Dono de um sorriso diabolicamente sedutor, conheça a carreira da lenda do cinema.
Dono de um diabólico sorriso sedutor, John Joseph Nicholson, mais conhecido como Jack Nicholson, é uma das maiores lendas vivas da história do cinema. Mesmo famoso e consagrado, nunca deixou de aceitar trabalhos menores e desafiadores, sempre do modo irreverente e com muito carisma, tentando fugir dos tradicionais clichês e interpretações fáceis - armadilha na qual a maioria dos atores de sua idade costumam cair.
Esbanja talento nos mais diversos tipos de papéis, desde loucos insanos que tentam matar a família a velhos aposentados que procuram um valor em sua vida. Talento este que rendeu a Jack inúmeros prêmios. Até hoje, foram doze indicações para o Oscar, sendo que levou três prêmios para casa, tornando-se o maior nome da premiação de todos os tempos. Quinze vezes indicado ao Globo de Ouro, faturou seis, além de um prêmio especial Cecil B. DeMille pelo conjunto da obra, em 1999. Um currículo absolutamente invejável, mesmo para outros nomes consagrados de sua geração e passadas.
Foi abandonado pelo pai ainda na infância e cresceu sendo criado pela avó - quem acreditava ser sua mãe. Só que o que Jack não sabia era que sua irmã mais velha era, na verdade, sua mãe real. Apenas quando a revista Times resolveu fazer uma matéria sobre o astro, investigando sua vida a fundo, a verdade foi descoberta. Viciado em jogos do Los Angeles Lakers, sua agenda de compromissos deve ser pensada de acordo com os jogos da equipe na liga, pois Nicholson nunca perde um jogo deles em casa.
Foi para a Califórnia assim que se formou no segundo grau e não voltou mais. Entrou no ramo cinematográfico pelos fundos, na oportunidade que teve como office-boy do departamento de animação da MGM. Até conseguir seu primeiro trabalho no cinema, teve de se matar em diversos empregos e papéis pequenos na TV. Foi quando conseguiu o personagem principal de The Cry Baby Killer (1958), de Jus Addis, como o delinqüente Jimmy Wallace. Ele é um suspeito de assassinato e que mantém algumas pessoas como reféns, enquanto foge desesperado da polícia. Um Nicholson novo, em torno de vinte um anos, em um filme absolutamente difícil de se encontrar no Brasil (não há cópias nacionais).
Em 1960, faria uma ponta em A Pequena Loja dos Horrores, clássico do terror de humor negro de Roger Corman, como o paciente dental masoquista. Voltaria a trabalhar com Corman em O Corvo e em Sombras do Terror, ambos de 1963, no qual Nicholson teve uma participação não creditada na direção, assim como um certo Francis Ford Coppola. Apesar do destaque, sua carreira ainda não havia decolado.
A fama chegou poucos anos, depois de algumas tentativas independentes com o amigo Monte Hellman e um casamento mal sucedido com Sandra Knight. Mais precisamente em 1969, quando deixou de participar de Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas (que levou o bad boy Warren Beatty ao sucesso) para fazer uma participação no longa experimental Sem Destino, do ator e diretor Dennis Hopper. Mas a troca do protagonista pelo coadjuvante valeu a pena: Jack Nicholson, por seu papel do advogado alcoólatra chamado George Hanson, recebeu sua primeira indicação ao Oscar.
No musical On a Clear Day You Can See Forever, trabalhava em mais um filme de destaque, com Barbra Streisand, e tendo seu cachê aumentado para impressionantes doze mil e quinhentos dólares. Já havia sido indicado mais uma vez ao Oscar, por Cada um Vive Como Quer, quando ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes pelo filme A Última Missão, de Hal Ashby. Mais uma vez contou com a sorte ao ter seu trabalho reconhecido, uma vez que, para atuar neste filme, deixou de fazer Johnny Hooker no clássico Golpe de Mestre.
Sempre dizem que quem tem talento tem sorte. Nicholson chegou a fazer testes para interpretar Michael Corleone em O Poderoso Chefão, papel que consagrou de vez o quase estreante Al Pacino, junto com Dustin Hoffman e, vejam só, novamente Warren Beatty. Trabalhar com Marlon Brando sempre foi um sonho. Teve a oportunidade no clássico já citado e em outro trabalho de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now, mas apenas realizou o sonho em Duelo de Gigantes, quando já havia se consagrado na Academia. Nicholson, Brando e Beatty, em 1977, eram vizinhos na famosa Bad Boy Drive, na Mulholand Drive, em Hollywood.
Mas, antes disso, mesmo com talento, ainda faltava alguma coisa para Nicholson se firmar de vez e não sumir do mapa, como diversos outros atores de sucesso relâmpago foram na indústria. E essa chance chegou junto com Roman Polanski e seu ousado Chinatown, onde Nicholson descobre todo um esquema com a água de uma cidade, em uma trama de muita sujeira e corrupção. Seu personagem, Jake 'J.J.' Gittes, tornou-se imortal com o tempo e lhe valeu mais uma indicação ao Oscar - entregue para Art Carney, por sua participação em Harry, O Amigo de Tonto. Neste filme, Nicholson conheceu John Huston, que teria um importante papel em sua vida, anos depois.
No ano seguinte, finalmente conseguira o tão cobiçado Oscar. Um Estranho no Ninho, um dos melhores filmes de todos os tempos, conta a história de Randle McMurphy, um delinqüente que se finge com problemas mentais para fugir da prisão. Acaba em um hospício, mudando a rotina do local e batendo de frente com a temível enfermeira Mildred Ratched. A atriz, Louise Fletcher, também foi premiada com um Oscar, fechando os cinco principais prêmios da noite - filme, diretor, roteiro, ator e atriz -, fato que só se repetiu três vezes ao longo da história da premiação (os outros dois filmes foram Aconteceu Naquela Noite e O Silêncio dos Inocentes).
Ainda em 1975, trabalharia com Michelangelo Antonioni em Profissão: Repórter, confirmando sua vontade de trabalhar com diretores conceituados e em projetos diferentes dos padrões Hollywoodianos. No mesmo ano, trabalhou também novamente com o diretor Mike Nichols em O Golpe do Baú, onde contracenava com o super citado Warren Beatty e Stockard Channing. Voltaria a trabalhar com o diretor em 1994, no papel do lobisomen em Lobo, com Michelle Pfeiffer no elenco, além de ter feito Ânsia de Amar (1971) e A Difcíil Arte de Amar (1986).
Mesmo famoso, Nicholson nunca menosprezou ser coadjuvante. Na verdade, ele sempre viu grande potencial nos papéis. Até hoje, é um dos poucos atores consagrados da história que aceitou fazer tais papéis em Hollywood, uma vez que, depois de alcançado o sucesso, as pessoas só pensam em manter seus nomes em primeiro lugar nos créditos - atitude que, muitas vezes, destrói carreiras. Em 1976, faria um coadjuvante em O Último Magnata, do consagrado diretor Elia Kazan, com o agora famoso por seu papel em O Poderoso Chefão 2, Robert De Niro, e o mega astro Tony Curtis. Dirigiu Christopher Lloyd, Mary Steenburgen e John Belushi em um filme que também protagonizou, chamado Com a Corda no Pescoço.
Diretores brilhantes nunca faltaram na carreira de Nicholson, mas com Stanley Kubrick, sem dúvida, teve um de seus grandes momentos. Em O Iluminado, de 1980, Nicholson reafirma o absurdo talento, criando e improvisando um dos papéis mais assustadores da história do cinema - mesmo que muitos considerem esta a pior obra de Kubrick, afirmação que, obviamente, não concordo. A história é sobre um homem que aceita um emprego em um isolado hotel, onde houve um cruel massacre anos antes, e acaba enlouquecendo gradativamente por causa da solidão, até tentar matar sua família com um machado.
A partir daí, Nicholson resolveu apostar em menos filmes, trabalhar com os amigos em projetos mais pessoais. Estrelou O Destino Bate a Sua Porta, que já era uma refilmagem de uma refilmagem de um filme de Luchino Visconti, chamado Obsessão, e Reds, do amigo Warren Beatty (sim, novamente ele). Por este último, recebeu mais uma indicação ao Oscar, antes de faturar, dois anos depois, em 1983, o seu segundo Oscar, pelo papel do astronauta sedutor de Laços de Ternura. Voltaria ao papel treze anos depois, em O Entardecer de uma Estrela, mas não conseguiu repetir o sucesso do original.
No auge de sua conturbada relação com Anjelica Huston, filha do diretor John Huston, era lançado A Honra do Poderoso Prizzi, um dos últimos filmes do diretor. Nicholson continuou alternando papéis entre comédias (As Bruxas de Eastwick) e dramáticos (Ironweed, do nosso conhecido Hector Babenco, diretor de Carandiru) até fazer uma de suas grandes obras-primas de toda a sua brilhante carreira.
Com Batman, de Tim Burton, em 1989, Nicholson não foi apenas o Coringa. Indicado para o papel pelo próprio Bob Kane, criador do personagem, Nicholson criou um dos mais altos padrões para interpretações em filmes baseados em histórias em quadrinhos - padrão que, talvez, nunca seja superado. Roubou a cena e criou um vilão tão marcante, mas tão marcante que, se for lançado um outro filme com o personagem, terá que ser apenas daqui há muitos e muitos anos - quando novas gerações já não conheçam tanto o trabalho de Nicholson. Além do sucesso da crítica, seu bolso se encheu com uma bolada milionária. Como estava ganhando em cima da bilheteria do filme, no final das contas, somou nada mais, nada menos do que uma quantia exorbitante de 60 milhões de dólares em sua conta.
Em 1990, sentaria novamente na cadeira de direção para a continuação de Chinatown, chamada de A Chave do Enigma, segunda parte de uma trilogia que nunca teve seu capítulo final - talvez porque esta continuação não foi tão boa quanto o original. Em Questão de Honra, foi indicado mais uma vez a ator coadjuvante e dizem ter dado um conselho que mudaria de vez a carreira do astro Tom Cruise: "se você quer ser levado a sério, pare de fazer esses filmes para adolescentes idiotas". Nos anos seguintes, voltaria a trabalhar com os amigos. Em 1995, filmara Acerto Final, de Sean Penn (trabalharia novamente com ele em A Promessa, de 2001), e em 1996 faria Sangue e Vinho, com Jennifer Lopez e Stephen Dorff, do diretor Bob Rafelson (o mesmo de Cada um Vive Como Quer). No mesmo ano, voltou a trabalhar com Tim Burton no seu estranho e divertido Marte Ataca!
Em 1997, a consagração definitiva da Academia. Com seu Oscar por Melhor é Impossível, Nicholson firmou-se como um dos maiores nomes de todos os tempos do cinema, em uma emocionante premiação, no qual dedicou a estatueta ao amigo J.T. Wlash, que falecera pouco antes da premiação. Melhor é Impossível é do diretor James L. Brooks, que já havia levado Nicholson ao seu segundo prêmio, por Laços de Ternura. Curiosamente, todas as vezes que Nicholson recebeu um Oscar, sua companheira de cena também levou o prêmio de atriz. Foi assim com Louise Fletcher, em Um Estranho no Ninho, foi assim com Shirley MacLaine, em Laços de Ternura e foi assim como Helen Hunt, em Melhor é Impossível.
Nos anos 2000, Nicholson finalmente assumiu a velhice, mas sem perder o charme, nem sua personalidade. Tanto em Alguém tem que Ceder quanto em As Confissões de Schmidt, o ator esbanja talento de sobra e ainda demonstra ter algumas cartas na manga, como por exemplo a seqüência do hospital do primeiro e o emocionante choro ao final do segundo. Em 2006, viveu em Os Infiltrados, de Martin Scorsese, o mafioso Frank Costello, filme que finalmente imortalizou o diretor na cerimônia do Oscar.
Em 2007, trabalhou ao lado de Morgan Freeman em Antes de Partir, filme que brinca com a idade dos dois, ao mesmo tempo que traz reflexão e filosofia (um pouco melosa, é verdade) sobre o ato de envelhecer e seguir em frente para as pessoas.
Quem já viu Nicholson de perto, sabe que, apesar da fama e fortuna, é um homem simples. Para se ter uma idéia, em 2004, compareceu na reunião da turma de 50 anos de formados, surpreendendo a todos no local. Seu nome no meio é tão forte que conseguiu ser indicado ao Oscar em cinco décadas diferentes da premiação (anos 60, 70, 80, 90 e 2000). Logicamente que ele não conseguirá ser indicado a outras cinco mais, porém, mesmo com essa vasta e invejável filmografia, Nicholson continua fazendo os seus trabalhos e impressionando, se reafirmando cada vez mais.
Será que, com tanto carisma, alguém não consegue se entregar? Duvido muito que não.