Romeu e Julieta. O clássico de Shakespeare, as duas famílias rivais, o amor impossível, o amor a primeira vista, intenso, o pedido de casamento imediato, a perda da virgindade com o primeiro amor, a peça de teatro de duas horas, a tragédia, a morte.
James Cameron entra na sala dos executivos da Fox com um livro com uma ilustração ocupando duas páginas mostrando o Titanic com a proa submersa, o mar iluminado, os passageiros em botes ou ao mar, pelas suas luzes, pelos fogos de artifício, pelas estrelas, e diz: "Romeu e Julieta nisso.".
Com crédito, tendo realizado os sucessos de porradaria "O Exterminador do Futuro" e sua sequência que apresentou uma revolução impressionante nos efeitos visuais que seria repetida no futuro com Matrix, Cameron embarca num épico de orçamento estratosférico para a época, atrasos, estouros do já estourado orçamento, mais atrasos, piadas na mídia que dizia que seu filme estava "afundando", chega em 1997 um vislumbrante conto da libertação feminina, apaixonante, delicado, simples, explosivo, e exterminador. George Lucas que o diga, guardou seu episódio 1 na geladeira por 2 anos pra não enfrentar o navio que nem Deus poderia afundar.
O cineasta, mergulhador e ufólogo, que fez um filme sobre alienígenas, um filme sobre um navio no fundo do mar, e um filme sobre alienígenas no fundo do mar, (as duas maiores bilheterias da história), com visitas submarinas ao verdadeiro Titanic, filmado com tecnologia desenvolvida para o filme, James, o exímio contador de histórias, nos mostra o lamentável destino do luxuoso navio. "Por que você vai fazer um filme que todo mundo já sabe como termina?", questionavam, o navio afunda, todos sabem. Leigos, o que importa não é o final da história, mas a história, o que há nela, e como é contada. E isso ele sabe fazer.
Brincando com o submarino, usando seu amigo pessoal Bill Paxtoon como seu alter-ego na tela, em busca de um diamante de valor inestimável, o objetivo é ir a fundo intensamente e recuperar o "Coração do Oceano", o que ele só quer é dinheiro, (2 bilhões de dólares, por exemplo), mas nem entrando no secreto abismo o encontra, mas recebe pista de uma das últimas passageiras vivas, ressuscitando das profundezas a atriz Gloria Stuart, atriz dos tempos da velha Hollywood, com sua Rose DeWitt Bukater, bela, recadada e do lar, mas o era só antes de conhecer Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), o queridinho da novíssima hollywood, a sensação das garotas dos anos 90. A pobre menina rica, e o rico menino pobre, Romeu e Julieta, o amor proibido. Com o casamento arranjado pra salvar as finanças da venenosa, ambiciosa e viúva mãe, Rose põe tudo a perder quando o coração fala mais alto, as festas das acomodações de terceira classe, quase sem ratos, a tiram do marasmo da nobreza, dos papinhos furados de negócios dos homens, do tricô das mulheres, e principalmente tiram sua vontade de afundar com o coração no oceano, a reaviva. Driblando os clichês e previsibilidades, óbvio que é necessário empecilhos ao romance que parece destinado a naufragar, a indecisão, a reviravolta. Mas não. Chega de ser mandada, chega de patriarcado, é hora de invadir um carro no convés de cargas e perder a virgindade com um cara que conheceu anteontem. Rose Dawson, decidida a desembarcar com o rato de esgoto com 10 dólares no bolso, aprender a cuspir, a montar a cavalo com as pernas de cada lado, beber cerveja, ser atriz, ter filhos com ele. Iceberg vem em frente.
Agora vem o espetáculo. Por quê fazer uma história que todo mundo já sabe como termina? Sim, todo mundo já conhece Titanic, não é mais necessário contar a história, Jack salva Rose de todas as maneiras que se pode salvar uma mulher. Os ricos prendem os pobres no convés de baixo e tentam não encher muito os botes, seria desconfortável um naufrágio sem classe, sem violinos tocando até o final. E eis que todo o investimento vale a pena. Depois de recriar o navio quase em tamanho real, com toda a suntuosidade da Bella Epòque, os cenários, o figurino, Cameron afunda o navio na nossa frente, cumprindo rigorosamente as duas horas de naufrágio, conforme o engenheiro Thomas Andrews (Victor Garber) profetizou matematicamente, conforme os relatos dos sobreviventes, vemos o navio pouco a pouco indo rumo ao fundo do mar, enquanto Jack e Rose trocam juras de amor, se beijam, se separam, se unem, tentam se salvar, tentam salvar a classe baixa, enfrentam a lei e os costumes, Rose aprende a cuspir na cara do seu ex "dono", manda a mãe à merda, o navio parte ao meio, tudo com uma realidade impressionante, e aquele amor impossível arrancando lágrimas das crianças.
Jack dá sua vida à Rose, que o promete ser feliz e ter filhos, e afunda junto com o Titanic. O coração de Rose está no oceano. O diamante está com ela o tempo todo, mas dinheiro já não interessa ao mercenário, comovido pela história que todo mundo já sabia. Rose, que sob a vibrante batuta de James Horner (morto recentemente num trágico acidente aéreo) inspiradíssimo na trilha sonora, desembarca na terra da liberdade, depara-se com a estátua da liberdade, representada por uma mulher, vive, monta com as pernas de cada lado, vira atriz (nos tempos de Gloria Stuart), bebe cerveja, tem filhos, joga o diamante no fundo do mar, e descansa para ser aplaudida ao encontrar seu primeiro amor na eternidade.
Dedicado a Jorge Balseiros.
Ah sim hehe, vou revisar ainda, queria ter comentado outros aspectos mas o texto ia ficar longo demais.
Nota: My Heart Will Go On é uma excelente música, Celine Dion não tem culpa de as rádios terem tocado a exaustão até ninguém aguentar mais devido ao sucesso do filme.
Sem dúvida, mas é que para muitos é quase impossível notar a diferença.
Faz falta pros comentários do site um texto com tanta sinceridade. Boa parte dos comentários que vão pra página principal, bem feitos ou não, são uns textos muito frios, desprovidos de alguma paixão tanto pra falar bem ou mal, são umas análises muito técnicas, às vezes acabam sendo desinteressantes. Sinto falta dos textos do Cristian nessas horas, dos usuários mais sinceros que o site teve. Lindo texto.