Este que vos escreve sentiu receio quando soube da premissa do sexto filme de James Gray: um homem obstinado por encontrar uma civilização perdida se embrenha na Amazônia por causa dessa procura. Resumidamente, é sobre esse pilar que se apoia Z - A cidade perdida (The lost city of Z, 2016). Por que o receio? Não é exatamente a temática que se espera de um diretor de seu calibre, mais afeito a retratos urbanos pintados com certo intimismo, especialmente sua obra-prima, Amantes/i> (Two lovers, 2008). O filme em análise está mais para um Werner Herzog, realizador de Aguirre, a cólera dos deuses/i> (Der Zorn Gottes, 1972) e Fitzcarraldo (idem, 1972), cujos enredos se desdobram em aventuras megalomaníacas. Os pés atrás, contudo, ficaram no passado logo nos primeiros minutos de sessão de mais um Gray, que demonstra manter um elo coesivo com sua obra pregressa, e são detalhes aqui e e ali a sedimentar essa observação.
O papel principal coube a Charlie Hunnan, e aqui está outra diferença em relação aos últimos filmes do diretor: sua parceria habitual com Joaquin Phoenix, celebrada em três longas, foi interrompida aqui. Se, por um lado, fica a lamentação pela ausência de Phoenix, por outro fica a tranquilidade pela competência de Hunnan vivendo Percy Fawcett, cujo ímpeto aventureiro desafia o conhecimento geográfico de seu tempo. Mesmo já tendo família constituída, com um filho pequeno e outro no ventre da esposa Nina (Sienna Miller), ele embarca numa jornada selva adentro tendo ao seu lado uma comitiva que também conta com Henry Costin (Robert Pattinson), conhecedor de alguns dos mistérios que o ambiente hostil resguarda. Assim, Z - A cidade perdida revela sua estrutura narrativa clássica, reafirmado Gray como um diretor perdido no tempo, o que está muito longe de ser um defeito. Pode ser para muitos nesses dias de obsolescência acelerada de relações e sentimentos, mas há beleza e qualidade nesse anacronismo, por assim dizer.
Hunnan teve um desafio e tanto como Percy. O explorador atravessa os anos movido pela já citada obsessão, focado em estabelecer seu nome, mas o roteiro é cuidadoso em não achatá-lo como um mero vilão ou como herói prototípico. Ao fugir de perspectivas maniqueístas, a aventura fica mais rica e interessante, valendo cada um de seus 141 minutos, que passam com notável fluidez. O tempo avança e suas feições de Percy vão se tornando envelhecidas, e seu corpo vai deixando aos poucos de responder como antes, em grande medida por causa das idas e vindas à floresta, sempre com uma sucessão de perigos, incluindo nativos que não dominam a língua inglesa, fator dificultante na comunicação com ele e sua equipe. Na primeira viagem eles já precisam lidar com a hostilidade dos habitantes locais, que lhes destinam flechas, e ao tentar se defender das armas, se jogam no rio, infestado de piranhas, numa das sequências que despertam mais nervosismo em todo o filme. Aos poucos, Percy vai aprendendo o espanhol e conquistando a confiança dos ex-inimigos, mas a chegada a Z ainda parece uma quimera.
O livro assinado por David Grann, repórter da conceituada revista New Yorker, foi a base para o roteiro de Gray. A publicação apresenta a aventura do coronel Fawcett em busca da cidade de Eldorado, à qual ele deu o codinome de Z, da mesma maneira que o longa conta. Suas expedições repercurtiram não apenas entre a comunidade científica da época, mas também ecoaram pelas décadas subsequentes como um exemplo de delírio febril, até que novas pesquisas pelo território selvagem lançaram uma luz diferente sobre o que se conhecia até então. Com pouca novidade a descobrir em termos de acontecimentos, Z - A cidade perdida/i> é um daqueles casos de filme em que não importa muito o que acontece, mas como acontece. E os aspectos técnicos reforçam a qualidade da obra, como a fotografia na qual predominam tonalidades contrastantes para delinear o ambiente da floresta e o da sociedade urbana das primeiras décadas do século XX. É o segundo trabalho consecutivo de Gray nessa categoria com o o iraniano Darius Khondji, depois das duas parcerias com Joaquin Baca-Asay - em Os donos da noite/i> (We own the night, 2007) e Amantes.
Do currículo de Kohndji, de mais 62 títulos, constam trabalhos com David Fincher e Woody Allen, referências mais do que autenticadas de qualidade. Uma breve pesquisa sobre o fotógrafo revela que seu contato com essa arte vem da infância, quando já filmava em super 8, e diz-se que talvez seja dessa época que vem seu gosto por cores saturadas e que tão bem se encaixam no cinema de Gray. Para além dessa saturação cromática verificável em Z - A cidade perdida/i>, seu trabalho também coloca os personagens em atmosferas enfumaçadas e cultiva um perfeccionismo que por vezes o diferencia de outros colegas, não necessariamente no sentido de torná-lo melhor - estilos de trabalho diferentes, afinal. Cabe falar ainda que brevemente de Pattinson, bem distante da persona de certo vampiro. Suas últimas escolhas (ou buscas) têm sido acertadas e aqui ele quase desaparece na pele de Costin, deixando o personagem prevalecer sobre o ator. E a jovem promessa Tom Holland surge na pele do filho mais velho de Fawcett, com quem tem relação conturbada, um dos entrechos mais emocionantes de todo o longa, sobretudo quando eles têm nova chance juntos rumo ao epílogo da obra, que reafirma Gray como um classicista do nosso tempo.
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