Poucos são os filmes que recebem o atributo de revolucionário. Menos ainda são aqueles que além de serem reconhecidos com tal adjetivo possuem a importância histórica de representante de um gênero, de uma época, de um grupo ou de um estilo. A obviedade deste discurso nunca foi tão justificável quando trata-se desta obra de Van Peebles Sir. Sua importância dentro e fora do blaxplotation é gigante, seja pela ousadia gráfica, seja pela estética aliada ao bom uso da falta de orçamento, pela influencia dentro de um gênero durante toda uma década, e até além dela - afinal Tarantino, um dos maiores homenageadores do cinema é fã assumido e por mais que seu Jackie Brown não seja um autentico exemplar do subgênero, a homenagem é das mais reconhecidas - seja pelo espírito de rebeldia, de inconformismo, de ultrapassar as regras que vai muito além do espírito do próprio personagem e do enredo, Sweet Sweetback Badd Aassss Song exala por todos os poros a vontade se subverter, de ir além, de explodir com todas as forças na tela sua ideologia raivosa.

A história simples, de poucos acontecimentos, um jovem defende um desconhecido ativista da agressão de policiais racistas e deve então fugir de uma perseguição incansável de uma policia corrupta e sensacionalista. Mas este enredo é apenas um veículo propulsor para o desejo da obra de criar algo diferente e sair do lugar comum. A obra foi lançada no início dos anos setenta, época propícia a grandes mudanças e na sombra dos primeiros passos da Nova Hollywood e das fortes influencias mundiais incitando a renovação do modo de filmar, o cinema de baixíssimo orçamento fermentava suas idéias e aproveitando-se do momento Melvin Van Peebles transpôs para as telas sua idéia de extrema maturidade.

A primeira marca evidente de mudança está na narrativa frenética, cheia de rupturas repentinas e enlouquecedoras, que jogam o espectador correndo lado a lado com o personagem Sweetback, lembrando Godard e Sganzerla. Uma cena começa e de repente acaba, ou a câmera filma de um angulo logo muda para outro lado, sem pensar já está em outro local, jump cuts insanos, está num plano aberto e sem dar pistas um closeup surge, zoom ins, há algo meio spaghetti no modo de filmar os personagens nas ruas, no modo de filmar seus rostos e apesar das influencias, é altamente original e de estilo próprio. Exaltando a cultura do black music, do funk, do soul até referencias a grupos rebeldes que se popularizaram na época onde as diferenças raciais começavam a ser debatidas.

Além das influencias, um dos pilares da obra é a revolta social. Os personagens do filme vêm de ambientes marginalizados, libertinos e sem pudores. Mas a mercê de forças maiores da sociedade que se utilizam de poderes para manipulá-los. No início Sweetback é usado por policiais como culpado de um crime só para apresentar algum resultado para as pessoas. A mensagem inicial onde Van Peebles diz representar todos aqueles que estão cansados do "Homem", pode possuir mais de um significado. O tal do homem significa a própria raça humana em geral que polui o mundo de injustiças e diferenças sociais ou até mesmo deus, seja qual for o que acredite.

E dessa maneira, contrariando a tudo e a todos, o filme vai só exalando rebeldia e necessidade de mudança, pouco a pouco Sweetback, o herói a margem do mundo, vai se tornando referencia de novos tempos e revoluções sociais, até se configurar nele, que no início era um dependente econômico e que vivia de shows sexuais, incorpora a ideologia de todo uma geração.0 O próprio diretor/roteirista/produtor/ator/compositor assume que o filme é mais sobre sua investida contra a sociedade do que o pai dos blaxploitation, mas o tempo assim o fez, apesar de ser bem mais engajado que os demais e não possuir alguns elementos tradicionais.