A ilha para qual o cinéfilo deseja ir
Ilha do Medo, o novo filme do gênio Martin Scorsese, vem para ressaltar que o Cinema de qualidade não é construído por fórmulas, mas sim por harmonia de elementos bem realizados (não necessariamente inéditos) reunidos numa projeção. Fazer Cinema é em última instância criar uma ilha.
Chega a ser impressionante e inacreditável sentir-se envolvido novamente por um filme de um estilo tão brutalizado por tantas produções do mesmo nicho, no mesmo gênero cinematográfico, muitas delas ávidas por fazer sucesso a qualquer custo. O filme de Scorsese não traz o roteiro mais original do mundo, mas por se tratar de um trabalho de um diretor extremamente competente e crente num trabalho apurado e metódico, Ilha do Medo consegue construir uma atmosfera que deixa o espectador preso ao nevoeiro de incertezas que permeia a ida do investigador Teddy Daniels até Shutter Island. O longa faz com que o espectador entre no cinema para adentrar num mundo que deixa explicita a realidade bela e crua de personagens humanos, complexos, ambíguos e atormentados pelo passado, pelo fracasso, pelo desejo de vencer e, em ultima instância, pelas dificuldades da vida.
Não sei se foi por meu próprio entusiasmo com o trabalho realizado, mas acredito que o filme não deixe brechas no roteiro, o que para uma produção de suspense nos tempos de hoje é uma coisa de assustar, já que nos últimos anos foram produzidas mais películas interessadas em fazer reviravoltas loucas do que filmes criando histórias com suspense ascendente e genuíno. Há também muitos diretores que por competência ou apenas 'sorte' conseguem construir uma obra razoável ou até mesmo acima media, mas, lamentavelmente, a partir dai tentam reviver o sucesso do primeiro filme nos próximos longas da filmografia e desembocam numa ladeira vertiginosa para a verdadeira loucura. É o caso de o Shyamalan que depois do emblemático “Sexto Sentido” e do interessante “Corpo Fechado”, criou obras tolas como o mais recente “Fim dos Tempos”. Scorsese, velho de guerra, veio flertar com o gênero policial e com o suspense de forma muito mais sutil, apresentando o seu cinema e suas referências cinematográficas de modo fino, atraindo o espectador para Ilha do Medo a cada novo segundo de projeção. Assumindo apenas a responsabilidade de sua cadeira de diretor e deixando que os outros elementos do filme brilhassem em suas funções, o diretor é responsável por criar mais um filme relevante para o Cinema depois de se consagrar como um mestre na arte de filmar.
Há de se falar do elenco de Ilha do Medo que é impecável. Não há um único ator ou atriz em cena que não esteja devidamente alinhado á proposta do filme, despertando no espectador o desejo de rever o filme assim que a projeção termina para acompanhar excelentíssimo trabalho deles. Leonardo DiCaprio, ator que considero o melhor de sua geração, entrega o trabalho mais difícil e consistente da carreira. Um ator dinâmico como ele que já fez inúmeros papéis diferenciados, alguns deles sob a batuta de Scorsese, merece grande parte dos aplausos dirigidos a Ilha do Medo. Ruffalo, Clarkson, Kingsley e Mortimer também têm grandes méritos. Fotografia eficiente e contrastante nos momentos em que deve dividir o real do imaginário e trilha sonora que remete ao trabalho de outros grandes mestres do cinema como Hitchcok ajudam a construir um clima misterioso e tenso dessa ilha dominada pelo medo. O figurino que remete a um pós-guerra tem duplo efeito: o de reconstrução de época e o de criação de um mundo diferente e dissonante da realidade da contemporaneidade, transformando essa ilha num lugar exótico e ainda mais etéreo e distanciado de qualquer referencia ao mundo real do espectador.
A harmonia que existem na criação de Ilha do medo refere-se a própria harmonia criada para convencer Teddy Daniels de algumas verdades das quais não cabe falar aqui para não estragar o filme. Ilha do Medo, enfim, é um exemplar maravilhoso de Cinema com C maiúsculo, feito por pessoas talentosas para tanto. São ilhas como essa que me fazem desejar voltar ao cinema, uma vez, duas vezes, mil vezes.
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