consegue ser, ao mesmo tempo, fascinante e sedutora – porque é na vida quotidiana e na repetição constante do dia a dia dos tempos modernos que se encontram as grandes histórias, e porque é nela que se podem apanhar situações brilhantes e cativantes como a que temos a oportunidade de contemplar aqui.
Este é também o retrato da mudança dos tempos e da mudança dos interesses de cada personagem, quando Woody e o filho passam por Hawthorne, a terra onde o Pai cresceu e em que todos se conhecem. A vida de uma pequena cidade como esta, afastada do caos e da modernidade das grandes metrópoles contrapõe o dilema central e a fatalidade da sua resolução, à forma como todos os habitantes de Hawthorne dão destaque à “conquista” de Woody, tentando aproveitar-se do prémio resolvido para ajustarem contas que ficaram por acertar no passado.
Mas Nebraska é ainda mais interessante porque, a páginas tantas, o filho percebe que nada pode fazer para impedir o Pai, mantendo a ilusão para ajudar Woody a ter algo com que se entreter enquanto não pensa na depressão que sente por estar envelhecido, solitário (apesar de toda a família que o rodeia) e triste. Por outro lado, os oportunistas criam a ilusão de que o dinheiro existe mesmo, e não podem acreditar que tal seja mentira – a ganância é maior do que a racionalidade, nestes casos. Amizades ficam feridas e familiares põem-se uns contra os outros: eis a grande génese dos efeitos do dinheiro (ou da simples ideia do mesmo) na espécie humana.
Há que destacar a simplicidade inteligente e até intrigante que Alexander Payne coloca na história e na sua realização (justamente nomeada para outro Oscar). Há que elogiar o enorme talento do veterano Bruce Dern (nomeado pela segunda vez, a primeira por Ator Principal), o amor que June Squibb dá ao papel que interpreta (Kate, a mulher de Woody, que não vê razões para que a “farsa” continue) e a versatilidade dos atores secundários (veja-se, principalmente, Bob Odenkirk a surpreender na personagem de Ross, o irmão de David). E há, também, que aclamar a viagem de auto descoberta que Payne pinta com habilidade e brilhantismo, com a revisitação das memórias perdidas de Woody e a redenção do filho perdido na vida e que acaba por encontrar, na loucura do Pai, um motivo para não desistir.
Nebraska é um filme desiludido com o próprio mundo e com a falta de confiança que os seres humanos têm uns para com os outros, nas coisas mais graves e nas mais patéticas. História maravilhosa das simplicidades quotidianas que tem um desfecho justo e que os espectadores, com certeza, vão considerar justo, tendo em conta o rumo que as personagens deram a esta história e os pequenos clímaxes que nela foram surgindo. Porque Alexander Payne fala-nos do vulgar, mas não o faz com vulgaridade. Algo curioso e difícil de encontrar no Cinema moderno.
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