O filme "Cópia Fiel" (Certified Copy), dirigido por Abbas Kiarostami e estrelado por Juliette Binoche e William Shimell, explora de maneira profunda as nuances entre realidade, representação e autenticidade, temas centrais tanto na arte quanto na filosofia. O enredo segue um homem e uma mulher que inicialmente parecem estranhos, mas ao longo do filme passam a simular (ou talvez revelar) que são um casal. A ambiguidade entre o que é real e o que é encenado provoca uma reflexão sobre como a arte imita a vida e como a vida pode imitar a arte.
Neste exemplar tipicamente brasileira no subúrbio paulistano, podemos dixer que o roteiro segue a mesma lógica: quatro garotos cujas casas nunca são mostradas, parecem morar na rua e sobreviver de bicos, acabam sendo pegos em uma enrascada com um policial corrupto, de modo que suas vidas dependem de levantar um bom dinheiro para o explorador. A saída: roubar um banco, mas o farão de forma bem inusitada, simulando como se tudo fosse uma encenação.
O filme, então, passa a olhar com carinho à arte da encanação, desde quando, na perseguição, um dos meninos vai parar no fundo do palco do teatro, com uma câmera e uma trilha que irão valorizar a arte cênica, como estopim e contraponto ao caos da rua. E por que não, como escape?
Esse é um tema que se insere na longa tradição do debate sobre mimesis (imitação), um conceito amplamente discutido na filosofia, especialmente por Platão e Aristóteles. Platão, por exemplo, via a arte como uma imitação da realidade, e por isso tinha uma visão crítica da arte, já que ela representaria uma cópia imperfeita de um mundo que já é uma "cópia" do mundo das ideias. Aristóteles, por outro lado, via a imitação como algo positivo, pois através da arte o ser humano poderia chegar a uma compreensão mais profunda da realidade. Arte é inferior, é igual, ou supera a realidade? Até que ponto toda a nossa realidade não é a mais pura encenação, afinal?
Émile Durkheim, que via a arte e a cultura como reflexos da sociedade, tem uma visão mais crua. Para ele, as instituições sociais moldam as expressões culturais, que por sua vez reproduzem os valores, normas e a própria estrutura social. Assim, a arte imita a vida ao reproduzir a dinâmica e as tensões sociais. As hierarquias e estruturas estão todas ali, ainda que os atores contratadores (alguns famosos) se destaquem, as hierarquias, papéis sociais, são todos reflexos de uma realidade dada, ainda que encenada.
Pierre Bourdieu, com seu conceito de campo cultural, propôs que a arte está inserida em uma rede de relações sociais, onde os artistas produzem em conformidade (ou em resistência) às expectativas de seu meio. Para ele, as obras de arte são produtos de sua época, mas ao mesmo tempo podem agir para transformar a sociedade ao redefinir a percepção e a experiência humana.
Georg Simmel destacou a relação entre o indivíduo e a cultura na sociedade moderna. Para Simmel, a arte não apenas imita a vida, mas também cria novas formas de ver o mundo. A vida imita a arte na medida em que as representações estéticas podem influenciar o comportamento e as percepções dos indivíduos, moldando a experiência humana.
No filme, a relação entre a vida pesada e a o modo como a criatividade em sobreviver é filmada, vai passar o recado de como o sentido estético pode ajudar a contornar a realidade. Claramente, exigirá de nós uma certa suspensão da realdiade, ou da verossimilhança. Mas os quetionamentos resistem aos imensos furos no roteiro: qual o papel da criativade em nosso dia a dia? A ficção pode ser tão poderosa quanto a realidade? Essas questões parecem caras a Jean Baudrillard, que escreveu sobre a "simulação" e o conceito de hiper-realidade. Para Baudrillard, na sociedade contemporânea, a distinção entre realidade e ficção, entre verdade e mentira, se torna cada vez mais ambígua. Como diz uma personagem do filme: está cada vez mais difícil saber o que é a verdade.
Assim, "Passagrana" sugere que, em muitos aspectos, não há uma linha clara entre o que é "verdade" e o que é "representação". A vida, como a arte, é construída de performances e imitações, e as "representações" podem ser tão significativas quanto o real. Aliás, o que é o real?
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário