Angustiante, sufocante, visceral!
Após duas horas e meia de imersão, ao subir dos créditos, consigo inspirar e expirar novamente. Que agonia! O pescoço levemente dolorido denuncia a tensão. Respiro fundo e então olho para as pessoas que estão se levantando ao meu redor: silencio! Todos ainda estavam sob o efeito daquela experiência, meio hipnotizados, pensativos. Já fora da sala, depois de pensar um pouco a respeito do que tinha acabado de assistir, concluo que uma grande experiência cinematográfica não necessariamente exige grande profundidade narrativa ou filosófica, contanto que consiga, a partir da imagem, extrair variadas emoções e sensações de seu público.
O mais novo trabalho do renomado diretor Alejandro González Iñárritu (o mesmo que dirigiu o premiado ‘Birdman’, 2014) consegue tragar o espectador mesmo possuindo um roteiro simples, e isso ocorre graças ao poder imagético do filme, resultado da soma de vários esforços, como por exemplo, fotografia, maquiagem, efeitos visuais e atuações. A beleza e o horror coexistem. Cenas de paisagens arrebatadoras são intercaladas com a mais crua e perturbadora violência, num ambiente de natureza vívida, mas ao mesmo tempo cruel. O detalhamento técnico empregado em cada ferimento, cada cicatriz e em cada rosto sofrido eleva o realismo, proporcionando um desconforto proposital e necessário ao público. É uma obra dedicada principalmente à força da imagem.
A história se passa no século XIX, em um extenso ambiente montanhoso e nevado, habitado por indígenas, capazes de tudo para defender seu povo e sua terra dos homens de pele branca. Hugh Glass (interpretado de forma visceral por Leonardo DiCaprio) é um caçador em busca de peles de grandes animais. Após ser cruelmente traído por seu companheiro de equipe e quase morrer, ele inicia uma dolorosa, árdua e solitária jornada em busca de vingança. Na sua caminhada cheia de adversidades, terá de lidar não só com os “selvagens” que vivem naquele ambiente gélido, mas também com a fraqueza do próprio corpo, coberto de profundos ferimentos adquiridos após sofrer um ataque de urso (essa cena é assustadoramente crível). Além dos acontecimentos iniciais, a história é basicamente essa jornada, sem maiores aprofundamentos. Alguns “flashbacks” em forma de lembranças ocorrem, justificando através da dor da perda, algumas ações do personagem.
Em entrevistas, Iñárritu descreveu o quão desafiador e complicado foi filmar ‘O Regresso’ naquelas condições ambientais e climáticas extremas. Toda a equipe precisou de fato enfrentar a neve e um frio absurdo. Durante as filmagens no Canadá e na Argentina (que duraram nove meses), alguns atores se machucaram de verdade tendo que se arrastar na areia e na neve, escalar rochedos, andar a cavalo, entrar em água congelante, dentre outras situações. DiCaprio, além de quase ter adquirido hipotermia, precisou comer fígado cru, e sendo ele vegetariano, dá para imaginar o tamanho do sacrifício. Mas todo o esforço resultou em um trabalho tecnicamente lindo, caprichadíssimo, grandioso. As cenas dos confrontos entre caçadores e indígenas são especialmente bem dirigidas, com longos planos e poucos cortes (o que demanda muito mais empenho), dando assim uma maior fluidez e beleza à ação.
‘The Revenant’ é de tirar o fôlego, de segurar firme no assento do cinema, é de deixar as mãos suadas e os nervos, à flor da pele. Tudo é exposto sem qualquer maneirismo, inclusive na violência contra os animais (para essa, logicamente, se fez uso de um CGI hiper realista). O sangue espirra dos corpos dilacerados, atingidos por tiros ou flechas, respingando até mesmo na lente da câmera. Os efeitos sonoros em conjunto com a poderosa trilha sonora também contribuem para a construção de uma atmosfera pesada. Ainda que não chegue ao ponto de contraindicar, acompanhar a dura e angustiante peregrinação de Hugh Glass é instigante, mas exige estômago forte.
Mesmo possuindo muitas qualidades, existe ao menos um significativo ponto fraco. O filme poderia ter ficado ainda melhor caso a relação entre pai e filho (um ponto chave da história) tivesse sido mais bem desenvolvida e fortalecida, pois o que é mostrado não é suficiente para gerar uma identificação, ou para nos fazer perceber a importância e a solidez daquele laço (pelo menos não na intensidade necessária), diluindo assim um pouco da força do propósito de Glass, e quase que anulando qualquer comoção ao fim da projeção.
Entretanto, ainda que haja algumas derrapadas, o trabalho merece aplausos pelo todo. A entrega foi visível por parte de todos, especialmente dos atores (não podemos esquecer Tom Hardy e sua incrível interpretação) e claro, de Iñárritu, que se mostrou corajoso frente ao grande desafio que foi dirigir esse filme. Assim como ‘Birdman’, essa é uma obra que diverge da filmografia do diretor, mas que carrega a sua assinatura. Assim, contanto que continue a nos impressionar e assombrar com sua técnica apurada atrelada a muita audácia, que continue assim e que venham mais trabalhos para nosso deleite visual!
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