Um olhar para um paraíso dos clichês...
Os bons filmes nos levam a tantos níveis de introspecção e nos trazem tamanhas revelações sobre os aspectos mais profundos da nossa vida que, antes de tudo, o Cinema se torna um aprendizado. Portanto, se ele realmente existe, quando levantamos da poltrona após um filme que nos faz evoluir, estamos mais perto do paraíso.
A questão porém é que Cinema não é uma revelação divina, é uma construção humana e "Um Olhar do Paraíso" é um filme mal construído. O filme é conduzido com mão pesada pelo diretor Peter Jackson (Almas Gêmeas) que age quase num piloto automático e como se tivesse dirigindo um "Senhor dos Anéis 4". O filme é por conta disso uma supervalorização do papel do diretor e roteirista que impede que os outros elementos do Cinema transmitam as suas parcelas de emoção ao público. Para piorar, quando os demais elementos cinematográficos, como fotografia e elenco, ensaiam alcançar algum destaque, o roteiro do filme os impede de alçar vôos maiores.
O uso excessivo de imagens, de cores, trilha sonora e maneirismos de câmera fazem de "Um Olhar do Paraíso" uma experiência cansativa e arrastada, onde não há espaço para o drama, para a comédia, para a fantasia e nem para o suspense. Há um pouco de tudo e no entanto há muito de nada, já que o filme sabota a si próprio ao entregar uma história ao público que não sabe a que veio.
Digo isso porque "Um Olhar no Paraíso", baseado no livro de Alice Sebold, começa com uma jovem de 14 anos vivendo uma fase estereotipada de crise juvenil, questionando os pais pelos motivos mais fúteis e perseguindo um garoto pelo qual nutre uma paixonite. A primeira decepção do roteiro atrapalhado de “Um Olhar no Paraíso” é a cena da heroína salvando seu irmão. Com auxilio (?) de uma música animada e infame, a menina Susie Salmon dirige uma caminhonete pelas ruas, pronta para causar um acidente fatal com o intuito de salvar seu pequeno irmão. Os méritos de tentar preservar a vida do pequeno não se discutem, já o risco de apresentar uma cena dessas num filme que se diz um filme sério...
Em seguida, a reciprocidade do garoto pelo qual Susie tem uma queda aos sentimentos amorosos de Susie é admirável, uma vez que o garoto sequer é colocado no filme como um conhecido da jovem, mas ainda assim subitamente a convida para sair. Obviamente, o romance sem vida dos dois vai ser questão decisiva no futuro...como acontece em todo filme de "vida" após a morte. A questão é que da magia de “Ghost”, esse filme não tem nada.
Por sorte, ou melhor, por competência dos atores Saoirse Ronan (Desejo e Reparação) e Stanley Tucci (Estrada Para Perdição) ainda há salvação para algumas cenas. O ator, brilhando na caracterização da personalidade doentia de Gerorge e Saiorse Ronan fazendo verdadeiros milagres com a sua fraca personagem, mostram uma cena na qual os exageros de Jackson na trilha sonora e ambientação cabem bem...a cena na qual Susie é convidada para a morte, por assim, dizer.
Daqui pra frente, o filme se divide em duas frentes e tenta ser um filme de fantasia e drama ao mesmo tempo, porém, sem saber o que quer e nem pra onde vai, as duas vertentes se tornam fracassadas. Numa criação efusiva de paisagens coloridas demais ou enegrecidas demais, Jackson não alcança o preciosismo de outros filmes como “Amor Além da Vida” ao criar o lugar no qual Susie passa 12 meses, atravessando o dilema de correr por belíssimas paisagens que vão para além da nossa imaginação ou sofrer com o fato de deixar o mundo em que vive despedaçado com a sua partida. Incrivelmente, a jovem supera esse dilema com facilidade, faz um pouco dos dois e, sem nenhuma evolução espiritual a respeito da sua própria existência, passa doze meses assistindo de camarote a vida continuar sem ela.
No mundo dos vivos (que vivem tão afetados pela partida da filha que parecem mortos também), o pai obsessivo por descobrir quem assassinou a sua filha, construído sem nenhuma novidade pelo fraco Mark Wahlberg, combina perfeitamente com a (ótima) atriz Rachel Weisz, sabotada num papel unidimensional como uma mãe que somatiza todo o sofrimento pela partida de Susie e por isso tem que viajar para longe para superar a morte da filha.
Susan Sarandon, competente como sempre, compõe uma avó excêntrica, mas que pouco contribuiu para o andamento do filme e chega apenas para aumentar a confusão da própria história, uma vez que traz dois ou três momentos cômicos mal encaixados no contexto da família sofrida.
Após o luto, a raiva, as investigações e os passeios no lindo mundo de Alice no qual vive Susie, chegam os 30 minutos finais do filme. É a hora de revelar a últimas fotos de Susie, é a hora do pai descobrir quem assassinou sua filha e da irmã de Susie encontrar uma madeira solta no assoalho do apartamento do assassino onde está escondida a prova dos crimes que ele cometeu; o assassino que agora vive um novo ânimo por matar criancinhas foge. Quanto a isso o filme pouco se preocupa, porque é a hora também da acomodada menina Susie agir, se redimindo do ódio que nutre pelo seu algoz e deixar que o destino se encarregue da vingança. Bonito e justo com as futuras vitimas isso, não?
Dentre as muitas mensagens jogadas para o público de qualquer jeito, eu só absorvi uma para o meu desprazer com o fimzinho do filme: Meninas, não morram sem beijar na boca...e se morrerem, antes de partir, encarnem em alguém, mas não deixe de fazê-lo.
Quando finalmente Susie põe os pés no paraíso e o filme termina, o espectador que não se deixou levar apenas pelas belas imagens do filme percebe que esteve duas horas num verdadeiro inferno!
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