Todd Phillips já passeara pelos temas de Joker em sua filmografia pregressa: pela comédia escrachada e anárquica na série “Se Beber, Não Case”, pelos desajustados sociais que precisam criar um espaço próprio de convivência, sejam eles talentosos como em “Phish: Bittersweet Motel” ou nulidades como em seu remake de “Escola para Idiotas”. O principal ponto de aproximação, no entanto, seria o anarquismo niilista, desconfortável e violento de sua biografia de G.G. Allin, “Hated”. É um sinal dos tempos que a atitude grotesca de Allin/Fleck tenha passado em 25 anos do confinamento do documentário underground de estudante para filme de um bilhão de dólares.
A alienação juvenil, o desconforto causado pela solidão, os impulsos e recalques sexuais, as doenças mentais, todos esses elementos de potencial destrutivo para o indivíduo foram ou negligenciados ou controlados por décadas através de uma forte repressão familiar e religiosa. A segunda década dos anos 2000, entretanto, caminhou no sentido de potencializar esses sentimentos – os padrões de sucesso inatingíveis do capitalismo agressivo levaram à formação de uma massa de indivíduos solitários e decepcionados. Em um século de desilusão política, pós-utopias, quando essa massa se inflama o resultado é o niilismo como estratégia política – violência e destruição como única forma de reivindicar uma voz.
Não à toa, ‘Coringa’ nasceu com a estampa de filme-terrorista. Cinemas se recusaram a lançar o filme pelo medo de que se criasse uma ocasião para expressão concreta dessa destruição. A subcultura ‘incel’ (celibatários involuntários) passou a ser especialmente temida – os tais jovens homens problemáticos e reprimidos na infância (como G.G. Allin e Arthur Fleck) passariam a ter um objeto cultural símbolo, um totem que poderia criar coesão e justificar mais ataques como o ocorrido na escola de Suzano ou em diversas ocasiões nos EUA – mais celebremente em Columbine.
Sejam quais forem as ações despertadas pelo filme, Coringa nasce como expressão de uma época. Um filme carregado de revolta e ódio, porém sem saber para onde direcioná-los. Um produto anti-sistema nascido no seio de um sistema e cooptando sentimentos para fortalecer esse sistema e não para de alguma forma modificá-lo ou destruí-lo. Em arte, não há revolução política sem revolução formal.
Bem ao modo dos anos 2010, um produto que gera catarse e serve como válvula de escape para sentimentos de desconforto enquanto o sistema segue intocado. A pressão se alivia e imediatamente volta a crescer, num ciclo que se estenderá até o momento em que essa pressão não poderá mais ser contida e virá a explosão - brevemente em ‘Coringa 2’, num cinema perto de você.
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