"Isso é coisa de mulher".
Homens e mulheres ainda na condição de meninos e meninas aprendem da mesma forma como decoram as tabuadas o que cabe a cada gênero. Azul é de menino, rosa é de menina. Boneca é de menina e carrinho de menino. Os tempos mudaram e hoje a sociedade está mais diversificada, as escolas e as creches já não podem mais suprimir a realidade complexa em que vivemos. Estereótipos novos surgiram dentro do próprio seio familiar (pais e mães separados, casais homossexuais adotando crianças, filhos criados por avós...) e, além disso, personalidades de novos estilos e complexidades surgem a cada momento em cada espaço social em que cada um de nós está. Nos dias de hoje, cada um é cada um mesmo. O termo “identidade” nunca esteve tão forte. Esta certamente é a palavra-chave para o filme e para a vida do século XXI também.
As mulheres mudaram. Ainda que continuem indo juntas aos banheiros e fazendo suas reuniões intermináveis, agora elas já conversam sobre outros temas que não são o jantar do dia e os compromissos sociais. A personagem Zoeey interpretada de modo interessante e sem pieguice pela atriz Rashida Jones traz um novo tipo de mulher, menos apegada ao companheiro e também mais madura e menos carente. Quer ser feliz com o noivo, mas quer estar com as amigas também.
A grande mudança que "Eu te amo, Cara" traz porém não é a respeito do comportamento das mulheres, mas sim dos homens. Vejamos o quadro ao qual somos apresentados: Vivendo num mundo quadrado ao extremo, o protagonista Peter Klaven (num trabalho nada menos que perfeito de Paul Rudd) leva uma "vida de escritório". Completamente imerso num relacionamento amoroso que acaba de se transformar num noivado e buscando uma ascensão em seu trabalho, Paul é apresentado no filme como um homem bastante tradicional, tradicional demais para o século XXI, inclusive, mas que vive o dilema de não ter um amigo sequer para ser seu padrinho de casamento.
Obviamente, pelo que foi dito a relação amorosa entre Peter e Zooey é apenas pretexto no filme, mas diferente do que se poderia supor, as relações anexas não são inverossímeis e nem dispensáveis como na maioria dos filmes do gênero. O pai e o irmão gay de Paul, por exemplo, apresentam logo na primeira refeição em família que assistimos, uma afeição inusitada. A aceitação do pai a respeito da orientação sexual de seu filho é a mais natural possível e impressiona vê-los sentados á mesa enquanto o personagem interpretado pelo ator J.K. Simmons comenta o assunto com tanta facilidade, sem fazer piadas ou condená-lo. Pai e filho são melhores amigos, inclusive.
O grande dilema do longa está inclusive nesse termo: melhores amigos. O que é e como se conquista um melhor amigo? Indagado pela noiva sobre o assunto amizade, Peter percebe que sequer tem alguém para convidar para ser padrinho de seu casamento. As tentativas de enxergar nos conhecidos algum laço de amizade ou as tentativas de encontrar um novo amigo são o maior enfoque da primeira parte do filme. Mostrando variadas perspectivas dos relacionamentos atuais no âmbito das relações entre homens, "Eu te amo, Cara" reafirma como num mundo de relações complexas, os interesses podem ser mal compreendidos e revela como tentativas frustradas podem contribuir para tornar as pessoas introspectivas e estranhas ao mundo exterior.
Atravessando desde um jantar com o amigo gay do irmão até um velhinho que busca amizades virtuais com uma foto de outra pessoa (situação que apesar de comum e inicialmente cômica no filme, traz um viés critico interessante), perpassando ainda um torcedor subornado para ser seu amigo, Peter e os espectadores seguem uma divertida e importante jornada para encontrar um amigo e candidato a padrinho exemplar de casamento. Dentre as diversas situações superficiais as quais Peter recorre para se aproximar de alguém é triste constatar que na maioria delas, tudo que o protagonista (e o espectador) faz é viver como um ator numa vida completamente compartimentada e de sucesso aparente e, em algumas vezes, de profundidade zero.
Quando procura enxergar graus de intimidade com os conhecidos, a situação de Peter se torna ainda mais tensa, pois as tentativas de adentrar em grupos fechados de amigos e se relacionar com pessoas fartamente simpáticas do seu trabalho (como o colega de escritório) se mostram tentativas altamente frustrantes e vazias de conteúdo, pois motivado apenas por jogos de pôquer e vídeos enviados por email, Peter vê que não é possível se construir nada além de coleguismo numa relação de pura situação e oportunidade.
Num relativamente curto espaço de tempo, “Eu te amo, Cara” mostra uma série de empecilhos para se encontrar um amigo. Quando encontra Sydney porém os problemas de Peter apenas começam. Trata-se da segunda parte do filme, comandada pelo descolado e sincero Sydney (interpretado com maestria pelo ator Jason Segel). Syd é o amigo ideal, engraçado, desestressado e bacana. Porém, os dois desacostumados com amizades verdadeiras e duradouras ao mesmo tempo embarcam em experiências de libertação pessoal das quais Peter ainda não havia experimentado antes. Sydney passa a exigir muito tempo de Peter. Zooey também. O ciúme é inevitável, afinal, numa sociedade de relacionamentos aprisionadores não há espaço para um namoro que não seja casamento e não há espaço para amizade que não seja entre melhores amigos que estão juntos o tempo inteiro. A intensidade e a gana dos indivíduos por "ter algo" alcançou o "ter alguém" também.
O desfecho do filme é piegas e conhecido do grande público em milhares de outras produções, mas os méritos do filme dirigido e roterizado por John Hamburg que bebe da fonte do ótimo francês “Meu Melhor Amigo” são muitos e ajudam ao espectador a passar por cima disso. Os momentos cômicos são leves e orgânicos na trama, sem gags e situações forçadas, afinal até que os personagens em volta de Peter e ele mesmo possam vir a assumir a complexidade das relações e até mesmo aceitar dizer um "Eu te amo, Cara" é preciso naturalidade e sobretudo muita amizade. Não se vê isso todo dia. Não se vê isso em todo filme.
Essa é a crítica mais sincera que vi para esse filme. ótima por sinal.
Ótima crítica mesmo.
Adorei esse filme por ser um os únicos que conheço a tratar sobre a amizade masculina pra além dos estereótipos machistas sem precisar perder o senso de humor.