O cinema nacional vem ganhando novos ingredientes a cada ano. Um novo ator promissor aqui, uma obra inteligente acolá... tudo isso em meio às baboseiras de sempre, como "Se Eu Fosse Você", por exemplo. Citei a comédia estrelada por Tony Ramos por dois motivos: primeiro porque o filme que irei resenhar também conta com o ilustre ator no elenco, e segundo porque o diretor das duas obras é o mesmo: Daniel Filho. Falando nisso, andei lendo algumas críticas positivas sobre o novo longa internet afora, mas, como só acredito vendo, precisei ir ao cinema para checar o trabalho do cineasta. Hei de confessar que me surpreendi um bocado. Pois é, caros leitores; "Tempos de Paz", que passa bem longe de ser uma obra-prima (vale dizer), também é facilmente o melhor trabalho na cinebiografia de Daniel Filho.
O longa é inspirado na obra teatral "Novas Diretrizes em Tempos de Paz", de Bosco Brasil. À grosso modo, a história se passa no final da Segunda Guerra Mundial, quando imigrantes europeus iniciaram um processo migratório para outros países. No Brasil, o governo Getúlio Vargas impunha barreiras contra a possível vinda de adeptos do nazi-fascismo para cá. É nesse contexto que há o embate entre Clausewitz (Dan Stulbach) e Segismundo (Tony Ramos). O primeiro tenta entrar no país alegando ser agricultor, enquanto o segundo tem que interrogá-lo para identificar possíveis tendências nazistas. Nos palcos, a dupla principal era a mesma, o que explica a química entre as personagens. Além disso, a parceria ajudou na hora de transpôr a linguagem teatral para a cinematográfica. Isso, aliás, o diretor faz com bastante competência, sempre auxiliado por uma trilha sonora honesta, simples e eficiente.
Um dos pontos chave da trama é o roteiro. Posso afirmar que ele é bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque deixa poucos furos. A história, que é pouco extensa por si só, podemos dizer que é bem contada e vai ganhando alguns contornos bem vagarosamente - o que é interessante. Por outro lado, a subtrama que envolve o médico em busca do seu 'carrasco' é falha e muito pouco aprofundada. Daniel Filho (que por sinal interpreta o médico) poderia ter construído melhor essa parte, pois para o espectador ela fica como uma mera paisagem, apenas para agregar alguma coisa extra à história.
Tais erros, no entanto, ficam bem pequenos se comparado ao desempenho pungente dos atores. Falo aqui especialmente de Dan Stulbach - para mim uma das melhores figuras da dramaturgia nacional. Sou fan confesso de seu trabalho, desde os tempos das raquetadas na bela Helena Ranaldi (acho que todos lembram dessa, certo?). Na pele de Clausewitz, Stulbach é um show em cena. Sabe utilizar a linguagem teatral e adaptá-la de maneira magnífica. Seu personagem, destacado pelo sotaque inconfundível, é inocente e carismático, daqueles que vivenciou horrores de uma guerra sem perder a alegria e os encantos da vida. Tony Ramos, por sua vez, também agrega bons elementos ao impiedoso Segismundo - aquele que sempre seguiu ordens de seu padrinho. Seu grande erro, ou talvez falha mesmo, é ser parecido com todos os outros personagens de sua carreira. Sempre os mesmos trejeitos, sempre as mesmas caras e bocas... ver Tony Ramos em cena passa algo como: "eu já vi isso antes em algum lugar". Acho ele ótimo ator, mas com pouca capacidade de 'metamorfose', podemos assim dizer.
"Tempos de Paz" é um filme recomendável, embora seja teatral por natureza. Transformar uma obra dessas em cinema faz com que ela perca muitos elementos exclusivos do teatro. Ainda assim, Daniel Filho consegue adaptá-la de uma maneira competente, sendo muito fiel ao texto original e sem inventar modismos desnecessários. Por fim, posso dizer que a trama vale mesmo pelo embate entre dois ótimos atores com seus personagens muito bem aprofundados e conflituosos. Para os cri-críticos, algumas falhas técnicas saltam aos olhos (a maioria delas, na verdade). Reparem nos efeitos especiais... de péssima qualidade! Mas isso já é outra história...
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