Vida pessoal agitada e polêmica, Fassbinder foi principalmente o diretor de filmes polêmicos.
Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) fez mais de 40 filmes e quase 20 peças de teatro como ator, diretor e escritor em apenas 15 anos de carreira. Nessa fúria desmesurada, conseguiu a proeza de roteirizar, dirigir e produzir Berlin Alexanderplatz, considerado o filme mais longo então filmado, com 15 horas de duração. Arranjou tempo ainda para ser um dos precursores da cultura do couro, ou seja, aquela gente que freqüenta bares usando jaquetas pretas, jeans e barbas. Na gíria, os “ursos” (bears).
Para dar conta de tudo isso, não dormia e tinha um humor do cão. Filmava sempre com a mesma equipe, algumas vezes em casas alugadas, e tratava todos como cachorros, aos berros e sem nenhuma educação.
A vida pessoal fez questão de fazer publicidade dela, uma mistura de sexo alternativo, drogas e atitudes escandalosas. Hoje não teria o mesmo impacto, mas, na década de 70, o pessoal horrorizou com as orgias homossexuais, freqüentes episódios envolvendo violência (e a polícia) e, por fim, um abuso sexual de um adolescente, que o levou aos tribunais, sem contar o amante que foi encontrado morto, depois de um suicídio, no apartamento do cineasta.
Não saía dos jornais. Suas entrevistas eram o delírio das publicações, pois sempre continham os ingredientes necessários para causar polêmicas, seja no aspecto político, artístico ou estético. Filmava uma média de três filmes por ano, a maioria produções baratas, toscas até, mas sempre contundentes.
Sua companhia teatral incluía a mãe entre os atores e as duas mulheres com quem se casou, Ingrid Caven e Juliane Lorenz, além de um sem número de amantes homens. Era viciado em whisky, Valium e cocaína, fumava no mínimo dois maços de cigarro sem filtro por dia e escrevia os roteiros dos filmes e das peças em bares gays decadentes. Odiava o cinema alemão feito na época (com razão) e foi um dos primeiros a adotar a estética de Hollywood, fato que o aproximou dos diretores da Nouvelle Vague francesa.
Nasceu em Munique e, aos 15, declarou a homossexualidade ao pai, um médico - a mãe era tradutora. Freqüentador do mundo underground da sua cidade natal, lá conheceu Udo Kier, quem lhe abriu as portas do cinema e do teatro. Estudou teatro na universidade (amava Artaud e Brecht) e escreveu sua tese sobre os gêneros hollywoodianos (idolatrava John Ford). Conheceu o grupo Anti-Teatro, no qual começou a carreira artística, dirigindo, atuando e mais tarde escrevendo (Gotas d’água em Pedras Escaldantes, que mais tarde virou filme de François Ozon, estava pronta aos 19 anos). A maioria falava sobre sedução, rebeldia gay, lealdade e, claro, dominação. Nessa época, conheceu Hanna Schygulla.
O primeiro filme foi O Amor é Mais Frio que a Morte (69), mas o sucesso mesmo viria com As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (72), versão para o cinema de sua própria peça. Conta a história de uma famosa designer que se apaixona por uma adolescente arrivista que estava mais interessada em usá-la para se transformar numa modelo de sucesso. Grupos ativistas gays atacaram a obra, acusando-a de homofobia. Em 1974 venceu o prêmio da Crítica no Festival de Cannes com O Medo Come a Alma e ganha projeção internacional.
Com a repercussão, Fassbinder consegue seu passaporte para os EUA e será assistente de direção de Douglas Sirk, alemão que trabalhava em Hollywood e era considerado o rei dos melodramas dos anos 70. Voltou para a Alemanha com carga total e, enquanto derramava filme atrás de filme, era acusado de não ter estilo e de fazer teatro filmado.
Os temas fortes, a estética kitsch, o mundo gay e as aterradoras interpretações dos atores conquistaram o mundo. Produtoras francesas e inglesas financiavam a maioria dos seus filmes, enquanto o artista recebia boicote das televisões alemãs, responsáveis pela produção do país.
A aclamação veio com Despair (77), adaptado de Nabokov, com dinheiro inglês e elenco internacional (e Dirk Bordage), Berlin Alexanderplatz (80), uma exceção feita para a televisão estatal alemã (foi sucesso de audiência) e a trilogia O Casamento de Maria Braun (78), Lola (81) e O Desespero de Veronika Voss (82), que lhe garantiu participação nos grandes festivais europeus, fama e dinheiro. Nessa altura, era considerado o maior cineasta alemão do pós-guerra e o grande renovador do melodrama, ajudando a projetar o cinema do país (junto com Wim Wenders e Werner Herzog).
Ao adaptar Querelle, de Jean Genet, com dinheiro americano, conseguiu o então ídolo sexual americano Brad Davis (que, depois, descobririam ser gay e soropositivo) para protagonista. Fassbinder morreu horas depois do término das filmagens de uma overdose de cocaína. Não viu a polêmica que o filme causaria mundo afora.