“Hipocrisia! Estratégia da grande guerra da vida, é ela quem move as ações de todos os seres.”
Carlos Malheiro Dias
Vivemos em uma sociedade hipócrita. Todas nossas ações são movidas por falsidade, hipocrisia, mentira ou segundas intenções. E é sobre isso que trata o polêmico filme Dogville, do diretor Lars Von Trier. O longa se passa durante a Crise de 29, nos Estados Unidos, e apesar de fazer parte de uma trilogia que critica principalmente o país, acaba servindo como um estudo da sociedade em qualquer lugar do mundo.
Enquanto fugia de gângsteres, Grace chega a uma pacata vila chamada Dogville. Sabendo que precisa ser aceita pelos moradores para que possa viver ali e consequentemente se esconder dos perseguidores, Grace começa a ajudá-los nas tarefas do dia-a-dia. Porém, se no começo os habitantes pareciam pessoas honestas e gentis para com Grace, aos poucos eles começam a revelar sua verdadeira identidade: exploradores que começam a abusar dela e fazê-la passar por situações humilhantes, até que ela desista de continuar na vila.
O grande trunfo do filme é, com certeza, sua crítica social. Primeiramente, é criticado o fato de nossas ações serem movidas, quase sempre, pela falsidade. Em parte, isso se dá pelo ar teatral que domina o filme. Desde o começo, percebemos que o que Von Trier quis passar com essa característica dramatúrgica foi justamente isso: passamos nossa vida atuando, mentindo, fingindo que estamos numa peça de teatro. E claro, essa crítica também se manifesta pela falsa gentileza dos cidadãos de Dogville. Assim como eles, somos falsos, estamos sempre fingindo gostar das pessoas.
Outra crítica do filme é em relação à hipocrisia. Dessa vez, o que contribui para essa crítica é a quase total ausência de cenários no set de gravação do filme, demonstrando o quanto vemos o que acontece a nossa volta. Com exceção de alguns elementos de cena, a vila é toda reproduzida com traços de giz no chão que indicam os limites das casas e ruas de Dogville. Essa ausência de cenografia é uma das mais geniais características do longa. Em uma determinada cena, enquanto Grace é explorada sexualmente por um dos moradores, vemos que todos os cidadãos conseguem ver o ato através das paredes não-existentes, mas ninguém faz nada para mudar isso, todos fingem que não estão vendo aquele ato, coisa semelhante ao que acontece o tempo todo na sociedade: somos hipócritas a ponto de criticar tudo o que vemos de errado, mas não fazemos nada para consertar aquele problema, chegamos às vezes até a praticar o mesmo erro!
Por fim, o filme mostra as segundas intenções, tanto de Grace, que trabalhava para os moradores de Dogville não para ajudá-los em si, e sim para ser aceita por eles e, portanto, continuar morando na vila, como dos moradores em geral, que a aceitaram enquanto na verdade queriam apenas explorá-la. Isso mostra os quão bem construídos os personagens são: eles têm grandes diferenças de personalidade, mas são inteiramente iguais em seus inúmeros defeitos.
Apesar de a crítica social dominar Dogville, o filme não se sustenta apenas disso. Se desconsiderarmos esse caráter crítico, Dogville continua sendo uma obra-prima; uma obra extremamente bem estruturada, com uma direção brilhante de Lars Von Trier, atuações excepcionais de todo o elenco, principalmente de Nicole Kidman, e uma parte técnica invejável. Apesar de sua duração um tanto quanto longa, ficamos com os olhos grudados no filme o tempo todo, para acompanhar a história desde o começo até o - genial, diga-se de passagem - final.
Dogville é a perfeita crítica social aos grandes problemas de hipocrisia que sempre existiram e sempre vão existir. Além disso, é um grande exemplo de que, ao contrário do que muitos dizem, não falta criatividade e genialidade aos filmes atuais. Ainda existem filmes que prezam pela arte do cinema em si, assim como Dogville.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário