Pouco valorizado pela crítica, Jules Dassin foi um dos grandes cineastas do século XX.
Jules Dassin nasceu em Middletown, estado de Connecticut, em dezembro de 1918. Era um dos oito filhos de um casal de emigrantes russos. Ainda criança, mudou-se para o Harlem, em Nova York, onde Dassin passaria toda sua infância. Após formar-se na Morris High School, no Bronx, seguiu para Europa com o objetivo de estudar arte dramática. Em meados dos ano 30, retornou aos Estados Unidos, ingressou em grupos de teatro e participou das suas primeiras produções como ator.
Não era segredo pra ninguém que Dassin já era membro do Partido Comunista desde 1930. Numa entrevista dada em 2002 ao jornal inglês The Guardian, ele dizia que sempre considerara a adesão aos ideais comunistas como algo natural. Habituado a ver desde cedo as diferenças sociais entre os moradores do Harlem e o pessoal refinado da 5ª Avenida, era até esperado que o jovem Dassin se deixasse levar por uma nova proposta política. Ele se retiraria do partido em 1939, desiludido com o tratado de não-agressão mútua assinado entre URSS e a Alemanha de Hitler.
O ano de 1941 marcou sua chegada a Hollywood. No princípio, foi contratado como assistente de Alfred Hitchcock e Garson Kanin. Chamou a atenção dos executivos ao dirigir A Lenda do Coração, curta-metragem de 20 minutos, baseado em conto de Edgar Allan Poe. Decidiu, então, assumir desafios maiores. Em 1942 dirigiu para a MGM seus três primeiros longas-metragens: A Sombra do Passado, Sua Criada Obrigada e Uma Aventura em Paris. O primeiro sucesso de bilheteria veio em 1944, com O Fantasma de Canterville, adaptação do livro de Oscar Wilde, que trazia estampado nos créditos o nome do astro Charles Laughton. Seguiram-se Algemas Para Dois e Uma Carta Para Eve, dois fracassos tão grandes que provocaram a rescisão de seu contrato com a MGM.
Ironicamente, o fim da relação com um grande estúdio representou o início da melhor fase da carreira de Dassin. Com quatro filmes-noir em seqüência, aos quais o diretor incorporou técnicas do neo-realismo italiano, ele se estabeleceu como um dos mais importantes cineastas em atividade nos EUA no final dos anos 40. Compõe o quarteto os hoje clássicos Brutalidade (1947), Cidade Nua (quem não se lembra da famosa frase de abertura: Existem oito milhões de estórias na cidade nua. Esta é apenas uma delas), Mercado de Ladrões (1949) e Sombras do Mal (1950).
Nessa época, os EUA viviam a febre anti-comunista. Liderados pelo Senador Joseph McCarthy, pessoas com tendências esquerdistas eram procuradas pelos quatro cantos do País. Um dos alvos preferidos de investigação era Hollywood. Abraham Polonski, Zero Mostel, Dalton Trumbo e Martin Ritt eram apenas alguns dos artistas que tiveram suas carreiras afetadas por aquela caça às bruxas institucionalizada. Com Jules Dassin, a coisa provavelmente não seria diferente, mesmo tendo ele se desligado do Partido Comunista havia mais de 10 anos. A própria realização do seu último filme, Sombras do Mal, já sentira os efeitos na carne. Por ordem do produtor Daryl Zanuck, que receava ter que interromper o projeto no meio, boa parte da obra foi rodada em Londres.
O destino de Dassin foi selado quando os diretores Edward Dmytryck e Frank Tuttle mencionaram seu nome expressamente perante o Comitê de Atividades Anti-Americanas. Acusado de ser – ou ter sido, isso nem importava tanto – simpático à causa comunista, ele sequer teve oportunidade de apresentar sua defesa. As portas para novos trabalhos se fecharam instantaneamente. O estrago em sua carreira estava feito.
O cineasta foi obrigado a mudar-se para a França. Porém, as dificuldades não o abandonaram. Os produtores europeus não queriam bancar os novos projetos de Dassin, já que era grande a probabilidade de eles serem proibidos de circular nos EUA. Por um tempo, tirou seu sustento escrevendo peças e poesias. Até que, em 1955, caiu em suas mãos o roteiro de um projeto de baixo orçamento chamado Rififi. O filme salvou a carreira do cineasta. Apresentado no Festival de Cannes daquele ano, Dassin saiu com o prêmio de melhor diretor. O sucesso da fita na Europa foi espetacular. Sua fama atravessou o Atlântico e foi parar nos EUA, onde logo ganhou o status de cult. Hoje, mais de 50 anos depois de seu lançamento, permanece clássica a seqüência do roubo da joalheria, 35 minutos de absoluto silêncio e tensão.
A sorte de Dassin mudara de lado. Em 1956, ele conheceu sua musa e futura segunda esposa, a atriz grega Melina Mercouri. Com a ajuda do pai dela, membro do parlamento grego, o diretor conseguiu financiamento para rodar seu filme seguinte, Aquele que Deve Morrer, baseado no romance de Niko Kazantzakis (anos depois, Dassin revelaria ser este seu filme preferido). Lançado em 1957, o longa-metragem foi bem recebido pela crítica, tendo concorrido à Palma de Ouro em Cannes e ao Bafta de melhor filme.
Em 1960, Dassin retribuiu o favor a Mercouri, fazendo dela a estrela de Nunca aos Domingos, outro de seus maiores êxitos de bilheteria e de crítica. O filme ganhou o Oscar de melhor canção original, além de ser indicado aos prêmios de melhor direção e roteiro original (ambas para Dassin) e melhor atriz (Mercouri).
Seus dois filmes seguintes, A Lei dos Crápulas (estrelado por um trinca de ouro formada por Gina Lolobrigida, Marcello Mastroiani e Yves Montand) e Profanação (novamente com Melina Mercouri, com quem se casara em 1962), fracassaram. Dassin reencontrou seu público em Topkapi, de 1964, comédia leve que misturava a despretensão de Nunca aos Domingos com a temática de assalto de Rififi. Topkaki rendeu a Peter Ustinov o Oscar - seu segundo - de melhor ator coadjuvante.
O Poder Negro, de 1968, uma versão afro-americana de O Delator, de John Ford, foi seu primeiro filme rodado nos EUA após a fuga do marcathismo, 15 anos antes. No mesmo ano, nos palcos da Broadaway, Dassin ainda dirigiu a peça Ilya Darling, adaptação musical de Nunca aos Domingos, com Melina Mercouri revivendo o mesmo papel do cinema.
Entre 1968 e 1974, o casal Dassin e Mercouri, notórios combatentes do regime ditatorial que vigorava na Grécia, viu-se obrigado a se exilar. Com o retorno da democracia, Mercouri tornou-se membro do parlamento grego e, mais tarde, ministra da cultura. Ela morreu em 1994. Não tiveram filhos.
Cineasta versátil, que trafegava com facilidade entre o suspense, o drama e a comédia, Jules Dassin teve sua carreira cindida por força dos ideais liberais que sempre defendeu. Com parte da sua obra rodada nos EUA e a outra na Europa, é possível que o legado deixado pelo diretor não tenha sido avaliado com o devido cuidado. Em geral, os críticos elogiam a primeira metade (basicamente seus quatro filmes-noir) e desprezam a segunda (quase tudo o que veio após Topkapi). Certa ou não essa análise, o mais importante é que a obra deste grande cineasta está aí, viva, atual e pronta para ser (re)descoberta por toda uma geração de novos cinéfilos.